Ano: III Número: 27
ISSN: 1983-005X
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Artesanato 360°
Gilberto Paim

Livro: The Craft Reader Autor(a): Glenn Adamson Editora: Berg Publishers, Oxford e Nova York, 2010

Postado: 26/03/2010

   

Antologias costumam apresentar aos estudantes textos fundamentais que confirmam os limites impostos ao tema pelos especialistas. Embora inclua diversos textos canônicos, a coletânea sobre artesanato organizada por Glenn Adamson, diretor de pesquisa do Victoria and Albert Museum, de Londres, e autor de Thinking Through Craft, tem o mérito de estimular, senão desafiar, a renovação da reflexão sobre o tema. Ela reúne textos de artesãos, designers, artistas, arquitetos, teóricos e críticos de arte, filósofos, economistas, historiadores e sociólogos, das primeiras décadas do século dezenove até hoje. Sua abrangência é vertiginosa, em sintonia com a complexidade dos anos 2010. 

A coletânea contraria a premissa que vigorou até recentemente, sobretudo no meio do design, segundo a qual os artesanatos teriam declinado irreversivelmente a partir da revolução industrial. Embora seja inegável que a divisão do trabalho e a mecanização tiveram impacto fortemente negativo sobre os artesanatos tradicionais e sua preservação, as práticas artesanais persistiram em graus variados no interior das fábricas, principalmente na confecção de modelos e na produção de artigos de luxo ou com tiragem limitada.

O século passado testemunhou o esforço contínuo dos artesãos modernos em reaproximar criação e realização, como registram com sensibilidade e inteligência os textos de Anni Albers, Alison Britton, Bernard Leach, David Pye, George Nakashima e Marguerite Wildenhain selecionados por Adamson. O volume é pródigo em documentos que analisam a participação artesanal na esfera produtiva, tanto na realização de objetos únicos quanto seriados. Alguns designers, como Don Wallace e Charles Eames, abordaram o tema enfatizando a artesania em sentido mais abstrato, como a vontade, a capacidade e o prazer de fazer algo bem feito, independentemente da manualidade. Disse Eames: “É urgente que se comece a pensar e falar sobre artesãos e artesania de modo muito mais amplo e ilimitado”.

Os artesãos de hoje aos quais as editoras costumam destinar quase exclusivamente manuais práticos e repertórios de imagens encontrarão leitura muito estimulante, inclusive de textos radicalmente críticos como o do historiador e marchand de cerâmica Garth Clark, que anunciou há poucos anos o fim do movimento artesanal de cerâmica e seu (ainda improvável) ressurgimento baseado em valores identitários mais fortes e emancipados das artes plásticas.     

Alguns textos deslocam o foco da Europa e Estados Unidos e abordam a significação dos artesanatos tradicionais em países africanos e asiáticos, assim como as  transformações geradas pelo avanço da globalização. O estudo de David T. Doris sobre o impacto, na Nigéria, da comercialização a baixíssimo custo de tecidos rejeitados por fábricas norte-americanas revela o desequilíbrio abissal do mundo contemporâneo.   

A grande angular de Adamson inclui textos sobre a artesania na utilização de programas de computador (artesanato digital); o emprego de trabalhos manuais associados ao doméstico e ao feminino, como o tricot e o patchwork, na criação de obras de arte contemporâneas de cunho político, assim como o tratamento curatorial dedicado a este fenômeno.

Uma ausência evidente é o ensaio de Enzo Mari,  Dov´è l´artigiano,  no entanto  citado com ênfase por Andrea Branzi. A reflexão de Mari sobre a necessidade de o design mobilizar a habilidade e a criatividade do operário-artesão constitui texto fundamental, porém de difícil acesso, sobre a interação entre design e artesanato. Outras ausências notáveis são A arte decorativa hoje, de Le Corbusier, cuja influência foi determinante  na desqualificação do objeto artesanal perante o industrial durante a vigência do alto modernismo, e Uso e Contemplação, de Octavio Paz, que flagrou o ressurgimento do interesse pelos artesanatos em meados dos anos setenta.

Ausências não comprometem, porém, a importância da antologia. Tendo muito a descobrir, cada leitor identificará a constelação de textos que mais lhe interessa, inspira ou surpreende dentre os setenta e seis que compõem o volume. As introduções às diferentes seções, assim como as apresentações individuais aos textos trazem informações e observações valiosas.

A contribuição brasileira fica por conta de Rafael Cardoso, em artigo até então inédito, no qual o historiador do design e da arte lança a hipótese de superação da dicotomia entre design e artesanato por intermédio das novas tecnologias.

Gilberto Paim é ceramista e escritor. Autor de A beleza sob suspeita, o ornamento em Ruskin, Loos, Lloyd Wright, Le Corbusier e outros, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, e Elizabeth Fonseca e Gilberto Paim, Viana & Mosley, Rio de Janeiro. 

 


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