Ano: III Número: 34
ISSN: 1983-005X
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Cinco livros infantis comentados
Vinícius Quirino

Livro: Vários Autor(a): Vários Editora: Cosac Naify

Postado: 27/10/2010

   

Bili com Limão Verde na Mão
Autor: Décio Pignatari
Ilustração: Daniel Bueno
Projeto Gráfico: Luciana Facchini
Editora: Cosacnaify

Este livro proporciona uma experiência fantástica aos leitores, de qualquer idade, dispostos a uma viagem pelo universo das palavras, das sensações e do visual, aliás, temas abordados de maneira esplêndida por Décio Pignatari, e explorados pelas ilustrações de Daniel Bueno e pelo próprio projeto gráfico.

Pignatari desenvolve uma narrativa poética envolvendo o leitor em um jogo de palavras. Dessa forma, proporciona, com o auxílio do projeto-gráfico e da ilustração, diferentes ritmos de intensidade de leitura, pela maneira como organiza a narrativa e seleciona cautelosamente as palavras e sua ordem.

É impossível descrever todos os detalhes que compõem o projeto-gráfico deste livro-objeto e como ele se relaciona de maneira harmoniosa e surpreendente com o conjunto texto-imagem. Na verdade, torna-se impossível a separação desses elementos, ao ver-se o leitor envolvido pela história e pela experiência visual e sensorial. Citemos alguns exemplos:

1. Formato vertical incomum (30x15,5cm): ao mirarmos a capa, não percebemos de imediato a letra “L” ao fundo, formada pela cor branca e o nome do livro (que aparece de maneira incompleta) - o que já nos convida à “interatividade”, quando surge na quarta capa um “I”. A surpresa é que, se por ventura abrirmos as duas orelhas, olhando-se toda a lâmina de capa, lemos a palavra “BILI” – apelido da protagonista.

2. Durante a narrativa, os blocos de texto que acompanham as ilustrações seguem a brincadeira proposta pelas palavras, suas formas e sons*. Quando encontramos as páginas dobradas para formar as asas de uma borboleta e ao desdobrá-las, deparamos-nos com poemas visuais compostos pelas palavras: “asas” e “borboletras”.

3. Para ilustrar o que foi dito sobre o ritmo e intensidade da leitura, citemos o trecho onde ‘’Bili ergueu os braços e gritou bem alto:” – ao virarmos a página lemos um “– Leva eu!” enorme, subindo num eixo diagonal em direção ao topo direito da página dupla. (p.73 e 74)

Daniel Bueno, arquiteto e ilustrador, produziu ilustrações que se destacam, em termos de resultado final, em relação aos seus trabalhos anteriores. Como ponto marcante no campo da ilustração para livros infanto-juvenis, Daniel criou, para este livro, padrões gráficos construídos com linhas estreitas em cores fosforescentes e translúcidas (percebidos quando uma se mescla à outra criando um terceiro padrão e propiciando sensações de ilusões de ótica, chamadas de moiré). Tais elementos são usados, nas primeiras páginas, como fundo, mas ganham desdobramentos ao longo da narrativa, sugerindo velocidade ou sinuosidade.

Os personagens, com exceção de Bili, iniciam sua jornada como silhuetas geométricas na cor preta. Ao longo da narrativa, o escritor os presenteia em cada situação com cores como adjetivos (“...e encontraram um corvo verde...”). Acompanhando o enredo, o ilustrador colore os personagens com auxílio dos padrões criados no início. O corvo, por exemplo, que ganhou a cor verde pelo adjetivo, na ilustração é composto pela mescla de um padrão gráfico de linhas azuis e amarelas, mas que aos nossos olhos, aparenta ser realmente verde. As imagens poderiam se tornam cansativas – por serem todas compostas por figuras geométricas – não fossem a dinâmica e criatividade das composições.

