Ano: IV Número: 41
ISSN: 1983-005X
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Brand Design
Paola Antonelli

Projetar uma marca[1] não trata apenas da criação de uma imagem e personalidade para produtos ou para grandes empresas, mas é também a arte de saber chegar ao público e insinuar essa imagem em sua mente. Pelo fato de ser tão intimamente ligado com a publicidade e, dessa forma também com a comunicação, as ciências cognitivas, a cultura popular e a tecnologia, o brand design, nas últimas décadas, seguiu a explosão das redes sociais e das narrativas multimídia. O que se realizou – algumas vezes de forma inconsciente – buscando inspiração na própria história, mas ao mesmo tempo se afastando da ideia racionalista de um conceito centralizado de design típica dos anos 1950 (a marca e todas as suas versões cuidadosamente detalhadas em manuais semelhantes a textos de biologia, podemos pensar no caso da Lufthansa – com regras precisas para sua aplicação e repetição. Por isso, não trataremos nem do Olimpo das marcas, isto é, Coca-Cola, IBM, McDonald’s, Playboy, Shell, Apple e empresas desse porte, apenas para citar algumas; nem falaremos dos casos usuais, como Starbucks; ou de marcas que implodiram por não terem sido capazes de manterem o controle de seus negócios como Chanel ou Burberry –; ou ainda, daquelas que criaram alianças memoráveis ou efêmeras com o mundo da arte e da ilustração – como Braniff ou Absolut. Marcas de sucesso contemporâneas se situam em um ambiente narrativo. Assim, essas marcas ou possuem um script minucioso e idiossincrático, ou são abstratas, marcantes e adaptáveis o suficiente para abarcar diversas plataformas, manterem com constância seus próprios papéis e serem sempre reconhecíveis.

A grande reforma das marcas não aconteceu pacificamente. No século 20, marcas eram centros de gravidade, presenças permanentes e confiáveis em nossas vidas, uma influência que tomava por base repetição e regras precisas de uso. Muitas forças contrárias ao mundo dos grandes negócios contribuíram para mudar esse estado de coisas, estimuladas pelos escândalos e pelos passos em falso das grandes empresas. Como exemplo, podemos citar a reação quase fatal contra um símbolo anteriormente bem sucedido como o swoosh da NIKE, que ocorreu em 1997 depois da indignação suscitada pelas condições de trabalho dos produtores terceirizados pela empresa. Campanhas ideológicas de amplo alcance, como a lançada por Naomi Klein com seu livro No Logo (2000), ou a ação contínua e sutilmente intelectual da empresa canadense Adbusters (grupo de ativistas da propaganda e do design fundado em 1989), forçaram a criação de uma paisagem muito mais interessante e diversa, na qual grandes e pequenas marcas competem pela atenção do público consumidor, entediado e exigente, que as obrigam a elaborar narrativas complexas, produções de alta qualidade e propostas de patrocínios estratégicos.

A tecnologia nos impeliu a avançar, basta pensar na introdução do videocassete que tornou possível pular os comerciais enquanto assistíamos aos programas gravados (hoje, os programas televisivos transmitidos em tempo real via internet reintroduziram esse velho incômodo), assim como a fragmentação da mensagem entre várias plataformas, algumas das quais imprevisíveis, como as redes sociais e os pop-ups em sites de internet. Numa era de mixórdias, paródias no Youtube, imitações constantes e criatividade popular desenfreada, o segredo é ser capaz de afrouxar o controle sem perder presença e poder de comunicação. Por essa razão, o brand design hoje parece mais inspirado por grandes exemplos do passado recente que compreendem também arquitetura e programas sociais e não somente produtos e imagens, do célebre Bibendum da Michelin à identidade e iniciativas em todo o campo das marcas como AEG, Olivetti, Cummins Engines e Campari. Ou parecem se inspirar, ainda, nos episódios do Carosello, o programa das 20:30h que, nos anos 1960 e 1970, constituia o último prazer das crianças italianas antes da hora de dormir. Era construído sobre séries de sketches leves e diferentes a cada noite (alguns dos quais animados, outros com atores reais) filmados, algumas vezes, por renomados diretores.

