Ano: III Número: 33
ISSN: 1983-005X
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De volta ao futuro: a identidade visual da Fundação Bienal de São Paulo
André Stolarski

Como parte das atividades da área de design da Fundação Bienal de São Paulo, foram lançadas oficialmente as diretrizes de atualização do seu sistema de identidade visual, integralmente baseado num trabalho de "arqueologia visual", que recuperou belíssima versão original do trabalho de Aloisio Magalhães. Foi produzido um vídeo sobre o projeto que está publicado no Youtube.

Como o assunto envolve importante patrimônio visual e o cuidado no seu tratamento para uso presente e futuro, estão reproduzidos abaixo o texto utilizado para a narração do vídeo e outro mais aprofundado, que trata em detalhe de questões metodológicas do projeto.

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Depois de quase um ano de pesquisas, que envolveram o Arquivo Histórico Wanda Svevo e as publicações disponíveis sobre a obra de Aloisio Magalhães, a área de design da Fundação Bienal de São Paulo finalizou o estabelecimento das premissas fundamentais de complementação e organização da identidade visual da instituição, que nunca tinha sido disciplinada em sua totalidade.?O processo, que envolveu a recuperação do histórico do concurso que selecionou a marca da Bienal e a avaliação do seu uso nas últimas quatro décadas, propôs algumas diretrizes visuais fundamentais para a sua manutenção futura, considerando os ambientes impresso, arquitetônico e digital.?O resultado é uma fiel recuperação das principais qualidades do projeto original, que foi consideravelmente descaracterizado ao longo dos anos, tanto por sua intrínseca falta de sistematização quanto pelas mudanças ocorridas no meio artístico e no consequente comportamento comunicacional de suas instituições. Trata-se, enfim, de uma grande homenagem ao trabalho de Aloisio Magalhães, que agora pode ser posto em prática de forma efetivamente consistente.?Dando prosseguimento ao comportamento público e transparente assumido pela fundação, o vídeo apresenta todas as premissas que orientaram o projeto, desde a avaliação do estado atual do uso da identidade até a definição dos códigos visuais que passam a complementar o sinal premiado em 1965.

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[Texto narrado no vídeo]
Atualização e complementação do sistema de identidade visual da Fundação Bienal de São Paulo

Esta apresentação é um resumo do processo de atualização e complementação do sistema de identidade visual da Fundação Bienal de São Paulo, que foi iniciado com a criação de uma área exclusivamente dedicada ao desenvolvimento de projetos de design dentro da instituição por ocasião da preparação da 29ª Bienal de São Paulo. Atualizar e complementar a identidade da Bienal e prepará-la para a 29ª edição foram, desde então, seus principais objetivos.

A preparação da 29ª Bienal de São Paulo está adiantada. Preparamos a identidade visual em estreito contato com a curadoria e com o serviço educativo no final de 2009, elaboramos um conjunto completo de publicações e estamos finalizando o site e o projeto de sinalização do evento.

Com relação à Fundação, estabelecemos um roteiro para que a instituição pudesse atingir a auto-suficiência na elaboração de projetos de design, não apenas em termos da montagem de uma equipe e sua infraestrutura, mas sobretudo a partir da investigação de sua marca, que é o núcleo de onde partem todas as suas ações de comunicação. O desenvolvimento do portal da Bienal, um projeto de grandes proporções cuja publicação está prevista para agosto [2010], depende em parte das  descobertas e propostas dessa investigação.

O momento não poderia ser melhor. No último ano, a Bienal conseguiu se desvencilhar de graves crises, afirmando-se como uma instituição líder na discussão dos rumos da arte contemporânea no país. A 29ª Bienal é uma eloquente expressão dessa nova realidade. É fundamental, portanto, que a expressão visual da instituição esteja à altura do seu papel.

O sinal que dá identidade à Bienal é o resultado de um concurso fechado promovido em 1965, do qual saiu vencedor o designer Aloisio Magalhães, um dos pincipais designers brasileiros, pioneiro da profissão no país. Ao longo dos últimos 45 anos, ele vem consistentemente representando a fundação e é possível estimar que seu reconhecimento seja amplo e disseminado, o que justifica, ao menos neste momento, a sua manutenção.

