A desconfiança pós-moderna com relação às grandes narrativas têm deixado os historiadores do design em verdadeiras sinucas de bico. A história do design não havia construído uma tradição até os anos 1980, justamente quando as preferências dos historiadores passaram a recair nos fragmentos ou em estudos particularíssimos. Dessa perspectiva, o livro de Beat Schneider, publicado pela editora Blucher, é uma aquisição e tanto para os estudiosos e leitores em geral.
Schneider prefere o caminho do reconhecimento de certa tradição anterior a 1980, mas, no entanto, não descuida das críticas e acusações contra histórias teleológicas, que apontavam o projeto moderno como o fim de todas as iniciativas da chamada arte industrial desde o século XIX, caso das obras de Niklaus Pevsner, Os Pioneiros do Desenho Moderno e Origens da Arquitetura Moderna e do Design, tão revistas nos últimos anos.
Pois, depois de 1980, quando design é tudo ou está presente em tudo, e vem-se alinhando, cada vez mais com o efêmero, como eleger o que entra ou fica de fora num livro de história que vai do século XVIII até hoje? Schneider reconhece que o design de móveis se tornou uma espécie de medida de valor aceita, mas amplia o universo acatado pelos modernos, ao indicar uma história sempre esquecida, aquela que denomina de design negativo (exibindo aí certa filiação à ideia do design como disciplina ética e positiva), dos instrumentos de tortura, de armas e mesmo de automóveis, que Ralph Nader considerava máquinas letais.
Coerente com esta postura, inclui um capítulo sobre fascismo e discute a problemática modernização tecnológica da Alemenha hitlerista, não deixando de fazer emergir as contradições do período, inclusive a boa aceitação do design de Wilhelm Wagenfeld, ex-aluno da Bauhaus.
A escola alemã, que tem sido esquecida em alguns textos ou super-valorizada em outros, ganha um capítulo em que é discutida juntamente com as vanguardas históricas. A Bauhaus é entendida como espécie de filtro das vanguardas, indissociável delas e que aproximou efetivamente os projetos artísticos do mundo das mercadorias. A escola é apresentada em suas contradições e, mais que isso, sua herança é discutida. Pois houve distintas recepções do projeto da Bauhaus, da apolítica à progressista da monolítica àquela do puro e simples fracasso.
Nesse capítulo, o grande mérito de Design uma introdução é incluir a escola soviética Vchutemas e seu papel de trazer os artistas para as preocupações da vida cotidiana, ao lado do exercício constante das experimentações artísticas que se apropriavam de novas técnicas como a fotografia. Desse modo, a Bauhaus não surge como fundante, peça isolada ou muito singular dentro do universo artístico que se queria líder do ambiente produtivo, mas, no mínimo, divide suas honras com a escola russa, tão pouco estudada entre nós.
O texto não privilegia design gráfico ou de produtos e tenta dar conta de ambos. Assim como, apesar de iniciar sua narrativa no século XVIII, faz a distinção entre o design de objetos de uso (existente desde a Idade da Pedra) e o design como conformação estética da mercadoria, presente na sociedade industrial da Idade Moderna.
Do mesmo modo, aponta problemas da história do design, fazendo uma espécie de grande apanhado de questões que se tornaram objeto de reflexão de historiadores de boa parte do mundo nos últimos 30 anos. Enfrenta os temas ancorado na pequena tradição bibliográfica, ao apoiar-se explicitamente em autores Gert Selle, Philip Meggs e Bernard Burdek, entre outros.
Apêndices do livro tentam aproximar os leitores do estado da arte de alguns debates do meio acadêmico. Assim são apresentadas brevemente questões como a teoria do design, design e gênero, design, pesquisa e ciência, design e identidade corporativa, design e Terceiro Mundo, design e arte.
Se um autor como Adrian Forty recusa o parâmetro da história da arte como modelo para a história do design e se afasta de um texto monolinear como o pevsneriano, anunciando, com os fragmentos da história do design que estuda, mais do que uma narrativa, um método ou uma abordagem, a partir da história social, Schneider mantém a operatividade de uma grande narrativa. No entanto, enxerta-a e problematiza-a a cada momento, embora revele certa timidez frente aos avanços historiográficos das últimas décadas.
Um caso emblemático é o tratamento que dá a Christopher Dresser, reestudado por diversos historiadores do design e cuja inserção no mundo da produção inglesa nos tempos de William Morris faz entrever uma história menos linear e mais problemática da formação do campo do design. Schneider mostra objetos de Dresser do mesmo modo que Nikolaus Pevsner, com foto e legenda, sem referir-se a esse intenso debate historiográfico.
E, para nós, brasileiros especialmente, dói ver o parágrafo (sim, é um pequeno parágrafo) sobre design gráfico no Brasil, baseado em texto de Felipe Taborda, posto em dúvida com um sic. Dói também ver como, apesar de condenar o eurocentrismo, o livro tenha um discurso genérico sobre o design do Terceiro Mundo (que teria simplesmente importado os modelos das metrópoles ocidentais). Apesar de fazer a ressalva de que Cuba teve uma produção autóctone nas artes gráficas, o texto não traz uma só imagem ou nome do design da ilha.
Alguns detalhes da tradução merecem reparos, como, por exemplo, a afirmação de que a escola de Ulm tinha em seu currículo a disciplina de arquitetura, enquanto o que a escola alemã ofereceu foi uma disciplina de elementos industrializados para a construção.
Nem de longe estas questões desmerecem o livro de Beat Schneider, grande contribuição para os professores de história do design, com projeto gráfico que integra recursos de hipertexto. As fontes documentais de imagens; a bibliografia de cada capítulo e anexo, a despretensão da escrita fazem desse novo lançamento em língua portuguesa uma presença obrigatória nas bibliotecas de história do design.
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