Bibendum foi inventado por Edouard Michelin, que junto com seu irmão André adquiriu um fabricante de pneus e esteiras rolantes na França, em 1889. Diz a lenda que Edouard chegou a esse conceito quando viu uma pilha de pneus que lembrava a forma de uma pessoa. Considerada uma das marcas de maior sucesso de todos os tempos, é imediatamente reconhecível, original, com grande apelo para as crianças e para adultos e aberto a muitas intepretações. Do Bibendum ao Suwappu: a filial londrina da Dentsu (agência de publicidade japonesa) recorreu ao estúdio de design multimídia BERG para desenvolver novos personagens chamados Suwappu, cujas estórias sempre novas, seriam contadas utilizando-se realidade virtual. Estes personagens em duas partes foram projetados com traços muito definidos, em estilo de desenho animado, de modo a poderem ser capturados facilmente pelos programas de reconhecimento de imagem. Assim, os proprietários de smartphone podem ver a estória de cada Suwappu desenvolver-se em sopreposição à realidade: estórias diferentes a cada dia e sempre em movimento como um episódio do Carosello.

O logo que cristalizou a nova era do brand design é o da MTV, um conceito completamente novo, na época, de canal televisivo dedicado exclusivamente a vídeos musicais pop e rock, inaugurado em 1 de agosto de 1981 com uma transmissão ousada. Os primeiros instantes do novo canal mostravam, de fato, uma memorável readaptação do primeiro pouso na lua, no qual a bandeira plantada em solo lunar carregava o logo da MTV. Projetado por Frank Olinsky da Manhattan Design, contratado do diretor criativo da rede Fred Seibert, o logo era inicialmente aberto à intepretações apenas no grande M, principalmente em termos de forma e cor. Em seguida, embora mantendo constantes o tamanho e as proporções gerais, todo o acrônimo (MTV) foi deixado nas mãos da criatividade dos artistas. A história da MTV é cheia de momentos memoráveis, como a famosa campanha “I want my MTV!”, de 1982, e também, se os anos oitenta foram a sua década mais gritante, a marca representa ainda um testemunho ao poder do Zeitgeist.

2001 foi um ano importante para Prada e Louis Vuitton, dois nomes muito célebres da moda. O monograma LV, criado em 1896, que tomava por base a melhor tradição francesa de bens de luxo, permaneceu quase imutável por todo o século XX , mas passou a sofrer um duro ataque dos falsificadores, o que pedia uma ação decisiva. O novo diretor de arte da empresa, Marc Jacobs, decide convidar vários designers, arquitetos e artistas para reinterpretar a marca. O tratamento visual inspirado nos graffiti criado por Stephen Sprouse (falecido em 2004) foi revelado como parte da coleção primavera/verão de 2001; dois anos depois seguiram-se o monograma multicolorido e as flores de cerejeira de Takashi Murakami: daquele momento em diante, o mundo dos produtos de couro nunca mais foi o mesmo.

Se Bernard Arnault, presidente da LVMH, é identificado com o grupo empresarial (de quase 60 companhias) espalhando, assim, sua marca pessoal sobre um enorme panorama do poder corporativo, é a imagem de agitadora cultural e ousadia criativa de Miuccia Prada que fica conectada estreitamente à marca da empresa milanesa. De um proeminente negócio familiar em 1979, Miucia Prada transformou, no início dos anos 1990, de uma loja para vovós de Milão para uma visão de futuro da moda. No ano de 1993, é criada a Fundação Prada, dedicada à arte contemporânea. A grande expectativa que se criou para a abertura da Loja Prada Epicenter em Nova York, projetada pelo OMA[2], foi marcada para o outono de 2001, para ser mais preciso: meados de setembro. Os eventos de 9/11 adiaram a inauguração para dezembro. Miuccia Prada entrou em contacto com Rem Koolhaas em julho de 1999 ao conhecer o Harvard GSD (Graduate School of Design) Guide to Shopping que ele havia publicado com seus estudantes. A loja, com seu programa inovador (centro de compras + local de eventos culturais), uso imaginativo dos talentos da empresa de design de comunicação 2x4, uso futurístico da tecnologia e, não podemos nos esquecer, as sensacionais ofertas de produtos da moda, foi uma sensação. Mesmo se grande parte da sua ambiciosa estratégia não funcionara, o Epicenter era bastante flexível para poder ser reorganizado e reconfigurado à vontade e ainda ser um espaço inesquecível. A essa experiência, se seguiu a loja Prada de Toquio, projetada por Herzog & de Meuron[3], e os outros epicentros em cidades diversas ao redor do mundo. Da mesma forma que as grandes marcas do passado como Olivetti, também aqui a combinação de arquitetura, arte, design e engenharia é o que criou uma marca vitoriosa.

