Da infinidade de livros que nos aguardam para serem lidos e desenhados
Marise De Chirico
Livro: BiblioGráfico: 100 livros clássicos sobre design gráfico
Autor(a): Jason Godfrey
Editora: Cosac Naify
Postado: 18/12/2009
Parece coisa de cinema: um título de design gráfico sendo lançado simultaneamente em Londres, Nova York e São Paulo. BiblioGráfico:100 livros clássicos sobre design gráfico, do designer e bibliófilo britânico Jason Godfrey, é um “livro-biblioteca” que a Cosac Naify editou em agosto passado, em lançamento mundial. Em tempo, dos cem títulos emblemáticos que figuram em BiblioGráfico, apenas dois estão editados no Brasil.
BiblioGráfico é um livro de referência, uma fonte de renovação para vistas e mentes cansadas do árduo ofício de projetar de formas a objetos, como livros. A primeira função que podemos atribuir a BiblioGráfico é o papel de almanaque ilustrado sobre o tema design gráfico da surpreendente produção realizada nos séculos 20 e 21. A segunda, a de orientador da lista de livros a serem adquiridos por profissionais e estudantes de design. Alguns livros são raros e encontram-se somente em bibliotecas, mas muitos deles ainda estão à venda. Pode-se adquirir, por exemplo, um exemplar usado de A Constructed Roman Alphabet, de David Lance Goines, por US$ 250,00 ou um novo de Make It Bigger, de Paula Scher, por US$ 23,10.
Além de reunir importantes títulos como manuais, catálogos de fontes e monografias sobre designers, o volume mostra muito claramente os projetos gráficos. Cada um dos cem livros é apresentado em página dupla, incluindo a capa e algumas páginas do miolo. Os comentários do autor nos permitem observar as escolhas feitas pelo designer como formato, mancha, tipografia, processo de impressão. Uma breve contextualização e uma importante ficha bibliográfica, com dados sobre a editora, o ano de publicação, o formato, o número de páginas e o autor do projeto gráfico, complementam a apresentação.
A facilidade com que se pesquisa por obra ou autor e o acesso a livros raros, que, de outra forma, dificilmente teríamos oportunidade de ver, já fariam do livro uma importante fonte, mas tê-los assim reunidos, lado a lado, permite-nos uma reflexão sobre o design gráfico em uma perspectiva mais ampla, inserido no seu contexto histórico e cultural.
Segundo Godfrey, o livro não pretende ser uma lista definitiva de cem livros sobre o assunto, mas “muitos dos livros selecionados são esteios da profissão, seja como publicações históricas e pontos de referência fundamentais, seja como símbolos de certas épocas ou estilos”. Também é de Godfrey a comparação entre a divisão de capítulos de BiblioGráfico e a biblioteca de um escritório de design: tipografia, livros de referência, didáticos, de história, antologias e monografias, tornando a classificação proposta pelo autor familiar para nós. Concordo com o autor quando diz que designers sempre dão muito valor às suas bibliotecas, e muitas vezes as bibliotecas dizem mais a respeito dos designers que seus próprios portfólios. Apropriando-nos do termo ex libris [1], à maneira que faz o autor, podemos dizer que bibliotecas sinalizam tendências intelectuais, morais, éticas, além de vestígios culturais do tempo de seu proprietário. Nesse sentido, BiblioGráfico é testemunha de que há um pensamento sistematizado sobre design, elaborado por designers, tanto para sua prática quanto para sua teoria. Há uma relação muito íntima entre designers e livros, o que intensifica o caráter de bibliófilo do designer, não só na sua curiosidade pelo objeto livro, mas também no seu amor pelo conhecimento. Uma vez que o legado do design gráfico é passível de ser registrado, organizado em método e estudado profundamente, resta-nos colocar a leitura em dia e conscientizar nossos alunos de que design se aprende lendo, sim.
