Arroz, feijão e caviar
Ethel Leon
O que significa projetar uma porta? Tomar as medidas, escolher matéria-prima, cor e maçaneta? O escritório paulistano NóDesign tem a exata compreensão de como passar desse tipo de commodity para o produto, do beabá ao texto erudito, do arroz com feijão ao caviar. E a porta Maxdoor de sua lavra é exemplo disso. Depois de selecionada como ouro no Prêmio Idea/seção Brasil, disputa o mesmo certame nos Estados Unidos.
A porta não é muito grande, não abre basculando ou correndo; não tem puxador em forma de jacaré ou de seio feminino...Com desenho masculino e até seco, é produzida com alma de aço e tela de policarbonato injetado na cor grafite. Tem a superfície modulada por 21 quadrados que integram as funções, geralmente acrescentadas nas portas de madeira convencionais. Lá estão porta-correspondência, numeração, olho mágico, puxador, elementos integrados a círculos vermelhos ou mesmo aos quadrados cinza do revestimento.
Os círculos vermelhos lembram o “pare” dos sinais de trânsito (em SP diz-se semáforo), o que poderia resultar em referência tautológica, afinal, qualquer porta obriga os visitantes a parar, tocar campainha, esperar a permissão para entrar. Mas, ao se desdobrar em número do apartamento e olho mágico, quebra a redundância, expande-se como signo, assumindo novas funções.
A abertura da porta se faz por controle remoto, desenhado especialmente com preocupações ergonômicas, incorporando a crítica aos similares, de botões pequenos, facilmente confundíveis, e serve como chaveiro.
O resultado é um objeto carregado de significados tecnológicos, que o aproximam do universo de eletroeletrônicos contemporâneos, servindo de claro elemento de distinção para um projeto imobiliário pautado por economia de meios e acabamentos. Só é possível pela escala razoável e pela produção industrial: a construtora pretende entregar 4500 apartamentos por ano e dirige seu esforço de vendas para o público jovem, que pode intervir na configuração do espaço interno de suas residências.
A estratégia de mudança de patamar de produtos vem sendo aperfeiçoada desde que os sócios da Nódesign, Flávio Barão, Leonardo Massarelli e Márcio Gianelli, se lançaram, em 2000, a produzir móveis residenciais, passando, daí em diante, a projetar embalagens de cosméticos e perfumes, estabilizadores, telefone celular, pneus de motocicleta, luminária e, claro, móveis e acessórios.
Eles entenderam que a sobrevivência no mercado - que se renova cada vez mais rapidamente - depende de surpresas. No entanto, a equipe detém noções éticas do design moderno e não admite projetar apenas mudando epidermicamente qualquer produto. A surpresa (“o diferencial”, na linguagem batida do marketing) é produto de um quê de pesquisa antropológica, de uma interrogação crítica diante do objeto a ser projetado. Ao examinar as portas existentes, tentaram distanciar-se, como estrangeiros diante de usos alheios e estranhos a seu cotidiano.
De novíssima geração, os Nós chamam de porcótipos os modelos de papelão que constróem internamente, testando volumes e uso dos objetos que criam. Eles entenderam que pequenos investidores não precisam apenas de designers, mas de desenhos técnicos, fornecedores, ajuda no plano da logística e mesmo da publicidade. Têm acumulado experiência nessas áreas, sem fazer distinções inúteis sobre o que é e o que não é design. Não fazem diferença entre um bufê local ou uma grande companhia de cosméticos, aceitando cada novo projeto como desafio prazeroso. E se movem tanto no universo das lojinhas de design como nos complexos projetos que requerem acompanhamento técnico mais preciso.
Ao ver o trabalho dessa turma dá para pensar em duas coisas: como é importante que empresas utilizem bons designers para conseguir vender em mercados muito competitivos; e como é de lamentar que projetos tão importantes e de grande alcance não tenham a colaboração do design.
Como é desejável que jovens como os Nós possam participar de projetos nas áreas de habitação popular, saúde e ensino público, requalificação de nossos espaços urbanos, instrumentos para a agricultura familiar, tanta coisa. A Nó bem poderia estar ajudando a fazer um feijão com arroz caprichado, em vez de ter de dedicar-se ao caviar.
|
|