A primeira vez que vi História do design gráfico, de Philip B. Meggs, foi ao contemplar um mostruário na livraria Doubleday, na Quinta Avenida, em Nova York. O ano era 1983. Eu trabalhava como diretor de arte do New York Times Book Review [o suplemento do jornal New York Times de resenhas literárias], onde rotineiramente recebíamos livros antes de serem lançados, mas não tinha ouvido falar nada daquele ali. Por que a editora não estava promovendo o livro? Supondo que o Book Review jamais iria resenhá-lo, a editora Van Nostrand Reinhold nem mesmo se deu ao trabalho de enviar-lhe um exemplar para exame. Nem é preciso dizer que fiquei atônito – pela primeira vez via as palavras história e design gráfico reunidas no título de um livro – e, enquanto folheava as páginas, repletas de ilustrações em preto e branco de cartazes antigos e exemplos de tipografia, pensei: “Esse tal Meggs ‘fez história’ ao registrar uma história praticamente desconhecida”. Embora não tivesse ainda lido nenhuma palavra, impulsivamente concluí que se tratava provavelmente do livro sobre design gráfico mais importante até então publicado.
Alguns dias depois insisti junto ao editor do New York Times Book Review para que encomendasse uma resenha do livro, mesmo sabendo que dificilmente ele aceitaria a sugestão. “Está bem”, disse ele abruptamente, “desde que você a faça.” Fiquei perplexo. Livros profissionais raramente são resenhados, e o design gráfico nunca foi considerado algo importante. Desconfiando daquele assentimento tão rápido – mesmo sendo evidente o seu desinteresse –, ainda balbuciei algo sobre como aquele livro ia muito além de seu tema, situando o design gráfico como parte da história cultural, antes de seguir apressado até a minha mesa a fim de começar a escrever a resenha. Embora tivesse apenas umas duas centenas de palavras, aquela foi a primeira resenha que fiz para o suplemento. Mas se conhecesse pessoalmente Meggs, eu nunca teria sido incumbido da tarefa – essa era uma regra do jornal. Ainda bem que eu jamais tinha ouvido falar dele, em parte porque, antes de ler História do design gráfico, meu principal interesse histórico eram as ilustrações e quadrinhos humorísticos (sobre os quais havia escrito bastante). Todavia, na altura em que foi publicado o livro de Meggs, eu estava lentamente voltando minha atenção para o design gráfico.
Claro que falei bem do livro, e suponho que tenha ajudado a torná-lo mais conhecido (embora duvidasse que muitos designers lessem o Book Review). Mais importante, após sair a resenha, Meggs e eu nos encontramos e nos tornamos amigos e colegas. Não quero com isso sugerir que escrever resenhas é como publicar um anúncio pessoal, mas com frequência um autor cujo livro foi resenhado favoravelmente manifesta interesse em se encontrar (pelo menos para expressar sua gratidão) com o resenhista complacente. Sem dúvida, fui bem mais do que complacente: o livro de Meggs fez com que eu expandisse meu horizonte de pesquisas, e me estimulou a buscar maneiras diferentes de explorar a história do design de acordo com meus interesses. Em seguida, outros historiadores da área também encontraram seus respectivos nichos e, embora a disciplina ainda esteja em formação, hoje existem inúmeras maneiras de contar a história do design gráfico, além da metodologia abrangente adotada por Meggs.
Mesmo assim, todos esses vários caminhos remontam ao livro, aos artigos e às palestras de Meggs. Sem esse trabalho pioneiro, a história do design gráfico não teria surgido – e certamente não existiriam tantos cursos de graduação, colóquios e obras sobre o assunto. Nesse sentido, muitos professores adotaram o que vou chamar aqui de “o livro” como leitura obrigatória, e foi no relato de Meggs que muitos estudantes tiveram seu primeiro contato com os nomes de Lissítizki, Cassandre e Rand. Meggs fez mais do que um trabalho de base: ele ergueu um monumento ao legado do design gráfico. E ele próprio tornou-se parte desse legado: quando faleceu em 24 de novembro de 2002, após prolongada luta contra a leucemia, mais uma vez tive a oportunidade de escrever sobre as suas realizações no New York Times – dessa vez assinando o seu obituário.
Philip B. Meggs nasceu no dia 30 de maio de 1942, em Newberry, na Carolina do Sul, e no mesmo ano sua família mudou-se para Florence, no mesmo estado. Frequentou a Virginia Commonwealth University (VCU), pela qual, em 1964, se formou em belas-artes; em 1971 obteve o mestrado na mesma disciplina. Ele iniciou sua carreira de designer na área de identidade e promoção corporativas, na empresa Reynolds Metals; mais tarde, tornou-se diretor de arte da A. H. Robins Pharmaceuticals, onde permaneceu até 1968, quando passou a dar aulas na VCU. Do seu casamento com a colega de faculdade Libby Phillip Meggs nasceram dois filhos, hoje adultos. De 1974 a 1987, dirigiu o Department of Communication Arts and Design da vcu; depois continuou a ensinar ali até que, em 2000, foi obrigado a solicitar licença médica de um ano a fim de travar sua primeira batalha, vitoriosa, contra a leucemia. Meggs era um excelente professor que deixou uma impressão indelével nos alunos (três de meus alunos de graduação consideram um privilégio ter frequentado suas aulas), não apenas por seu domínio da história da disciplina, mas também nas aulas introdutórias de design e tipografia que dava de três a quatro vezes por semana durante mais de três décadas.