Contudo, as variações e inconsistências no uso dessa identidade demonstram com clareza que, se a Bienal possui apenas uma marca, mas não um sistema de identidade coerente, disciplinado e preparado para apoiar as suas atividades. As inconsistências, acumuladas ao longo dos anos, ocorrem em todos os âmbitos. Nos impressos, fachadas, paredes e placas do edifício, as assinaturas aparecem com formas, cores e nomenclaturas divergentes.

No entanto, os desafios de um programa de identidade para a Bienal vão muito além da marca. Em primeiro lugar, é preciso assumir uma postura radicalmente comprometida com o preparo e a qualificação visual de seu edifício – um enorme complexo que abriga não apenas as Bienais e sua administração, mas dezenas de outros eventos de grande escala, que ocorrem todos os anos e para os quais a fundação não está adequadamente preparada em termos ambientais.

Em segundo lugar, é preciso lembrar que a Bienal é, em si mesma, uma instituição complexa, responsável por um conjunto pulsante de atividades que se espraiam por diversas áreas, passando pela preparação das Bienais, por projetos especiais, pela captação de recursos e por muitas outras, que necessitam do apoio de ferramentas de comunicação consistentes e eficientes.

A identidade concebida por Aloisio Magalhães foi apresentada simultaneamente como um sinal gráfico e como uma escultura. Seu olhar aguçado produziu um ícone fecundo das possibilidades das vertentes construtivas na arte brasileira. Os registros jornalísticos da época, que incluem a própria escultura como identidade e duas versões incorretamente orientadas do símbolo, mostram também uma versão muito importante do sinal, oficialmente divulgada pelo designer, onde o desenho, ao invés de estar contido num círculo, reproduz o contorno da escultura numa forma única e original.

Começamos nosso trabalho procurando reencontrar os princípios rigorosos que orientaram a construção da marca original. Utilizamos as incipientes grades construtivas disponíveis para reencontrar seus princípios proporcionais, todos curiosamente oriundos do número seis, que é o mesmo número de letras do nome "Bienal". O resultado dessa reconstrução, embora muito parecido com o sinal atual, recupera a força das linhas internas do desenho, que ficam mais bem proporcionadas e mais nítidas em tamanhos pequenos.

Feita a reconstrução, procuramos estudar qual seria a melhor forma de recuperar a coesão entre o desenho original e sua escultura. Descobrimos que a simples retirada da contraforma resultava numa forma parecida com a letra "G", o que contradiz a própria essência do sinal, baseado na partícula "Bi", de Bienal. Isso talvez explique o porquê de essa versão nunca ter sido utilizada, e também porque, ao procurar dar coesão circular ao sinal, Aloisio tenha selecionado duas cores pouco contrastantes.

Entretanto, basta substituir a forma cheia pelos contornos da escultura para que a sílaba "Bi" e a escultura reapareçam, num resultado formal e graficamente muito superior. Marcas em forma de círculo existem aos milhares. Desenhos originais e únicos como esse, muito poucos. Curiosamente, o caminho mais virtuoso para a marca hoje é aquele que mais se aproxima de sua versão original.

Um breve exame das lombadas dos catálogos das últimas bienais mostra outras duas curiosidades. A primeira é que a versão colorida da marca é abandonada sempre que ela precisa conviver com outras informações visuais, tais como identidades gráficas ou obras de arte, colocando em cheque a força pública e a pertinência do uso de cores na marca. A segunda é que o círculo cheio é muito mais fraco que o sinal construído com os contornos da escultura, tanto visual quanto simbolicamente.

Essas foram as razões que nos levaram a recomendar que esta versão passe a ser adotada como o símbolo oficial da Bienal de agora em diante. Há, contudo, outra questão fundamental a ser considerada, que diz respeito ao seu nome.

Hoje, o extenso nome "Fundação Bienal de São Paulo" é usado para identificar a instituição. Mesmo assim, ela é conhecida por diversas outras alcunhas, tanto no Brasil quanto no exterior. Qual delas é a mais adequada?

Para responder a isso, é preciso considerar que a Bienal conseguiu um feito raro no mundo das marcas, que é transformar um substantivo comum em um nome próprio. De um modo geral, Bienais são Bienais de alguma coisa. A Bienal de São Paulo não. Para ela, o nome "Bienal" é suficiente, mesmo fora de contexto. Esta característica é altamente valiosa para a sua marca e deveria ser preservada e enfatizada ao máximo.

