A tecelã e designer paulista Claudia Araújo, cujos tapetes exibem grande exuberância material e cromática, fala sobre o desafio de criar produtos artesanais de qualidade que sejam comercialmente viáveis, e comenta sobre a atualidade do ensaio Construindo Tecidos, da designer alemã Anni Albers, formada pela Bauhaus, publicado na seção Repertório, de Agitprop.
Qual a sua formação como tecelã e designer têxtil?
CA: Comecei meus estudos de tecelagem em São Paulo com Marina Lafer, Alicia Negri e Heidi Camargo em 1988. Fui para a Inglaterra em 1994 e estudei com Sheila Smith, Anna Cruntchley e Ann Sutton técnicas de padronagem, tingimento e fiação. Minha formação é o resultado de vários cursos curtos e aulas particulares que continuo fazendo até hoje. O último que iniciei no ano passado foi com a Tyioko no Sesc Pompéia de SP sobre as técnicas de Gobelin do Arosteg (tecelão uruguaio) no tear de auto-liço.
Como está organizada a produção do seu ateliê/empresa?
CA: Atualmente minha pequena empresa está focada na produção de tapetes feitos em tear manual. Em 1997, eu me mudei para Caldas, sul de Minas, onde formei e ensinei um grupo de tecelões. Desde então o grupo produz os tapetes sob minha orientação. Desenvolvo os modelos, cores e padrões conforme as regras e tendências do mercado. As vendas sempre foram direcionadas para o mercado atacadista, quer dizer, lojas de decoração e presentes no Brasil e exterior. Em 2002, minha irmã e sócia Monica ingressou na empresa e fortalecemos assim a marca. Hoje as tecelãs estão organizadas em associação e começando a dar os primeiros passos com as próprias pernas.
Quais os temas que você costuma desenvolver?
CA: O tema mais forte que costumo desenvolver está sempre relacionado com o mercado, e em conseqüência com o preço. Não adianta nada uma idéia maravilhosa e inviável comercialmente. Parece brincadeira, mas é verdade. O grande desafio sempre foi transformar um fazer artesanal em produto com o preço certo! Sim, porque os produtos devem chegar à loja todos iguais, do mesmo tamanho, da mesma cor e do mesmo formato sendo que são mãos diferentes que fazem cada um deles, conseqüentemente pessoas diferentes. Além disso, devem chegar na loja com o preço certo para ser revendido. E mais, o produto deve girar, não pode ficar parado na prateleira, para isso deve ter a estética que agrade o consumidor. Estas são as regras do mercado e temos que nos adaptar a elas, já que é esta a proposta da empresa. Além disto, concorremos com o design industrial (produção em série) e com os produtos importados da China e India, que conseguem preços muito abaixo dos nossos por questões culturais e mercadológicas. É um grande desafio e muito trabalho...
De qualquer modo gosto de trabalhar com materiais sintéticos e reaproveitamento de resíduos industriais. O material sintético é mais durável e de fácil manutenção, de modo geral agrada as pessoas por esta facilidade. A ação pelo reaproveitamento de resíduos é que acredito que cada um de nós tem compromisso com a preservação da natureza e o com o meio que nos circunda. Se posso, ajudo. Dá um pouco mais de trabalho porque fazemos a coleta destes materiais nas indústrias, transportamos, armazenamos, selecionamos e depois tecemos à mão.
O desenvolvimento do produto sempre parte do material que tenho em mãos e a forma que ele vai tomar vem por inspiração interior. Às vezes brota rapidamente, outras vezes faço e refaço até chegar nas qualidades aparentes e utilitárias necessárias.
O seu trabalho se destaca pela criatividade e qualidade. Quais são os seus principais critérios?
CA: A criatividade no meu trabalho é uma ferramenta preciosa. A criatividade pode viabilizar um produto, atender um cliente, baratear o custo de um produto, abrir uma nova fatia de mercado. Assim ela me auxilia para um determinado fim. Mas a criatividade deve estar junto com o design. Sempre tenho em mente a utilização do produto. Às vezes a criatividade bate mais forte e resulta um produto de utilização mais complicada como um jogo americano feito com piaçava que machucava as pessoas! Também acontece o contrário, um tapete 100% plástico para banheiro, pode ser molhado, pode ser lavado. Perfeito em concepção, mas sem apelo estético. Quando consigo chegar no produto vendável é sinal que utilizei as duas ferramentas nas devidas proporções.
A qualidade é sinal de respeito ao fazer artesanal. Acredito que qualquer trabalho manual bem feito demora quase o mesmo tempo para ser realizado do que o trabalho mal feito. Não faz sentido "perder" tempo com o mal feito e depois "perder" de novo o mesmo tempo para desmanchá-lo ou refazê-lo! É claro que pequenas imperfeições acontecem pelo fato de ser feito a mão e não a máquina, mas isto é o que caracteriza o trabalho artesanal e o torna ainda mais bonito e valorizado. É o valor humano.
Em que medida o design voltado para a produção artesanal difere do design voltado para a produção industrial?
CA: No design têxtil artesanal, podemos ousar mais com os materiais: um fio muito grosso e irregular ou materiais rígidos como palhas e plásticos; podemos usar uma sequência de cores não repetitiva; podemos usar técnicas de manipulação do urdume e trama; podemos omitir fios na trama e com isso criar novos efeitos. O fator humano (tecelão) está sempre presente gerando novas possibilidades e soluções criativas.
Já no design industrial o tear não pode parar. O foco é a produção em larga escala. Um fio irregular pode significar baixa produção. Portanto tudo deve ser padronizado conforme a máquina para qual se desenha e se produz. Um erro no tear artesanal pode se transformar em um belo efeito, já no tear industrial se torna um defeito.
Qual a sua impressão sobre o ensaio da designer têxtil Anni Albers, Construindo Tecidos, de 1946, publicado na nossa seção Repertório, de textos "clássicos" sobre design? Você acha que ele mantém a atualidade?
CA: Ele é atual no sentido das transformações, simplificação dos desenhos e tendência à padronização dos tecidos por parte das industrias têxteis. Às vezes fico tão assustada quanto o tecelão peruano tradicional ao qual ela se refere! Mas o artigo foi escrito em 1946, penso que a indústria hoje está ainda mais padronizada! Os acabamentos, tingimentos e fibras ultra-modernas são realmente incríveis e fascinantes. Mas a tecelagem em si, enquanto variedade de entrelaçamentos e estruturas que geram desenhos belos, pesos diferenciados, toques surpreendentes e durabilidade estão se perdendo por completo. Isto não cabe no reino da velocidade e da quantidade. Infelizmente.
Gostaria de mencionar que Anni Albers vivia nos EUA, país onde ainda hoje existem algumas indústrias produzindo tecidos sofisticados e que mantém em uso os conhecimentos tradicionais. O que não ocorre aqui no Brasil, salvo raríssimas exceções.
Anni Albers identificou um certo trabalho artesanal têxtil como laboratório experimental (não oficial) da indústria. Isso faz sentido para você?
CA: Sim, faz. Sei que na Europa, Japão e USA os tecelões artesanais tem penetração nas indústrias nas áreas de pesquisa e desenvolvimento de produto. Os novos projetos podem ser desenvolvidos em teares manuais, o que auxilia muito a criatividade e abre possibilidades de experimentação. Depois a máquina só repete. Não se perde assim o fazer artesanal que transfere ao tecido todo o potencial do artesão e suas qualidades humanas. Isso máquina nenhuma faz!
Fotos: Roberto Setton
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