Ano: I Número: 1
ISSN: 1983-005X
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O risco do divórcio projeto e produção

Bitiz Afflalo

Com a chuva de recalls mundiais, que causam prejuízos de toda sorte, tanto para o produtor como para o consumidor, vem a tona uma discussão normalmente restrita ao cotidiano dos profissionais relacionados à indústria: a distância existente entre as áreas de design e produção.

A fabricação de um produto dentro de uma empresa é um processo político-empresarial que necessita, ao longo do seu desenvolvimento, de um grande número de decisões, cada uma delas acarretando conseqüências quase todas previsíveis, de acordo com cenários traçados.

Quando o diretor de uma empresa como a Mattel, Sr. Ronaldo Schaffer, declara que a fabricante continuará produzindo na China porque o que houve foi um problema de projeto, ele está em parte correto, principalmente se o produto foi desenvolvido por algum departamento interno. As especificações de um produto são de responsabilidade de uma equipe de design, ou pelo menos, deveriam ser. Mas isso não é o que acontece nos processos de produção globalizados, adotados atualmente.
E algumas vezes, não acontece também no desenvolvimento de um produto nacional.

Analisar o fluxo do desenvolvimento de um produto, em seus processos de design, produção, avaliação pós-produção e pós-uso, é urgente para uma economia mundial que fragmentou e dispersou suas operações, sem criar links que permitam o controle da qualidade dos produtos. Sem ajustes sérios nesses processos, os recalls vão continuar a provocar todos os prejuízos possíveis.

Quando a direção da Mattel esteve preocupada com o Dia da Criança, após o governo brasileiro proibir suas importações, surge a pergunta: e o futuro? Só interessa o imediato? Quando a Disney, que não cria brinquedos nem produz, só licencia seus personagens, contrata engenheiros para verificar a produção, cabe a questão: e a credibilidade? Em que marca o consumidor pode confiar? Juntando as duas questões, pode-se avaliar as conseqüências da desconexão entre design e produção.

Para as empresas brasileiras vale a análise, porque, por aqui, design e produção muitas vezes se distanciam, de forma tal que a desconexão gera, quase sempre, perda da qualidade. O projeto compartilhado entre criação, produção e venda é, com certeza, o mais adequado para qualquer empresa.

Vale refletir se a terceirização, fora das nossas fronteiras, é o melhor caminho para o produtor nacional, como já praticado por algumas empresas. Há, nos seus processos de produção, decisões que privilegiam critérios capazes de destruir requisitos pensados no projeto? Seriam esses requisitos descartáveis, sem perigo para a qualidade de uso do produto?

São muitos os exemplos de modificação do projeto na produção que não levam em conta outras questões, se não as econômicas e imediatas. Por que o uso da tinta com chumbo na China? Porque é mais barata do que a tinta sem chumbo!

Para o designer brasileiro, os recalls e a declaração da direção da Mattel alertam para a responsabilidade de cada desenho, de cada especificação de projeto.

Para o consumidor brasileiro fica o mais difícil: a escolha. Como exercê-la? Optar por comprar menos produtos, os mais caros? Como saber a diferença entre eles? Pesquisar e observar se as exigências dos órgãos de qualidade estão sendo cumpridas? Quais são essas exigências? Tentar exigir garantia, para sua própria segurança?

Para todos, uma só certeza: é preciso cada vez mais informação, principalmente sobre design e qualidade.
 

Bitiz Afflalo é designer.
 
O artigo foi originalmente publicado no jornal O Globo em 15.10. 2007.

 


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