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A cidade mais silenciosa...
Ingrid Moura Wanderley
"Eu acho que a gente começa a desenhar, faz uma linha pra cá outra linha pra lá e de repente surge uma coisa que a gente não tinha imaginado o que ia ser. Isso é também meio atraente. A criação é mesmo misteriosa. A gente não sabe porque que faz uma coisa assim..." (1) Athos Bulcão
Carioca do Catete, brasiliense por opção, Athos Bulcão deixou Brasília e o mundo das artes mais silencioso com sua morte no dia 31 de julho de 2008.
Fotógrafo, pintor, gravurista, capista, escultor ou simplesmente, como preferia, artista plástico, a vida e a trajetória artística de Athos Bulcão se confundem com a história da arte brasileira da segunda metade do século XX. Do figurativismo ao abstracionismo concretista, seus painéis de azulejos constituem parte inextrincável do imaginário artístico nacional, conferindo à aspereza das superfícies em que intervém um ritmo poético e um sopro de frescor e humanidade através de uma forte marca pessoal.
Em parceria com vários arquitetos, Niemeyer e João Filgueiras Lima sobretudo, explorou as possibilidades plásticas dos espaços modernos, operando no limite entre o recato e o desejo de expressão de obras de arte que se integram à arquitetura sem abrir mão da sua afirmação estética, particularmente nas realizações na capital federal. Em Brasília, esta cidade que viu nascer, quando nela se instalou à convite de Niemeyer no final da década de 1950, e que, ao longo das décadas, tornou-se uma espécie de indicativo certeiro para o entendimento de sua evolução artística, testemunhada nas inúmeras obras dispersas pela capital.
Relevos geométricos, divisórias vazadas que revelam e escondem, painéis que enfeitam e alegram hospitais, painéis de azulejos de cores fortes e brilhantes, de linhas e curvas que se rompem e se reatam, transcendendo limites e se afirmando como signos identitários, qualificando edifícios, definindo lugares: dos azulejos da Igrejinha de Nossa Senhora de Fátima ao Sambódromo no Rio de Janeiro.
Figura humana de enorme grandeza de caráter, gentil na atenção com as pessoas que usam, habitam ou simplesmente passam por lugares povoados com sua arte, ao querido Athos uma singela homenagem com todo respeito, admiração e alegria pela sua obra: "a criação é mesmo misteriosa".
(1) "Habitante do silêncio de Brasília"- entrevista com Athos Bulcão - Jornal de Brasília, 02/07/1998, p. 5.
Ingrid Moura Wanderley é designer, professora do curso de design da FACAMP, autora de dissertação sobre a obra de Athos Bulcão.
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