A marca sem bola do Museu do Futebol
Ethel Leon
Um homem e uma bola. Em foto, pictograma, desenho, aquarela, pixels, é essa a imagem tradicionalmente associada ao futebol. Ofício do corpo atlético, ginga, molejo, força, músculos e suor; também balé aleatório, como já disse alguém, dança ornamental, nas palavras de Anatol Rosenfeld (1), todos traços presentes no livro Futebol Arte, projeto de Jair de Souza. É o que esperava como identidade visual do Museu do Futebol, também desenhada por ele. A surpresa é ver uma marca construtiva, distante do binômio jogador/bola.
Responsável por toda a identidade visual do novo espaço, o designer carioca Jair de Souza optou por representar não o jogo, a ação, mas seu espaço, o campo em que se dá o futebol, mais compatível com a idéia do Museu, a ser inaugurado no fim de junho, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo.
O espaço futebolístico se produz a partir da delimitação do gol. No mundo dos campeonatos oficiais e das peladas, a trave pode ser substituída por duas pedras, latinhas de cerveja, dois pedaços de pau, mas sinaliza sempre o instante dramático do futebol, o gol. É ela que determina o próprio campo, suas dimensões e suas áreas.
As traves da marca,desenhadas sem volume, sem recursos de 3D, criam uma perspectiva, apesar de estarem no mesmo plano. É como se o espectador se postasse, ao mesmo tempo, em dois espaços, na pequena e na grande área, atrás e na frente. Construtiva, mas sem deixar de representar o futebol (como uma tela de Malevich que faz menção ao avião e à vista de cima) (2), o logo é também um portal, um marco, uma moldura e contém, desse modo, a discussão do próprio espaço museal.
Num primeiro momento, conta o designer, a figura do jogador em movimento foi tentada de diversas formas, para representar o Museu. Mas mesmo as mais abstratas estavam longe de chegar ao resultado pretendido. A menção do jogador e sua conquista da bola favorecia a constante interpretação da relação erótica homem/ substituto do seio materno, na vulgata psicanalítica. No livro Futebol Arte, que Souza concebeu como uma “ópera musical”, fazia todo sentido. Em seu texto O futebol no Brasil, Anatol Rosenfeld fala do esporte como “mais elegante [do que o rúgbi], mais sinuoso e, apesar da decidida virilidade, menos dependente da robustez dos ossos e dos músculos” (3). Agora ele está ampliado pela adesão feminina. A marca das duas traves retira o futebol do exclusivo universo masculino, acentua o vazio do campo, que o jogo, de homens ou mulheres, deve preencher.
Com duas cores possíveis – laranja e verde luminoso (mas com sugestão de inúmeras outras cores e combinações) – a identidade visual do Museu também foge do esperado verde/amarelo. “O Museu é do Futebol, sem o termo brasileiro”, explica Souza, “e tem essa pretensão universalizante de sagrar o futebol como brasileiro; não havia sentido criar marca com as cores da bandeira”. E também, acrescenta, “o verde e amarelo faziam perder a perspectiva, pareciam representar o perto e o longe”.
O estúdio Vinte Zero Um, capitaneado por Jair de Souza, é responsável pela direção de arte de todo o Museu, o que implicou no programa de identidade visual, a sinalização e a gráfica de toda estrutura museográfica do novo espaço, que percorre, como descreve Souza, “o negativo das arquibancadas, as entranhas do estádio”.
(1) ROSENFELD, Anatol. O futebol no Brasil. Argumento, ano 1, n. 4, p.81.
(2) Só entendi a menção de representação do avião na tela de Malevich graças à magistral aula ministrada por Helouise Costa no curso Museu, abordagem histórica, FAU/USP, 11 de agosto de 2006. A doxa moderna impediu, durante muito tempo, que se mencionasse o título da tela, justamente porque há nela esses vestígios de representação.
(3) Rosenfeld, A. Op. cit. P. 61.
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