Muitas marcas são associadas à celebridades como Oprah e Martha Stewart, ou ao seu equivalente na nossa cultura, porém esse casamento nem sempre conta com um bom design. Muito frequentemente, se acredita que a qualidade e profundidade da mensagem precisam ser sacrificadas no altar do populismo. Se trata, todavia, de um erro colossal, e a campanha eleitoral de 2008 “Obama for President” ilustra esse ponto com grande clareza: independente do que se pense sobre a performance atual do presidente Obama, design, narrativa e flexibilidade eram a espinha dorsal da estratégia, que podia abraçar as expressões mais marotas/astutas e torna-las suas, como no caso do famoso cartaz de Shepard Fairey[4].

Algumas vezes o personagem principal da marca é o próprio edifício. Para complementar a Casa da Música (2005), sala de concertos projetada por Rem Koolhaas e seu escritório OMA na cidade do Porto, em Portugal, Stefan Sagmeister concebeu um projeto de identidade que era igualmente aberto e eficaz. Depois de observar que o edifício em si poderia ser um logo perfeitamente claro e representativo, o designer o tratou como uma forma tridimensional vista por 17 ângulos diferentes; e utilizando um programa chamado logo generator, o designer extrai cores e tonalidades principais de qualquer imagem e as aplica nos logos em perfeita harmonia.

Outras instituições tomaram caminhos diferentes, dependendo do foco de sua mensagem e de sua própria personalidade. Basta comparar o logo gasoso da Tate Modern (projetado pelo escritório inglês Wolff Olins) com as revisões do MOMA feitas por Chermayeff&Geismar, Bruce Mau e outros (e mais recentemente por Paula Scher e a equipe da Pentagram), o logo do New Museum de Nova York, criado pela Under Consideration e o do Brooklyn Museum, pela 2x4, para intuir alguns segredos que as instituições não desejam revelar, sejam a arrogância ou a humildade, seja o sinal de uma crise de identidade, de uma curiosidade nivelada por baixo, até à insegurança mascarada de tentativas para parecerem sempre frescas e vanguardistas a todo custo.

Um dos exemplos mais irritantes e interessantes da recusa do design como forma de design em si é o logo do Google. A marca neo-funcionalista criada por Ruth Ketar, usando a tipografia Catull, aliada às suas intervenções gráficas diárias (desde 1999) – francamente, simples rabiscos chamados de Doodles –,  pretendem demonstrar que acima do estilo e de um verdadeiro interesse pelo aspecto visual busca-se uma clara identificação com uma onda primordial e duradoura de marcas online.

Seja o edifício, uma personalidade, um glifo – como a vírgula da Nike – ou nenhum desses, ou ainda o patrocínio de projetos brilhantes (como o caso da INTEL, que reavivou sua própria imagem lançando online o Creators Project), a vida estratificada e cinemática das marcas produziu uma paisagem da comunicação muito mais interessante.

PAOLA ANTONELLI
Crítica e curadora, MoMA

 


[1]O termo original é “brand” que traduziremos como “marca”, entendendo porém que o conceito de marca é mais abrangente que apenas a sua tradução visual, isto é, sinal principal de uma empresa ou produto. (N.T.)

[2]OMA ou Office for Metropolitan Architecture é um escritório de arquitetura multinacional com sede na Holanda e criado pelo arquiteto Rem Koolhaas, responsável, entre outros, pelo projeto do Parque de La Villete, em Paris (N.T.)

[3]Herzog & de Meuron é uma empresa de arquitetura suíça, criada em 1978 por Jacques Herzog e Pierre de Meuron. (N.T.)

[4]A autora refere-se ao cartaz “Hope” projetado por Shepard Fairey, sobre o qual, o crítico de arte do The New Yorker, Peter Schjeldahl, disse ser "a mais eficaz ilustração política norte-americana desde ‘Uncle Sam Wants You'. (N.T.)

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Artigo publicado originalmente na revista Domus (no. 947) de maio de 2011 (pp. 82 a 89) e traduzido por Marcello Montore

 


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