Por essa razão, recomendamos que a versão oficial da assinatura da Bienal seja composta apenas pelo sinal de contorno e pelo nome Bienal, sem qualquer outro complemento. O nome completo da Fundação, é claro, deve continuar a ser utilizado para identificar corretamente a razão social da instituição nos seus dados de endereçamento. Antes de finalizarmos nosso raciocínio, contudo, é preciso considerar uma última questão.

Como vimos, o sinal da Bienal é uma obra plástica que surge da abstração da partícula "bi", grafada em minúsculas, que indica a periodicidade de seu principal evento. Associar o sinal ao nome Bienal com inicial maiúscula enfraquece esse vínculo e contradiz o princípio segundo o qual uma identidade deve reforçar a si mesma ao máximo. Nossa proposta, portanto, é muito simples: adotar o sinal com os contornos da partícula "bi" associado ao nome Bienal grafado em minúsculas como núcleo da sua identidade. Uma forma original, acompanhada por um nome que é um patrimônio de marca e que a reforça.

De agora em diante, a Bienal passará a adotar três composições para as suas assinaturas: a horizontal, que é a preferencial; a central, que é adequada para aplicações em espaços de proporção quadrada, e a vertical, perfeita para lombadas e outras aplicações verticais. Essas composições dotarão a Bienal de maior flexibilidade nas aplicações da identidade, em alguns casos com resultados surpreendentes.

A aplicação da assinatura vertical na fachada é um desses casos. Superando em força e visibilidade a aplicação atual, a assinatura reforça a si mesma e à fachada da Bienal pelo uso consciente das proporções presentes no edifício. O mesmo raciocínio de construção das assinaturas facilitará a identificação de espaços e iniciativas especiais dentro da Bienal, eliminando a profusão e o conflito de identidades que a enfraquecem.

Embora a assinatura principal seja composta apenas pelo sinal e o nome Bienal, dois outros formatos especiais poderão ser usados em contextos internacionais. O primeiro deles, que é o preferencial, traz o nome da cidade. O segundo, previsto apenas para casos muito especiais, pode usar o nome traduzido da Bienal na língua a que a comunicação se destina. É a Bienal preparada para o Brasil e para o mundo.

Finalmente, uma última observação. De um modo geral, recomendamos também que as principais aplicações da marca sejam feitas em negativo. Além de torná-la mais luminosa e próxima da escultura original, o uso do negativo é muito benéfico do ponto de vista ambiental, digital e gráfico. No claro ambiente do edifício projetado por Oscar Niemeyer, com sua transparência e seus enormes planos brancos, o uso de suportes vollumétricos escuros facilita a identificação de sinais e valoriza o próprio edifício. Falaremos deste projeto em outra ocasião.

Já no meio digital, o uso de fundos escuros privilegia a luminosidade das imagens, que enfatizam a força da instituição vibrante na qual a Bienal se transformou. O projeto do portal da Bienal também será apresentado em breve. Finalmente, o uso de invólucros impressos escuros tende a ressaltar a marca da Bienal, contrastando elegantemente com a claridade dos papeis que contêm.

Ao fim e ao cabo, temos a sensação de que o trabalho que apresentamos aqui reforça uma das imagens mais célebres de Aloisio Magalhães – a metáfora da história como estilingue. Recuando aos primórdios da implantação da identidade da Bienal, nossa pesquisa nos deu o impulso de que necessitávamos para projetar a instituição com força em direção a um futuro virtuoso que agora se desenha com mais nitidez.

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[Texto que detalha e esclarece aspectos metodológicos e históricos do projeto]
Investigando a marca da Bienal: uma nota metodológica

O projeto de atualização e organização da identidade visual da Fundação Bienal de São Paulo foi iniciado em setembro de 2009 e apresentado em setembro de 2010 pela área de design da fundação. Seu próximo passo é a conclusão da plena manualização e definição de aplicações, prevista para 2011. Nesses doze meses, nosso trabalho consistiu basicamente em fazer um levantamento histórico e propor soluções para os problemas que identificamos. Nesse levantamento, encontramos problemas tanto no projeto original quanto no seu uso posterior. (É bom lembrar que a maioria dos problemas identificados no uso posterior da marca derivam diretamente de falhas objetivas identificadas no projeto original, das quais trataremos a seguir.)

