Ano: V Número: 52
ISSN: 1983-005X
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Acertando as contas: um problema de design

Marcello Montore

É surpreendente que no mundo contemporâneo os “comprovantes de residência” ainda encontrem lugar de honra nas burocracias cotidianas.

As contas de serviços públicos como de água, eletricidade, gás e outras de empresas privadas como as de banco ou telefone atestam aos olhos das entidades que as solicitam que determinado cidadão habita determinado endereço.

A lógica por trás da exigência parece clara – o cidadão precisa ser encontrado em algum lugar, principalmente quando não pagou aquele mesmo comprovante de residência.

Ao renovar a carteira de motorista deparei com essa exigência e, meio ao acaso, peguei a primeira conta que chegou pelo correio, no caso a conta de água da Sabesp.

Logo notei meu endereço impresso no topo da página – ótimo, pensei, está comprovado o endereço. Numa segunda passada percebi que meu nome não estava junto ao endereço.

A conta apresentava alguns campos marcados em azul que, obviamente, chamavam e prendiam minha atenção. Estes campos eram dedicados ao número do registro da instalação, mês de referência, leitura do aparelho no mês, tarifas, agência de atendimento e qualidade da água com informações sobre coliformes fecais, turbidez e cor.

Subo e desço os olhos pela conta e, me detenho na seguinte observação disposta em campo branco e grafada em caixa alta: “Para sua segurança, coloque seu nome na conta. Atualize o cadastro na Sabesp.” Como assim? Para minha segurança? Devo eu mesmo colocar meu próprio nome na conta? Manuscrito? Já não deveria vir impresso?

Depois da perplexidade inicial e de observar a conta mais atentamente (ainda) é que descubro meu nome, isolado e discreto, no meio do papel, em um campo – vim a saber depois – destinado a mensagens e orientações.

Fiquei me perguntando de quem teria sido a ideia de isolar o nome do usuário e desvinculá-lo de seu endereço.

Esse é apenas um dos problemas das contas, não pequeno a meu ver. Contas, como afirma uma amiga, são feitas para não serem compreendidas.

Decidi olhar meu comprovante de endereço com mais atenção e descobri (sem grande surpresa), que além da profusão de informações relevantes, mas de difícil legibilidade, algumas eram incompreensíveis como um multiplicador chamado “Subtotal por Economias” (?) e logo abaixo o fator “x 0001 (Qtd de Economias)” que não me pareceu fazer qualquer sentido. Que economias seriam essas?

Foi inevitável não lembrar da cédula das eleições americanas que elegeu George W. Bush pela primeira vez. O projeto gráfico da célula induzia a erro e isso foi capaz de mudar o rumo da história.

Não se vai mudar o rumo da história com esses problemas das contas, mas está ai um campo de grande alcance para a atuação de designers preocupados com a melhor maneira de informar uma população inteira. A mim restou pegar um marcador e assinalar meu nome para facilitar aquele que iria comprovar meu endereço.

 


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