A crítica à participação do design na estratégia incessante de estímulo ao consumo tem se fortalecido nos últimos anos, vinculada à preocupação com a exaustão dos recursos naturais e a degradação ambiental. Em The language of things, Deyan Sudjic vem confirmá-la: “A complexidade, origem e pedigree dos produtos sustentam uma apetitosa pornografia que fetichiza óculos de sol, canetas tinteiro, sapatos, bicicletas e tudo que pode ser comercializado, colecionado, categorizado, organizado e, finalmente, possuído”.
Ao condenar de modo contundente o “cinismo manipulador” do design, o diretor do Design Museum londrino, uma das instituições mais dinâmicas e prestigiosas do gênero, se afasta do discurso oficial de promoção do design em benefício da atividade econômica, que predominou nos dois últimos séculos. Países ricos como a Inglaterra estão submersos em objetos. Teria o design, em seu esforço de sedução, ultrapassado um perigoso limiar de credibilidade, passando a merecer a mesma desconfiança que o ornamento contra o qual se insurgiu historicamente?
Embora Sudjic evite prudentemente definir o que o design deve ou não ser, mostrando-se atento às suas várias significações contemporâneas, não hesita em expor sua decepção quanto aos rumos de uma atividade profissional cada vez mais orientada pelos movimentos de moda. Sua escrita guarda a melancolia proustiana do amante diante das infidelidades sucessivas de seu objeto de paixão.
A obsolescência programada dos objetos, que inclui falhas técnicas e/ ou estilização acentuada, não é tema novo para os estudiosos do design. Sudjic chama a atenção, no entanto, para a obsolescência compulsória de produtos cujas qualidades intrínsecas são notórias, como, por exemplo, o telefone de disco de baquelite preto, verdadeiro ícone da comunicação desenhado pelo artista norueguês Jean Heilberg. No mesmo grupo inclui eletrodomésticos de Dieter Rams para a marca Braun, cujas características acentuadamente puristas e funcionalistas poderiam ter lhes garantido existência mais duradoura, se esses produtos não fossem atropelados pelas novas tecnologias: “Ao utilizar a tampa de perspex, Rams definiu a aparência dos sistemas de áudio até o momento em que o disco foi suplantado pelo cd”.
Influenciado pela linguagem minimalista de Rams, Jonathan Ive tornou os computadores Mackintosh altamente desejáveis, em especial aos olhos dos próprios designers. Sudjic expõe com sinceridade sua contínua atração/decepção pelos laptops da marca, adquiridos como valiosos investimentos de longo prazo, mas que se desgastaram material e esteticamente em poucos anos. Narra em detalhes a aquisição recente de um MacBook preto em loja do aeroporto de Londres desprovida da sedução bem orquestrada das Apple Stores. Após retirar o plástico de proteção e digitar as primeiras linhas, percebeu que a gordura da ponta de seus dedos dava início à inexorável degradação do objeto: “Os designers, tão talentosos e engenhosos, são ainda evidentemente incapazes de reconhecer as imperfeições do corpo humano quando em contato com o mundo digital. Entretanto, para os verdadeiros fiéis, há um meio de proteger o MacBook. Você pode comprar um filme para embrulhar a máquina como uma camisinha, isolando-a de todo contato humano”. Compara laptops e celulares que parecem gravemente avariados ao menor sinal de desgaste com as máquinas de escrever e câmaras analógicas, que se tornavam mais dignas com o uso contínuo – numa Nikon preta, explica com argúcia, as marcas do tempo evocavam a coragem de um correspondente de guerra.
Um dos capítulos mais elucidativos do livro aborda as relações entre o luxo e o design, de cujo sucesso dependem cada vez mais algumas economias européias. Sudjic acredita que essa aproximação se deve mais à performance narrativa das marcas do que à questionável exclusividade de seus produtos. Ao romper os laços tradicionais com as práticas artesanais, essenciais no tempo de Thorstein Veblen, a realização do luxo passou a depender cada vez mais da tecnologia de ponta. Ora, os investimentos mais vultuosos em pesquisa e tecnologia são realizados justamente pelas empresas que produzem em maior escala itens acessíveis à maioria. Nos automóveis de luxo, por exemplo, os detalhes exclusivos resultam freqüentemente de tecnologia antiquada, enquanto os dispositivos avançados que promovem conforto e segurança são partilhados pelos modelos mais acessíveis.
O capítulo final sobre a arte manifesta a preocupação do autor com a onda crescente de objetos que tendem à inutilidade e ao espetacular no Salão de Milão, atraindo a lente dos fotógrafos de maneira similar às roupas mais extravagantes nas passarelas da moda. Designers que almejam o status de artistas adotam cada vez mais a estratégia da série limitada de objetos de preço elevado, cuja utilidade é meramente decorativa. Se o vínculo com a moda é evidente, as relações do design com a arte permanecem obscuras pois Sudjic se limita a compreender esta última exclusivamente em termos de ostensiva inutilidade e preços estratosféricos, em abordagem que se revela aquém da complexidade do tema.
Embora Sudjic não cumpra a ambição crítica expressa na introdução, o livro está povoado de observações perspicazes, que traduzem seu conhecimento de expert. Dentre elas, a comparação entre as luminárias articuladas Anglepoise, desenhada por George Carwadine em 1932 e Tizio, por Richard Sapper em 1972, ambas ainda em produção e muito expressivas de momentos distintos da história do design.
A Linguagem das Coisas, publicado em 2010 pela Editora Intrínseca, Rio de Janeiro. Gilberto Paim é ceramista e pesquisador em design e arte aplicada. Autor de A beleza sob suspeita, Jorge Zahar Editor, e Elizabeth Fonseca e Gilberto Paim, Editora Viana Mosley.
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