Ano: I Número: 1
ISSN: 1983-005X
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Design coadjuvante

Ethel Leon

O filme russo O Pequeno italiano 2005 (Italianetz), que estreou no circuito nacional em agosto, certamente rende belas discussões sobre design. Talvez esta seja uma forma instrumental e empobrecedora de ver o cinema e, desde já, peço perdão a cinéfilos...

A história é uma espécie de Oliver Twist pós-queda do Muro de Berlim. A nova Rússia, país de desamparo, frio, desagregação familiar e institucional, dominada por máfias de cima a baixo, é examinada a partir de uma singela história. Um casal italiano, devidamente acompanhado por ‘madame’, personagem sem nome, que vive de agenciar órfãos para estrangeiros, chega a um orfanato e escolhe o pequeno Vanya, de seis anos, para adotar. A burocracia só ficará pronta em dois meses, durante os quais o menino decide procurar por sua mãe biológica, empreendendo heróica viagem. Ele deve enfrentar não só madame e seu empregado/cúmplice, mas a pequena máfia de adolescentes, formada no orfanato; as ameaças de uma polícia corrupta e as leis gerais de um mundo adulto, pobre e desamparado. Para ter acesso às informações sobre sua mãe, é ajudado por uma menina do orfanato – que se prostitui com caminhoneiros. Ela o ensina a ler e rouba para que ele faça a viagem em direção à casa materna.

Bem, e o que isso tudo tem a ver com design? O filme mostra imagens e abre algumas discussões de interesse. Vejam se não:

1) está lá a idéia do aprendizado pelas manualidades, destinada aos ‘desamparados’, mentalidade que regeu os Liceus de Artes e Ofícios: os órfãos aprendem marcenaria antes de aprenderem a ler;

2) apesar de viverem na pobreza do orfanato, crianças e adolescentes percebem muito rapidamente quais são os objetos capazes de se transformar em moeda – acessórios de carros caros, relógios...os anseios de consumo da nova Rússia neoliberal;

3) numa das cenas aparece uma das tão difundidas camas hospitalares de ferro pintadas de branco, com uma rede metálica no lugar de um estrado de madeira, base para nossa cama patente (vide o trabalho de Maria Cecília Loschiavo dos Santos O Móvel Moderno no Brasil);

4) uma pala para a ‘ergonomania’: a localização das campainhas, que o pequeno Volya só alcança por meio de expedientes como subir num balde virado para baixo;

5) e, talvez, uma das mais belas cenas do filme: aquela em que o protagonista olha para cima e vê uma chaminé da qual sai intensa fumaça branca....A fotografia é feita a partir do ângulo de muitas das fotos de Rodchenko, de baixo. É um plano que opera quase como assinatura. A câmara pára, deixando que a fumaça suba em seu ritmo. Como se a promessa do país socialista, industrializado, que seria a URSS, tivesse se esvaído em fumaça. Como se a crença dos construtivistas fosse mesmo o que é, um sonho destruído.

Talvez essa cena permita uma outra leitura do filme. Volya é o russo em busca de sua mãe, a pátria, hoje terra arrasada. Porque apesar da degradação geral que o filme exibe em detalhes, há personagens que o ajudam nessa empreitada heróica. Há mesmo os que mudam de lado para apoiá-lo. E a casa final, apesar do frio externo, é quente e cheia de afeto. Ela é mais preciosa do que os sonhos de uma bela vida na Itália.

O Pequeno italiano, 2005 (Italianetz)
Direção: Andrei Kravchuk
Ator que faz Vanyia: - Kolya Spiridonov

 


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