Ano: I Número: 7
ISSN: 1983-005X
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Museus e os deficientes

Ana Mae Barbosa

É bastante difícil para um deficiente entrar em alguns museus em São Paulo. Não posso subir escadas e isto me leva a ser obrigada a me munir de muita paciência, pois, mesmo nos museus que se apresentam como inclusivos, a humilhação ao deficiente é a regra. Não há nada pior para um deficiente que chamar a atenção dos outros para sua deficiência.

No Itaú Cultural um deficiente tem de dispor de pelo menos mais meia hora que um visitante normal para visitar as exposições. Os elevadores são sagrados no Itaú Cultural Só podem ser usados por seus seletos funcionários. É inacreditável, mas é preciso pedir para usar o elevador, temos de mostrar identidade (até aí tudo bem) e esperar que um segurança nos conduza ao elevador. Entramos pelos fundos das exposições e, para mudar de andar, é preciso pedir a alguém do Centro Cultural para chamar novamente o segurança. O alguém que deve chamar o segurança nunca é a pessoa a quem nos dirigimos que nos manda falar com outro que nos manda falar com mais outro até que encontramos o alguém certo que usa o walkie-talkie e chama um  segurança encarregado do elevador que nos leva a outro andar e a história se repete a cada mudança de andar.

Na Pinacoteca a operação é duplamente complicada. Há uma porta com o símbolo de cadeira de rodas, mas entrar por ela é um sacrifício surrealista. Você avisa a um segurança que não pode subir escadas e, portanto precisa entrar por aquela porta guardiã da cidadela. Muito polido, ele avisa: "Mas é preciso que alguém suba as escadas e pegue o selo do museu para a senhora entrar." O selo prova que a pessoa pagou a entrada. Ora, só vou lá no sábado, aos sábados não se cobra entrada e sou isenta por idade e por pertencer a uma organização internacional que tem entrada grátis em todos os museus do mundo, até no MoMA, o mais caro e mais mercantilista de todos os museus.

O guarda encarregado de abrir a porta para mim é também o que fica impedindo os carros de entrarem no estacionamento, quando lotado. Da última vez demorei quase meia hora esperando que ele me abrisse a porta mágica porque estava ocupadíssimo sendo gentil com quem queria forçar a barra e entrar. Entre carro e ser humano, a máquina merece mais respeito no mundo capitalista, nós sabemos. Mas, a Pinacoteca, que tem um excelente programa para cegos, deveria tratar melhor outros tipos de deficientes.

Porém, não para aí a humilhação do deficiente na Pinacoteca. Fui tomar algo no café com minha neta de oito anos, que precisou ir ao banheiro. Aí foi o pior, não me deixaram entrar pela porta de vidro grande, enorme, convidativa que separa o café do Museu. É proibido. Queriam que eu fizesse a volta pelo prédio e começasse toda a epopéia de novo: pedir ao guarda novamente para abrir a porta da suposta entrada de deficientes, blá, blá, blá.

Deixei uma reclamação no livro do café que imagino ninguém vai ler. Pedia para fazerem um banheiro para os usuários do café. Achei melhor do que reclamar da proibição.

Por último há o Paço das Artes, sem um só elevador, o que torna impossível a entrada de um deficiente pelas imponentes escadas. Espero que, na nova sede, o MAC Ibirapuera, com aquela rampa que nos tortura há mais de quarenta anos, tenha elevador para o visitante usar sem o constrangimento de precisar mostrar-se diferente.
  

 


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