Múltiplas versões - códigos visuais complementares

Que problemas foram esses? Bem, o primeiro deles foi que a marca ganhadora do concurso foi apresentada tão-somente como um sinal, que é o desenho de inscrição circular que conhecemos. (Um sinal, no jargão dos profissionais de identidade, é uma marca que é apenas um desenho, sem características tipográficas evidentes; é impreciso, portanto, referir-se a ele como "logomarca".)

Além de ser apresentado apenas como um sinal, a marca da Bienal foi apresentada de forma ambígua, sem uma versão monocromática nitidamente oficial. Com efeito, existem duas versões monocromáticas, ambas publicadas em jornais da época: uma que simplesmente reproduz o círculo do desenho colorido e outra que respeita a materialidade de sua escultura (esta é a marca que apresentamos para uso privilegiado a partir de agora – uma versão oficial do sinal da Bienal apresentada por Aloisio Magalhães em 1965, que consta da documentação do concurso, dos jornais da época, do livro Aloisio Magalhães: a herança do olhar, página 154, além de figurar na capa do portfólio de sua empresa, a PVDI).

Conhecendo o trabalho do designer, é possível supor com segurança que o desenho surgiu de uma estrutura circular derivada do desenho da partícula "bi", ganhando expressão espacial como escultura logo em seguida. Aloisio prezava o fechamento formal de suas marcas, mas nesse caso manteve uma versão monocromática do sinal em que a forma se mantinha aberta. Há aí uma ambiguidade muito importante, que não pode ser desprezada. No entanto, é a partir da avaliação da história de seu uso, e não exclusivamente de seu momento original, que os dilemas entre essas duas versões podem ser melhor avaliados.

Uma história de indefinições

Não é exagero dizer que, ao longo da história da Bienal, poucas foram as aplicações nas quais o trabalho de Aloisio foi verdadeiramente respeitado. As versões que encontramos no edifício da Bienal traíam todas as características do desenho original – da cor à forma, da espessura à relação do sinal com a tipografia. A razão disso é simples: falta de especificação clara na origem, que gerou má interpretação ao longo do tempo.

A tentativa mais significativa de sistematizar o uso da identidade da Bienal foi feita pelo designer Chico Homem de Melo na década de 1990. Feito com precisão e objetividade, seu manual deixou – talvez intencionalmente – algumas definições em aberto, tais como a plena estruturação de sinal e assinatura, a proposição de um sistema de nomenclaturas, as recomendações para uso da tipografia para além do âmbito da assinatura e a especificação das cores oficiais para meios de reprodução externos à indústria gráfica.

Mesmo assim, é fácil perceber que nem essas indicações foram plenamente respeitadas após a sua publicação. O caso mais frequente – sintomático para nós – é o uso e a substituição perversa da marca colorida como sinal negativo monocromático. O que ocorria? O uso de redesenhos não autorizados e espúrios para reproduzir a marca em fundos escuros. E em que consistiam esses redesenhos? Na substituição da versão cheia (não prevista para uso negativo) por uma versão de contorno adicionada de uma linha branca periférica inexistente na marca original. E por que isso ocorria? Por uma razão muito simples: a forma da marca colorida da Bienal, quando utilizada em negativo, ficava pesada demais.

Mudanças na comunicação visual no mundo da arte

Esse comportamento "ilegal" adotado por muitos designers (inclusive por Stolarski, que trabalhou em diversos projetos da Fundação Bienal de São Paulo desde 1995, incluindo o catálogo da exposição de fotojornalismo e da representação brasileira na Bienal de Joanesburgo) não pode ser ignorado. Por que procediam assim? Por que abandonavam as versões positivas e cheias – coloridas ou monocromáticas – em benefício de versões negativas desenhadas com linhas de contorno? Numa palavra, porque no âmbito artístico as marcas não se comportam como no âmbito corporativo – e a versão colorida da marca da Bienal, na maioria dos casos, comportava-se de forma corporativa demais, presente demais, conspícua demais.