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O Livro das Perguntas
Autor: Pablo Neruda
Ilustração: Isidro Ferrer
Tradução: Ferreira Gullar
Editora: Cosacnaify

Ferrer escolheu não ilustrar as perguntas de Neruda, não respondê-las e sim gerar mais perguntas com suas imagens. Essa escolha foi fundamental para que o resultado do projeto adquirisse um nível de originalidade dificilmente visto em outras obras. As ilustrações[1] se relacionam com o texto de forma indireta. O leitor não encontrará traduções visuais das perguntas; porém enquanto folheia, verá imagens que o farão lembrar daquela ou de outra pergunta que, não necessariamente será mera tradução das palavras, mas uma ilustração com elementos do universo gráfico criado por Ferrer, referenciado naquele criado por Neruda. A seguir alguns exemplos:

1. Na página 41, encontramos o seguinte texto:
“E como se chama este mês que fica entre dezembro e janeiro? / Com que direito numeraram as doze uvas do cacho? / Por que não nos deram extensos meses que durassem todo o ano? / Não te engana a primavera com beijos que não florescem?“.
Ao invés de calendários, uvas, bocas ou flores, vemos uma pequenina casa de madeira enraizada no solo por raízes construídas com a união de pedaços de lápis.

2. Voltando-se à pagina 3, leremos:
“(...) Por que as árvores escondem o esplendor de suas raízes? (...)”.
Pulemos a página LII e lemos:
“(...) Quanto media o polvo negro que escureceu a paz do dia? Era de ferro seus braços e fogo morto seus olhos? (...)”
e então quando alcançamos a página 64, deparamo-nos com o tal polvo negro representado curiosamente por uma peça de ferro com os olhos marcados aparentemente – e por que não? – a fogo.

Em exemplos como esses, percebemos a liberdade da ilustração e sua relação com o conteúdo do texto, como se o livro fosse um espaço de tempo e não houvesse divisões por páginas. A história cujas aventuras acontecem no decorrer de uma viagem, como dito, não responde às perguntas nem ilustra as situações sugeridas.

O texto em forma de versos, está disposto nas páginas pares, enquanto as imagens aparecem nas ímpares, com exceção de poucas ilustrações em páginas duplas. Após a criação e produção manual/analógica dos objetos que compõem as cenas do livro, tais peças foram fotografadas. Algumas exigiram retoques que, em geral complementam a imagem e colaboram para atingir o efeito pretendido por Ferrer.

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A Tabuada da Bruxa
Autor: Johann Wolfgang Goethe
Ilustração: Wolf Erlbruch
Tradução: Jenny Klabin Segall
Editora: Cosacnaify

Este livro leva aos leitores “a magia de descobrir os números” (nas palavras de Marcus Vinicius Mazzari que apresenta, comenta e faz as notas do livro). O poema “A tabuada da Bruxa” foi extraído de Fausto, clássica obra de Johann Wolfgang von Goethe, e conta com o mistério e astúcia da sua poesia, uma espécie de charada a ser desvendada, o que foi muito bem explorado pela ilustração de Wolfgang Erlbruch.

O livro apresenta formato horizontal (fechado: 31x18cm) e a narrativa se desenvolve por páginas duplas. Cada dupla traz um trecho do poema em torno de quatro palavras (também ilustradas), dispostas de variadas maneiras por todo o campo gráfico. Numa mistura de colagens – com uma gama de papéis diferentes, impressões de carimbos, e desenhos a lápis, caneta, giz pastel ou cera - Erlbruch brinca com o mistério do poema, num jogo de esconder os números, camuflá-los em meio a objetos e personagens compostos por papéis recortados e rabiscados que parecem ter sido retirados de cartilhas matemáticas antigas amareladas ou blocos de milimetrados, escolhidos com cautela.

O predomínio das cores pastéis, em tons de marrom, cinza, amarelo e azul, contribuem para criar um clima de suspense e aventura ao longo da trama matemática.

