Helvetica, o perfume da cidade
Gilberto Paim
Helvetica, documentário de longa metragem dirigido por Gary Hustwit, designer gráfico e cineasta, aborda as diversas opiniões de designers contemporâneos sobre a vasta disseminação da família tipográfica sem serifa desenvolvida, em 1957, por Max Miedinger e Eduard Hoffmann, a partir da fonte Akzidenz Grotesk, lançada em 1896 pela fundação alemã H. Berthold.
Embora centrado na Helvetica, o filme traça a evolução do design gráfico do pós-guerra até hoje, por intermédio de entrevistas com alguns de seus criadores mais ilustres, adeptos ou não dos princípios modernistas da clareza, legibilidade e neutralidade. Rick Poynor, estudioso inglês do design, apresenta e articula as diversas posições, desde a adesão irrestrita de Massimo Vignelli, para quem a Helvetica é insuperável como expressão da modernidade, à aversão de Sagmeister à sua repetição tediosa, em favor da experimentação mais subjetiva e visceral. Os designers mais jovens entrevistados por Hustwit defendem, por sua vez, um neomodernismo pragmático, que admite as qualidades da família tipográfica, sem considerá-las conclusivas. As entrevistas se desenrolam nos escritórios dos diversos designers, o que nos fornece inúmeras chaves visuais para a compreensão de seu trabalho e idéias.
O filme reúne uma grande riqueza de imagens da Helvetica em Nova York, e em cidades do norte da Europa, como Londres, Amsterdã, Berlim e Zurique. Sob a forma de letras e algarismos, ela está presente no teto dos ônibus, nas vitrines das lojas, em gigantescos outdoors, nas placas de sinalização, nos cartazes mais modestos etc. A câmera capta o romance da metrópole com a fonte, embalado em música excelente. Fala-se em aversão ou desejo de padronização, mas se observa uma versatilidade extraordinária de usos e aplicações, justificada pela extraordinária limpidez das maiúsculas e suavidade das minúsculas, dentre outras qualidades. A sua presença é registrada nos letreiros reluzentes, e em adesivos ou folhas de papel que se descolam dos muros saturados de publicidade.
Ao privilegiar a apresentação de imagens urbanas em vez de livros, catálogos e revistas – que, no entanto, também são mostrados no filme – Gustwit aproxima o seu tema do espectador que não é profissional de design. Vale lembrar que, antes de iniciar o circuito acadêmico, o filme estreou em salas de cinemas na Europa e Estados Unidos. De modo mais contundente do que em algumas exposições especializadas, o espectador tem a oportunidade de compreender as motivações que norteiam os projetos de design, e refletir sobre a onipresença da fonte suíça que se tornou uma segunda natureza. A Helvetica é como o ar, afirma Michael Bierut. É o perfume da cidade, diz Lars Muller.
O documentário serve também como introdução ao debate sobre temas como neutralidade e expressão; uniformidade e variedade; clareza e desordem; simplicidade e banalidade; racionalidade e subjetividade que atravessaram o modernismo e o pós-modernismo. A designer Paula Scher opõe a vivacidade desordenada do design gráfico do jornalismo contracultural à cristalização do poder corporativo e conservador que se apropriou da Helvetica. Leslie Savan, jornalista especializada em publicidade, acredita que a Helvetica tem sido amplamente utilizada pelos poderes públicos devido à sua imagem de transparência e eficiência. Poynor chama atenção para a crescente consciência das possibilidades estilísticas do design gráfico entre o público leigo, graças à utilização maciça do computador. Cada um de nós se habituou, por exemplo, a escolher no seu programa de correio eletrônico, dentre uma longa lista, a fonte que melhor “expressa” a sua personalidade.
O diretor da empresa alemã Lynotipe, que detém os direitos da Helvetica, abre os seus arquivos para nos mostrar os desenhos originais da fonte. O filme não expõe, porém, a genealogia dos tipos sem serifa, que se originaram nas primeiras décadas do século XIX, e cuja estranheza inicial lhes proporcionou a denominação de grotescos. A sua utilização foi bastante limitada até as primeiras décadas do século XX. Em 1916, Edward Johnston criou a família sem serifa adotada pelo metrô de Londres, que inspirou Eric Gill na criação de Gills Sans, em 1927. A Futura, de Paul Renner, data de 1927 e a Univers, de Adrien Frutiger, de 1957. A eliminação das serifas manifestou, no campo da tipografia, o combate à decoração supérflua tão cara ao modernismo. Mas foi preciso aguardar o pós-guerra, e o triunfo do International Style, para que os tipos sem serifa conquistassem tamanho prestígio e popularidade.
Helvetica, de Gary Hustwit, 80 minutos, 2007. Produção: Swiss Dots e Veer.
Em inglês. Subtítulos em inglês e alemão.
Mais informações:
www.helveticafilm.com
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