Ano: VI Número: 58
ISSN: 1983-005X
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Adereços Guto Lacaz e tun

Ethel Leon

A empresa tun acaba de lançar um conjunto de adereços para o corpo desenhados por Guto Lacaz. São peças de grande delicadeza, linhas flexíveis e círculos que se compõem de diversas formas, deixando, no entanto, possibilidades de rearranjos por parte dos usuários.

Quando se vê a produção da empresa, percebe-se que tun e Guto Lacaz foram feitos um para o outro.

O processo de trabalho da tun tem muito da chamada cocriação com os usuários de peças. E também com os designers, caso do conjunto desenvolvido por Guto Lacaz, que enviou por email os desenhos das peças e de suas embalagens à empresa.

Cortado a laser, como todas as demais peças da tun, o conjunto de Guto Lacaz traz a possibilidade lúdica de experimentação. O anel com enorme cauda pode ser enrolado no braço ou tornar-se um colar. As peças, embora guardem elementos da joalheria tradicional, recusam-se a assumir ares historicizantes.

Os itens de borracha chamam a atenção para relações estabelecidas no corpo. Pulsos e dedos, dedos e braços. Se na foto, imagem congelada, os adereços podem ter ares de certa agressividade, vistos de perto, ganham outra dimensão, mais próxima à da massinha de brincar, à do cabelo que se anela com o dedo, gesto de bebês mantidos por tantos adultos.

A empresa tun mantém um site à altura de suas criações. Vale a pena visitá-lo. Informações da história da empresa, de como manter em bom estado as peças de borracha, da linha de embalagens, além, é claro, do catálogo de peças disponíveis para compra. Muitas destas são resultado das facilidades e da precisão do corte a laser e formam  desenhos elaborados, referências à joalheria clássica e mesmo rococó.

O conjunto de Guto Lacaz, ao contrário, parte do uso mínimo de formas e suas possíveis variantes. São adereços nada figurativos ou historicistas e é possível alinhá-los à tradição moderna que, muitas vezes, enfatizou mais o desenho do que a preciosidade dos materiais.

Anni Albers, por exemplo, construiu colares e adereços empregando materiais banais do cotidiano, como grampos, clipes e ralos de pia, elementos de formas mínimas que ganham contorno, quando justapostos de forma a tornar-se pontos de interesse para e sobre o corpo.

A tun pertence a Lia Mascarenhas Menna Barreto que, desde os anos 1980, passou a desenhar acessórios com restos de câmeras de pneus. Na época, o público que aderiu aos acessórios se identificava com posturas um tanto agressivas no vestir e mesmo no comportar-se. Não à toa, a banda de música Vulgo Valentim utilizou-se delas. Suas  roupas como as vistas no site da tun, mostram essa vontade de desconstruir o repertório tradicional da roupa masculina. São paletós, camisas sociais e gravatas usadas em tamanhos desproporcionais aos corpos que os vestem; roupas sociais misturadas a tênis, suspensórios colados à pele, calças sociais arregaçadas acima dos tornozelos.

Muitos anos depois, em 2007, Lia passou a empregar a matéria-prima de bonecos de plástico que transformava em colares e outras peças. Em seguida, associou-se a Mauro Fuke e a tun foi criada. A empresa, sediada em Eldorado do Sul, nas imediações de Porto Alegre, produz ornamentos para o corpo em mix de borracha reciclada, sintética e látex.

Não consigo deixar de fazer o comentário da minha ‘cocriação’: em minha posse, o anel/pulseira foi usado como colar e, ao enrolar sucessivamente o fio sobre o círculo de borracha, cheguei perto da rosa estilizada do escocês Charles Rennie Mackintosh.

Talvez essas novas joias da contemporaneidade, longe de exprimir suntuosidade ou fazer alusão a entesouramentos, restitua o sabor, não sei se etimológico, mas aproximado de jóia e joie, alegria em francês.

 


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