Marcas de museus e instituições culturais precisam poder conviver com contextos em que elas não são as grandes estrelas. Em muitos casos, precisam ser discretas o suficiente para respeitar os trabalhos que acompanham e presentes o suficiente para identificar suas instituições. Como a marca colorida da Bienal não oferecia essa possiblidade em seu desenho original, e como não havia clareza quanto ao uso de suas versões, foi descaracterizada.

Uma versão simultaneamente potente e discreta

Em nosso levantamento, percebemos que, fora do âmbito da papelaria institucional e das folhas de rosto de alguns catálogos, a maioria esmagadora das aplicações (sobretudo as mais recentes) nas quais a marca da Bienal era mais visível (como as lombadas de seus catálogos ou seus cartazes, por exemplo), usava a versão monocromática ou negativa espúria que mencionamos acima (em alguns casos, o desenho adaptado para o negativo era também usado em positivo, o que pode ser considerado uma violência ainda maior).

Ora, a percepção de uma marca equivale ao seu uso efetivo, e não a uma ideia que não se realiza justamente quando é chamada à ação. Esta efetividade da marca, consagrada pelo uso, foi a razão pela qual decidimos encerrar de vez a carreira das marcas de contorno bastardas, entronando para uso preferencial a versão original do desenho de contorno elaborado por Aloisio Magalhães em 1965.

É importante ter em mente que não fizemos isso por puro e simples respeito ao trabalho original, mas porque percebemos que, na versão de contorno improvisada, o círculo externo comprometia brutalmente a percepção da forma que caracteriza o sinal, sobretudo em pequenas dimensões. Ou seja, na versão de contorno feita originalmente por Aloisio, a forma do sinal – e por extensão da escultura – é muito mais perceptível que as improvisações circulares que acabaram se tornando norma. Enfim, o trabalho original não era apenas mais original – era também mais efetivo visualmente.

Uma estrutura necessária

Nossa única intervenção direta no sinal da Bienal, portanto, consistiu em recuperar cuidadosamente as proporções que originaram o seu desenho e, pela primeira vez, dar a ele uma estrutura clara e bem construída, o que é essencial para o seu uso disciplinado. Seguir trabalhando com a identidade da Bienal sem realizar esse procedimento seria simplesmente amador.

Nessa ocasião, verificamos que a espessura das linhas brancas do sinal em cores aumentou levemente com relação à versão digital de que dispúnhamos. Como isso melhorou a visualização dessas linhas em tamanhos muito pequenos – nos quais a marca é mais utilizada –, consideramos que seria ótimo mantê-la, pois sua proporção era mais coerente com as proporções globais da marca.

Contudo, ao assumirmos que a versão preferencial para uso cotidiano deveria ser a versão de contornos pretos apresentada originalmente pelo designer, verificamos que a diferença entre a espessura das linhas de nosso desenho e a dos desenhos de Aloisio era imperceptível! Noutras palavras, as duas versões do sinal possuíam sutis diferenças na espessura das linhas desde a origem.

Poder-se-ia, portanto, argumentar que, nesta operação, alteramos a espessura das linhas do desenho original. No entanto, como essa espessura varia entre as próprias versões oficiais disponíveis, não se pode dizer que elas foram modificadas. Em nosso projeto, procuramos nos aproximar da verdade estrutural da marca, pois encontramos, em nossa pesquisa, as razões que a governam e que, incidentalmente, baseiam-se no número seis (coincidentemente, esse é o número de letras da palavra "Bienal"). Podemos nos estender sobre esse assunto em outra ocasião.

Problemas para a nomenclatura

O fato de a marca ter sido apresentada apenas como sinal também teve fortes consequências de nomenclatura para a assinatura da Bienal. Sem uma definição nítida, a Bienal ficou à deriva nesse aspecto, assumindo-se ora como Bienal, ora como Fundação Bienal de São Paulo, ora como Bienal de São Paulo. É possível, portanto, afirmar que nenhuma delas foi originada direta ou oficialmente do trabalho de Aloisio, que se dedicou exclusivamente ao sinal. Prova disso é que todas as peças apresentadas ao concurso e apresentadas aos meios de comunicação não traziam o nome Bienal em sua composição.