O primeiro educador a adotar um currículo de história do design gráfico que não se baseava inteiramente em experiências e lembranças anedóticas, Meggs pesquisava sistematicamente textos sobre arte e design a fim de montar um curso original. Sua narrativa rastreava o avanço linear de um campo que se originou com os tipos móveis e, ao longo do tempo, se difundiu pelos meios de comunicação, cultura e comércio. Massimo Vignelli costumava lamentar que o design gráfico só se tornaria uma profissão séria quando fosse objeto de críticas incisivas. Consciente disso, Meggs empenhou-se em criar vocabulários e métodos, tanto originais como inspirados em outras disciplinas históricas.
Meggs, contudo, era de uma modéstia a toda prova, e nem sempre aceitava o crédito pelo que lhe era devido. “A ideia de que a história e a crítica do design são áreas novas de investigação não é correta”, disse-me ele em certa ocasião. “Ambas vêm sendo praticadas desde o início do século XVI. Cada época registra o que considera importante e/ou controverso. As pessoas reagem ao impacto do novo; grande parte da história que escrevi é um simples registro daquilo que horrorizou a opinião consensual, desde o [tipo] Baskerville até a Bauhaus.”
Embora não tivesse formação de historiador, Meggs deu-se conta da necessidade de tornar viva a história e incumbiu-se dessa tarefa. Como os historiadores da arte rejeitavam as artes comerciais, com exceção daquelas dotadas do pedigree modernista ou das vanguardas do século xx, o campo estava completamente inexplorado. Ao se lançar nessa busca específica, porém, não estava interessado em difundir o evangelho para outras artes e disciplinas culturais, mas antes em esclarecer os designers gráficos a respeito de um legado próprio que eles ignoravam. Estava convencido, e com razão, de que a capacidade de um estudante para realizar o seu trabalho cotidiano, para não mencionar a superação de um nível estritamente comercial, estava limitada pela ignorância então vigente do contexto histórico. Por isso empenhou-se em sanar essa situação: “Meu objetivo, como professor de design que passou a ensinar a história do design no começo da década de 1970, foi delinear o legado dos designers contemporâneos atuantes nos Estados Unidos. Estava convencido de que isso poderia ajudar os designers a entenderem o que estavam fazendo, a compreenderem de que modo e onde se desenvolveu seu vocabulário semântico e sintático, e também contribuir para a luta em favor do estatuto profissional da nossa disciplina. A formação em design só tem a ganhar quando, graças ao entendimento da filosofia e dos conceitos que moldaram o design gráfico, os jovens designers passam a ter uma ideia melhor de tudo o que podem realizar”.
Com base em um currículo acadêmico de graduação que se originou antes mesmo da invenção da imprensa e dos tipos móveis, ele conduziu os estudantes em uma jornada até a época moderna do século xx, com sua abordagem revolucionária da tipografia e da produção de imagens, concluindo com a influência dos computadores nos métodos e estilos contemporâneos. Suas aulas enfocavam questões formais, teóricas e estéticas através de uma lente crítica que fora em grande parte ignorada na maioria das aulas práticas de design. Em decorrência do êxito inicial desses cursos durante o final da década de 1970, Meggs recebeu uma bolsa do National Endowment for the Arts para realizar uma inusitada série de palestras – uma espécie de banquete ambulante de slides e discussões –, oferecidas gratuitamente a qualquer faculdade ou universidade que se interessasse por suas ideias. Esse trabalho como historiador itinerante requereu a montagem de um curso padronizado que mais tarde se tornaria o núcleo de História do design gráfico, uma obra que durante muitos anos (até a publicação em 1994 de Graphic Design: A Concise History, de Richard Hollis) seria o único manual desse tipo, e até hoje continua sendo leitura obrigatória em cursos por todos os Estados Unidos. (Em 2006 foi lançada uma quarta edição póstuma, organizada por Alston Purvis, amigo de Meggs.)
