Ano: III Número: 35
ISSN: 1983-005X
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Design mata

Ethel Leon

Um dos faits divers da semana explora o caso da menina Stephanie dos Santos Teixeira, que morreu depois de receber uma dose de vaselina na veia em hospital de São Paulo. A auxiliar de enfermagem deveria ter aplicado soro fisiológico, mas se enganou. Ela é acusada de homicídio culposo.

A promotora de Direitos Humanos da área de saúde pública, Ana Lúcia Menezes Vieira, declarou que vai investigar as condições de atendimento do hospital, de seus técnicos, enfermeiros e médicos. E acrescentou: “Vamos apurar a forma de acondicionamento dos produtos, que pareciam estar em embalagens semelhantes, tanto o soro como a vaselina.”

A acreditar na foto publicada pelos jornais, exibida na TV e em vários sites, a embalagem não é parecida. É a mesma!

A diferença entre o soro e a vaselina é sutil, o rótulo colado sobre os frascos têm letras pequenas, não há qualquer advertência sobre o estrito uso externo da vaselina líquida...

Trata-se de morte causada por desleixo com relação ao design das embalagens, muito mais do que desatenção da profissional de saúde, ao que tudo indica.

Produtos hospitalares, remédios, substâncias químicas venenosas devem ter tratamento cuidadoso em suas embalagens. No mínimo, é preciso saber diferenciá-las e uma tampa vermelha em vez de azul já seria indício de perigo, cuidado.

Infelizmente, faz muito tempo que a ideia predominante de design é o de adornos ou de indicações sintáticas de inovações, ou seja, de valores mercadológicos. Muitos profissionais de saúde parecem desconhecer quão importante seria a intervenção de designers em várias áreas de suas atividades. As embalagens hospitalares são uma delas. 

O que aconteceu não é uma tragédia, não é fatalidade. É subproduto da enorme ignorância sobre a pertinência de projetos em áreas fundamentais, nas quais a interface deve ser quase intuitiva, como num painel de automóvel ou avião; como numa sinalização de rodoviária ou aeroporto; como num caixa bancário.

Todo avanço nas pesquisas de design de informação parece se concentrar, em nosso país, quase exclusivamente naquilo que é privado ou lucrativo.

Seria importante que as associações de designers brasileiros tivessem uma espécie de plantão, recolhendo exemplos desse tipo, e mostrando aos setores responsáveis como seus projetos são canhestros.

Costuma-se fazer o chiste, quando se diz que a atividade do designer não pode ser legislada como a do engenheiro ou médico, dizendo que nada que o designer faz pode matar. Quem olhar para estas embalagens jamais repetirá a brincadeira.

 


Comentários

Joaquim Redig
13/12/2010

Ethel, parabéns é muito pouco! Seu artigo é primoroso, primordial e precioso! O comentário da Claudia Berwanger confirma. Tinha que ser publicado num jornal de grande circulação, e além disso muito disseminado, principalmente juntos aos médicos, aos órgãos de saúde, ao Congresso, aos laboratórios farmacêuticos - e também aos designers, com bem disse a Claudia. Basta de desleixo, com os verdadeiros problemas do Design!

Mônica Tarantino
13/12/2010

São observações muito boas que o texto faz. Cobri o caso Stephanie e estou horrorizada com a falta de comunicação e das armadilhas em todos os níveis. As embalagens são mais uma dessas armadilhas. E sim, são armadilhas que podem ser desmontadas. É inconcebível a semelhança dos fracos e rótulos, o local onde são acondicionados no PS. O caso de Stephanie repercutiu tanto por causa da coragem da mãe dela, Roseane, em denunciar o fato e cobrar a condenação daqueles cuja negligência levou à morte da menina. Mas imagina quanta coisa não acontece desse mesmo jeito e a gente nao fica sabendo?

Ethel Leon
13/12/2010

Ana Claudia, Acredito que, com a volta de investimentos públicos, vai haver grande necessidade de designers. Ou seja, vai se abrir ou já está se abrindo um mercado de trabalho muito grande. O design brasileiro já teve um curto período de dedicação à esfera pública, os anos 1970, por iniciativa de governos da ditadura militar. Se os designers, as escolas etc. não se prepararem, esse lugar será tomado pelos 'vizinhos'.

Gilberto Paim
12/12/2010

Excelente texto, Ethel. Que encontre muitos e muitos leitores.

Ana Claudia Berwanger
11/12/2010

Olá Ethel. Achei teu artigo oportuno, e até mesmo urgente. Você aponta acertadamente que "muitos profissionais de saúde parecem desconhecer quão importante seria a intervenção de designers em várias áreas de suas atividades. As embalagens hospitalares são uma delas." Sem dúvida, esse é um fato. Mas acredito que existe um outro lado da moeda, que diz respeito à classe profissional dos designers: fico me perguntando, dentre todas as atualidades e acontecimentos sociais que dizem respeito ao design, quais são aqueles que efetivamente mobilizam os profissionais para a tomada de atitudes públicas. E, infelizmente, imagino que este caso (ou o problema que subjaz a ele) esteja na categoria de assuntos excluídos ou secundários, por "falta de tempo". De onde posso ver, nossa categoria se preocupada demais com os próprios interesses e muito pouco com questões públicas que, para ser curta e grossa, não dão lucro algum. Para não ser completamente injusta, me parece ainda que problemas públicos deste tipo são assuntos típicos de trabalhos de conclusão de curso -- o que é excelente -- mas isso parece desaguar muito pouco em transformações sociais e infra-estruturais efetivas que atinjam àqueles que não são solventes. Espero estar redondamente enganada.

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