O problema prático gerado por essa indefinição foi enorme. Durante anos, a Bienal oscilou entre usar sua razão social e o nome Bienal sob o sinal, enfrentando enormes problemas de aplicação, evidentes em espaços horizontais exíguos. Em muitos casos, usou-se apenas o sinal, sem acompanhamento do nome, pura e simplesmente por falta de espaço.

Nesse aspecto, nosso projeto propôs duas diretrizes absolutamente conformes ao projeto original: a primeira é valorizar a utilização do nome Bienal, que foi utilizado durante os primeiros anos de aplicação da marca e podia ser visto na fachada do seu pavilhão. Esse nome, como esclarecemos no vídeo, além de ser um forte patrimônio de marca para a fundação, é uma base muito sólida para a utilização da identidade nos mais diversos contextos, e elimina todos os problemas técnicos que a Bienal enfrentou até hoje.

A segunda foi reforçar uma alusão tipográfica presente no sinal original, que é o sufixo "bi" grafado em caixa-baixa. Como não havia proposta tipográfica claramente vinculada ao projeto original, nosso trabalho nesse caso foi efetivamente propositivo, mas teve como único objetivo reforçar o sinal. Felizmente, a retirada do B maiúsculo (ou, para ser mais correto, da versal B) teve um outro efeito positivo: a diminuição de ruído visual, que entrava em competição com o sinal.

Diretrizes ao invés de redesenho

As demais diretrizes propostas, que preveem o uso exclusivo desta versão monocromática e a utilização da versão negativa em determinados contextos, não podem ser consideradas como intervenções no desenho original, mas apenas como orientações para a sua aplicação, baseadas naquilo que já vinha sendo adotado – não por acaso – pela absoluta maioria dos designers que vinham trabalhando com a marca.

Apesar de encararmos nosso trabalho como uma contribuição absolutamente necessária para a melhoria do comportamento da comunicação visual da Bienal, consideramos que ele também contribui com uma interpretação mais próxima da realidade de seu projeto original e tem, portanto, um importante papel histórico.

Post script: breve nota de antecedentes profissionais

A área de design da Fundação Bienal de São Paulo foi montada e é coordenada pelo designer André Stolarski. Sua atuação como designer iniciou-se a partir de seu contato com o professor Chico Homem de Melo e aprofundou-se com Alexandre Wollner, um dos pioneiros da profissão no Brasil.

Atento à importância das contribuições históricas de pioneiros como Wollner e Aloisio Magalhães, Stolarski acabou atuando como historiador bissexto do design gráfico moderno no Brasil, publicando textos como "A identidade visual ganha corpo" (O design gráfico brasileiro: anos 60: Cosac Naify, 2006), em que aborda a atuação dos pioneiros do design no campo da identidade, e Concreta '56 - a raiz da forma (Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2007, que faz um apanhado da produção de design vinculada às vertentes construtivas no Brasil de 1948 a 1964.

Sua relação com o legado dos designers modernos, contudo, vai além da produção escrita. Sob a orientação de Alexandre Wollner, aprendeu a valorizar um aspecto que muitas vezes é deixado de lado ou tratado de forma superficial na elaboração de programas de identidade visual: a sistematização plena de seus códigos visuais (cores, tipografia, diagramas etc), sem o apoio dos quais a marca dificilmente se realiza em sua plenitude.

Unindo essas três características – respeito ao patrimônio visual moderno, ao trabalho de terceiros e atenção absoluta à sistematização, Stolarski realizou, em 1998, sua primeira incursão no que se poderia chamar de "arqueologia e complementação de identidade visual", tendo como cliente uma grande instituição cultural – o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Durante um ano, com o auxílio de uma equipe de dois designers e cinco estagiários, foram pesquisadas as origens da marca do museu, retraçados os passos de seus autores e, com a supervisão de Alexandre Wollner – último designer a refinar sua marca, ainda sem chegar a manualizá-la – consolidou-se uma estrutura e um programa de identidade verdadeiramente profissional, mantido em uso sem qualquer alteração há mais de dez anos.

 


Comentários

Bruno Porto
26/09/2010

Mais uma vez somos brindados com o raciocínio brilhante de André Stolarski em forma de texto – este elegante, preciso e matador! Bravo!

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