Meggs exerceu profunda influência sobre estudantes e também sobre designers veteranos. “Em toda a minha vida, ele foi a primeira pessoa que ouvi falar sobre a história do design de uma forma que juntava o presente e o passado de modo fluido, caloroso e elegante”, disse Paula Scher. “Ele me fez sentir parte de um movimento de minha época, e não uma profissional irrelevante produzindo coisas triviais para corporações burocráticas.” E, de fato, o artigo que ele publicou em Print, “The Women Who Saved New York” [“As mulheres que salvaram Nova York”], sobre Scher, Louise Fili, Lorraine Louie e Karin Goldberg, que então exploravam linguagens tipográficas “retrô” (foi Meggs quem, na verdade, cunhou o termo), era um relato do modo como os designers contemporâneos redefiniam estilos passados a fim de evidenciar o Zeitgeist, o espírito de sua própria época. Dessa maneira, Meggs insuflava vida na história ao vinculá-la rotineiramente às práticas vigentes. O empenho de Meggs em identificar pioneiros, movimentos e estilos esquecidos, expresso em uma série de artigos na revista Print voltados para o design editorial progressista e os perfis de designers contemporâneos, é um dos fundamentos cruciais para as pesquisas mais aprofundadas no campo.
Confesso aqui que ele e eu estávamos empenhados em uma competição amistosa para ver quem descobria os designers mais esquecidos e os arquivos mais obscuros. Muitas vezes conversávamos sobre quem iria explorar qual território (ou dominar o mundo) de modo a não duplicarmos as nossas investigações. Mas sempre o considerei um tanto mais metódico do que eu, talvez porque desde a infância sempre tenha sido desafiado pela família (sobretudo por seu irmão gêmeo, Bill, um cientista) a se apoiar em fatos comprováveis. Ele seguia um método rigoroso de pesquisa e análise, e nos colóquios de que participávamos, era comum vê-lo tomando notas copiosas. Dada a sua mente racional, quase científica, ele se orgulhava de elaborar teorias sobre o design, as quais em seguida tentava laboriosamente confirmar por meio de documentos ainda desconhecidos e artefatos que outros poderiam considerar desprovidos de interesse.
Ele se recusava a aceitar fosse o que fosse pelas aparências. “Descobri que havia uma abundância de material; mas este se encontrava todo disperso”, comentou a respeito do processo de pesquisa. “Revistas e livros sobre tipografia publicados desde o início do século XIX até o começo do XX e guardados na Biblioteca do Congresso sempre incluíam questões de design, e até mesmo reproduziam e comentavam obras que remontavam aos incunábulos e ao Renascimento. Infelizmente, há também muitas informações contraditórias e imprecisas, por isso sempre procurei confirmar os dados recorrendo pelo menos a duas fontes. Não há nada mais constrangedor do que descobrir que utilizamos uma fonte pouco confiável.”
Com o pós-modernismo e o desconstrutivismo em ascensão em instituições acadêmicas como a Cranbrook e a Cal Arts, a história eurocêntrica e de viés masculino praticada por Meggs passou a ser cada vez mais alvo de críticas. No âmbito de alguns rincões acadêmicos, “o livro” era considerado limitado por sua aceitação (ou sistematização) de um “cânone”. Todavia, História do design gráfico era um organismo vivo e em expansão, várias vezes afirmou que o subtítulo indicava explicitamente que o livro “não era uma enciclopédia do design gráfico mas um apanhado conciso para uso de designers e estudantes de design contemporâneos”. Ele se esforçou para que cada uma das três edições (traduzidas para o espanhol, o coreano, o japonês, o hebraico e o chinês) fosse mais abrangente do que a anterior – um testemunho de suas incansáveis pesquisas. Como parte desse processo, Meggs também acabou prefigurando as atuais obras colaborativas, como os wikis. Quando alguém sugeria designers ou obras a serem acrescentados ao livro, Meggs pedia que escrevessem um parágrafo conciso justificando a relevância deles. E algumas dessas colaborações acabaram sendo incorporadas em suas revisões.
Em 2001, o Art Director’s Club de Nova York reconheceu as realizações de Meggs ao lhe conceder o prêmio especial para educadores e inclui-lo em sua Galeria da Fama. Ele deveria receber o prêmio no outono daquele ano, depois de ter constatado a remissão de um surto anterior da doença. No entanto, o atentado ao World Trade Center obrigou ao adiamento de um ano na entrega dos prêmios. Embora estivesse planejando comparecer à cerimônia prevista para o outono de 2002, uma semana antes soube que a leucemia havia reaparecido e teria de iniciar a quimioterapia na noite do evento. Ele não voltou mais a Nova York. Em 2003, após o seu falecimento, fui ingênuo ao achar que História do design gráfico seria simplesmente preservada em sua derradeira versão, como um objeto no mítico museu histórico do romance A máquina do tempo, de H. G. Wells, que registrava as realizações humanas até o momento em que o mundo chegava ao fim por causa de uma guerra nuclear. Não me ocorreu que a genialidade do livro é a solidez de seus fundamentos, sobre os quais uma quantidade ilimitada de relatos pode ser acrescentada.
Leia também a resenha de Celso Longo sobre este livro.
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