BiblioGráfico é também o ex libris do diretor de arte norte-americano Steven Heller[2] que, na apresentação do livro, confidencia possuir todos os cem livros compilados. Heller enfatiza que, embora a maioria dos livros sobre design sejam publicados para profissionais e estudantes da área, esses livros deveriam interessar a um leque mais amplo de leitores, pois “esta coletânea revela que os livros mais significativos são relicários da cultura popular”.
Comento a seguir alguns dos livros apresentados no BiblioGráfico:
1. The Letter as a Work of Art – Observations and Confrontations with Contemporaneous Expressions of Art from Roman Times to the Present Day, Dr. Gerard Knuttel, Amsterdã, 1951 Como o próprio nome sugere, trata-se da defesa da relação entre a tipografia e o universo cultural do seu entorno, como a arquitetura e a arte. As páginas da esquerda apresentam um espécime tipográfico, e as da direita, um objeto de arte ou arquitetura contemporâneo. Por exemplo, um texto de William Caslon, impresso pela Clarendon Press em 1750 e uma lareira londrina de 1886.
2. Grid Systems in Graphic Design, Josef Müller-Brockmann, Niederteufen, 1981 Obra primordial para o uso de grids, que apresenta modelos de sistema de ordens ilustrados por um grupo internacional de designers: Wim Crouwel, Paul Rand, Otl Aicher e Massimo Vignelli.
3. Letraset, Letraset Reino Unido, Londres, 1970 Letraset ainda é sinônimo de letra adesiva para arte final, e estava disponível em cartelas em qualquer loja de suprimentos artísticos, nos anos 1970 e 1980. O livro tinha a função de catalogar as 250 variações tipográficas, e ainda incluía as retículas, símbolos, telas para sombreamento, matrizes arquitetônicas, entre outros padrões. Como era de fácil acesso, foi a primeira referência tipográfica para muitos designers.
4. Letter and Image, Robert Massin, Nova York, 1970 Trata-se do tributo de Massin à relação simbiótica entre letra e imagem, cujo exemplo mais notável é o design do livro A cantora careca, para o dramaturgo Eugène Ionesco, em 1964. Também faz parte de Letter and Image um capítulo dedicado ao caligrama, poesia visual criada por Guillaume Apollinaire, uma modalidade de poesia que discute a possibilidade da expressão formal da tipografia.
5. The Work of Hipgnosis: Walk Away René, George Hardie e Storm Thorgerson, Nova York, 1978 Incrível acervo de imagens das fotos e artes realizadas pelo grupo Hipgnosis, formado por Storm Thorgerson, Aubrey Powell e Peter Christopherson. São autores de capas para bandas como Pink Floyd, Black Sabbath, Led Zeppelin e Genesis, cujas características fotografias fantásticas, com apelos surrealistas, foram inspiração para uma geração de designers, ilustradores e diretores de arte.
6. Forget All the Rules You Ever Learned About Graphic Design, Including the Ones in this Book, Bob Gill, Nova York, 1981 O livro acompanha o trabalho do designer americano Bob Gill ao longo de trinta anos e desperta a reflexão sobre a autocrítica na atividade profissional do designer.
7. Graphic Design: A Concise History, Richard Hollis, Londres, 1994 Vale ser destacado como único livro sobre a história do design traduzido e publicado no Brasil,além do recentemente editado História do Design Gráfico, de Philip Meggs
[1] Ex libris serve para designar toda menção de posse delivro. Godfrey usa em BiblioGráfico para indicar a lista de títulos proposta por um seleto grupo de designers.
[2] Steven Heller foi diretor de arte do The New York Times durante 33 anos, é pesquisador, jornalista, editor, crítico,professor e cofundador do programa MFA Designer as Author, da School of Visual Arts, de Nova York.
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Jason Godfrey, designer e bibliófilo inglês, é diretor da Godfrey Design. Formado pela Royal College of Art, de Londres, dedica-se a mídia impressa e digital em Londres, Nova York e Austin, no Texas.
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Marise De Chirico é designer gráfico, mestre em artes visuais pelo Instituto de Artes da Unesp e professora de projeto no curso de graduação em design da ESPM. Desde 1999 é sócia do estação design gráfico [www.estacaodesigngrafico.com.br].