Ano: I Número: 2
ISSN: 1983-005X
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A saga dos vídeos Palettes

Gilberto Paim

A riqueza da nossa apreciação das obras de arte depende em grande parte do conhecimento que temos sobre elas. Museólogos, curadores e designers de exposições costumam ter consciência do desafio de expor obras de arte para serem ao mesmo tempo contempladas e compreendidas. Quando em excesso, mesmo informações importantes para a compreensão das obras são percebidas pelo visitante como desagradáveis ruídos. A sua ausência, no entanto, pode empobrecer dramaticamente a experiência expositiva.  A série de vídeos Palettes, é exemplo de medida certa.

Muitos documentários em vídeo exibidos de modo complementar em exposições contribuem para a compreensão das obras expostas, pois concentram informações preciosas sobre a biografia dos artistas, as técnicas e os materiais que utilizaram, a genealogia das obras ou o contexto histórico da sua criação. Apresentados em salas escuras especiais, os vídeos não costumam perturbar a contemplação das obras. 

Os vídeos mais interessantes têm vida própria. Produzidos ou não como suporte para uma exposição ou o acervo de um museu, são transmitidos por tvs educativas e culturais e constam do acervo áudio-visual de escolas e universidades. Para o público leigo, normalmente avesso a catálogos, um bom vídeo pode valer pela leitura de dezenas de páginas. 

Com o propósito de desvendar a arte para um público de não especialistas, os vídeos da série Palettes se destacam. Em primeiro lugar pelo fôlego, pois são quase cinqüenta títulos de 1988 até hoje, dirigidos pelo jornalista Alain Joubert, e produzidos sucessivamente pela tv Sept francesa e a tv Arte franco-alemã, com o apoio regular do Museu do Louvre, do Museu d´Orsay e do Centro Georges Pompidou. Os vídeos analisam principalmente a arte européia do final da Idade Média ao modernismo, com incursões à pré-história (Lascaux), ao Oriente (Hokusai, Shitao) ou à pop arte (Andy Wahrol ). A coleção integral em dezoito dvds foi lançada recentemente na França a preço econômico.

Cada vídeo de Palettes tem aproximadamente trinta minutos e está centrado na análise de uma obra ou série de obras de um único artista. O documento sobre Cézanne aborda todas as pinturas nas quais o artista figurou a montanha Sainte Victoire, próxima à cidade de Aix em Provence, onde viveu durante quase toda a vida. O exemplar sobre Matisse aborda A Tristeza do Rei, colagem de grandes proporções. O vídeo sobre Rembrandt focaliza os auto-retratos do mestre holandês. Os exuberantes retratos de Helène Fourment, esposa de Rubens, constituem o eixo do documento sobre o pintor. A análise em profundidade de uma única obra ou de uma série temática não é fechada, ao contrário, ela também procura evidenciar as suas relações com diferentes obras do mesmo artista e obras de outros artistas.   

Cada vídeo se inicia com a descrição minuciosa dos elementos visíveis das obras de arte. Em seguida nos são revelados com riqueza de detalhes os seus elementos “invisíveis”: os procedimentos utilizados por cada artista na preparação de seus suportes, pigmentos e tintas; a diversidade dos esboços preparatórios; as obras nas quais o artista se inspirou ou com as quais pretendeu dialogar; as etapas sucessivas da realização da obra, incluindo correções e acréscimos.

Aprendemos sobre os contratos selados entre os artistas e seus clientes, mecenas ou marchands, assim como a recepção crítica que as obras inicialmente receberam. Conhecemos o efeito do tempo, ao longo de décadas ou séculos, sobre pinturas e esculturas, ou ainda as eventuais agressões que sofreram. Descobrimos com encantamento as inúmeras gravuras colecionadas por Ingres, dentre as quais o artista selecionou algumas das mulheres voluptuosas do seu célebre Banho Turco. Acompanhamos com angústia o desmembramento, por motivo comercial vil, da Decoração para a Barraca de La Goulue, grande painel de Toulouse Lautrec, assim como a sua quase inacreditável restauração.   

A análise minuciosa do processo criativo de grandes mestres como Goya ou Manet revela a sintonia perfeita entre mão e olhar. A dicotomia entre reflexão e artesania, cultivada com apreço pelo senso comum, é negada de modo categórico pela série.

A excelência dos vídeos fundamenta-se em análises de obras de arte realizadas por historiadores, teóricos da arte e cientistas. A lista de scholars nos créditos finais de alguns vídeos impressiona. Ao explicitar as hipóteses acadêmicas, a equipe reunida por Alain Jaubert mostra eficiente habilidade na utilização dos recursos da filmagem e edição em vídeo (zoom, rotação e sobreposição das imagens, subdivisão da tela etc.) assim como do grafismo digital. A série lança mão regularmente de imagens obtidas através de raios x, infravermelho ou ultravioleta. A espessura material da criação é evidenciada: da leveza do traço passamos ao preenchimento progressivo dos espaços; da mistura da cor na palheta aos ínfimos efeitos de luz na tela.

Por vezes a colagem de hipóteses acadêmicas diversas resulta em documentos heteróclitos um tanto áridos, como o vídeo sobre O Quarto de Arles, de Van Gogh. Sentimos então o peso da cultura sobre a vibração autêntica da arte. Outras vezes a inclusão de registros de época raros e emocionantes silencia o discurso em off, como as cenas de um Matisse convalescente sobre cadeira de rodas a recortar papéis coloridos a guache para criar as suas vibrantes colagens.    

O rigor de Palettes inspirou ao menos duas outras séries da tv Arte: Arquiteturas, que analisa obras arquitetônicas de diversos tempos, e Design, que enfoca ícones do design como as canetas Bic ou as luminárias Akari. Ambas foram veiculadas no Brasil pelo Eurochannel.  

Esperamos que o lançamento da coleção integral Palettes estimule as nossas tvs educativas e transmitir a série.


Coleção integral Palettes, Editions Montparnasse e Arte, novembro de 2007, Paris.
Sistemas PAL e NTSC.
Narração em francês, inglês, espanhol, italiano e alemão.


    

 


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