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Selma
Autor: Jutta Bauer
Ilustração: Jutta Bauer
Tradução: Marcus Mazzari
Editora: Cosacnaify

Este é um livro encantador para se ler para a criança logo antes de dormir. Narra a história de Selma, uma ovelha, sua rotina e sua maneira viver. Trata-se de um formato pequeno que poderia ser lido de pé, apoiado na palma de uma das mãos. Jutta Bauer escreveu e ilustrou o livro, o que proporciona um interação completa entre texto e imagem, reforçada pelo detalhe da autora ter manuscrito o texto com pincel e tinta, sendo as ilustrações feitas em aquarela.

Nas três primeiras duplas e na última são utilizadas apenas as páginas ímpares. Então, quando se inicia de fato a história de Selma, o texto se aparta da ilustração, ocupando a página par. Texto e imagem estão de certo modo centralizadas nas páginas. Com exceção de 3 ilustrações, todas as demais são emolduradas por um traço preto da autora, transformando-se em quadrinhos “pendurados” à página.

Jutta Bauer varia os ângulos e planos de suas ilustrações, trabalhando as perspectivas e nos proporcionando uma mudança de pontos de vista Como no cinema, ela nos proporciona pausas com cenas amplas, em plano geral, da paisagem e, em outros momentos, vistas de cima da árvore para captar a conversa entre a ovelha Selma - distante “lá no chão” - e a dona Maria, uma ave - “aqui em cima da árvore”. E apesar dessa dinâmica na imagem, a autora mantém uma unidade entre suas ilustrações.

O texto manuscrito pela autora é tão delicado, sutil e cuidadoso, quanto as ilustrações. O projeto-gráfico não ficou atrás, funcionando como uma moldura - “alma gêmea” da obra. - Detalhe para escolha da cor da capa (o vermelho-bombeiro clássico de brinquedos infantis antigos) e pelos detalhes sutis e “descontraídos” das aplicações de ilustrações no verso (código de barras), nas guardas e nos resumos da autora e do tradutor.

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Pequeno 1
Autor: Ann Rand, Paul Rand
Tradução: Alípio Correia de Franca Neto
Editora: Cosacnaify

O livro, escrito e ilustrado por Ann e Paul Rand, respectivamente, relaciona de maneira harmoniosa ilustração e texto. Poesia e ilustração tornam-se inseparáveis, ambas delicadas e divertidas, prendem o leitor ao solitário Pequeno 1 em sua busca por amigos com quem possa se divertir. O livro é indicado para crianças que estão aprendendo os números.

Na maioria das ilustrações Rand escolhe uma palheta pequena de cores fortes que têm a função de preencher os elementos desenhados (peras, ursos, mesas, abelhas...), mas extrapolam as linhas simples que definem tais formas (ausentes em outras) em uma dinâmica que contrapõe essas manchas coloridas e quase geométricas (que parecem papel celofane colado por sobre os desenhos) aos traços finos delimitadores.

Neste projeto gráfico, a história é contada em páginas duplas, onde o texto em versos aparece sempre na página par, enquanto Rand explora muito bem a liberdade que tem de usar toda a dupla, aproveitando os espaços de maneira surpreendente, reforçando a dinâmica da leitura imagética. Alguns dos elementos vazam a folha, dando impressão de que aquele ambiente continua além do campo gráfico, enquanto em outro momento, ele cria uma moldura para a cena no limite da dupla.

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[1] O conjunto das ilustrações se baseia na técnica usualmente utilizada pelo artista, uma mistura de assemblagens, colagens manuais, grafias de carimbos, desenhos, os mais variados objetos de madeira (tipos móveis, peças de brinquedos, sapatos, pés de mobiliário) e metais (maçanetas, espelhos de interruptor, chaves, fechaduras, parafusos) que reunidos se transformam em cachorros, peixes, baleias, pássaros de palha trançada, caveiras, pessoas e cenários.

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Vinícius Quirino é designer formado pela ESPM (2009).

 


Comentários

Douglas Carvalho
31/10/2010

Mais um incrível texto de vocês. Sempre falo para meus amigos da qualidade dos livros da editora Cosacnaify. Acrescento aqui outros dois premiados livros da mesma editora: "O Dariz" e "O pato, a morte e a tulipa". Este último com um tema delicado e tratado com suavidade e ternura. Parabéns, Agitprop!

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