Ano: I Número: 6
ISSN: 1983-005X
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Noite escura, para adultos e crianças

Ethel Leon

O livro Na Noite Escura, de Bruno Munari, recentemente publicado pela Editora  CosacNaify é daqueles que sugerem questionamento da rígida divisão do mundo editorial em infantil/infanto/juvenil/adulto. Sua narrativa verbal é inseparável da narrativa construída pelo próprio objeto livro. Ela se faz sem maneirismos, tornando papéis, tintas, facas gráficas especiais não mais o suporte de uma história que poderia ser contada oralmente ou apenas ilustrada com desenhos, mas o meio de uma experiência que o leitor (de qualquer idade) passa a ter do próprio livro.

O procedimento de Na Noite Escura realiza aquilo que Marshall MacLuhan preconizou ao dizer que o meio é a mensagem, uma tal simbiose de conteúdos verbais e não-verbais, que nos arranca do marasmo da linguagem cotidiana e, por isso, talvez, mostre-se magnética para adultos e crianças. Munari, aqui, como em muitas outras peças dedicadas às crianças e não só, não faz a apologia da cultura técnica, mas realiza desdobramento daquilo que os construtivos sugeriam ao trabalhar com novos materiais e técnicas alheios às representações, a construção de um novo campo poético.

Escrito e construído em 1956, o livro de Munari tem uma narrativa errática e distante da fábula. Lida com universos muito próximos como os da cidade industrializada, um dos cenários da narrativa, com telhados encimados por antenas de televisão, bancos de jardim, escadas e vasos de plantas, assim como animais domésticos (gatos) que têm medo daqueles arquétipos como o morcego. O vaga-lume é apresentado como um bichinho que carrega uma lanterna, o gafanhoto toma café da manhã e a centopéia calça sapatos, numa espécie de entroncamento dos mundos do campo e das cidades; história e arte – os desenhos das grutas; mitos – piratas e caverna.

O livro é uma incursão a esse mundo do conhecimento possível, feito de diferentes papéis – lâminas pretas para a narrativa noturna, papel vegetal para as páginas do dia iluminado, folhas cinzentas e ásperas para a entrada na caverna, ela própria apresentada como recortes irregulares em várias folhas. As luzes dos vaga-lumes se apresentam fugidias, por meio de pequenos orifícios que deixam ver um fundo amarelo, recursos gráficos que não se escondem, não se subtraem ao conhecimento, não ‘iludem’, mas nem por isso, talvez ao contrário, deixem de dar pistas para a imaginação, aquela feita de matéria concreta e não de preceitos morais.

O italiano Bruno Munari (1907-1998) referência no design gráfico, de objetos, teórico, poeta e artista plástico, dedicou-se muito a desenhos para crianças como jogos e livros. Sua pesquisa nas artes visuais percorreu inúmeros campos, como mostra sua produção de objetos (especialmente os clássicos da Danese), os livros, as obras da arte programada e suas inúmeras experiências – como a dos objetos metafísicos ou as máquinas inúteis – nas quais a irreverência diante dos códigos formais assentados faz dele um artista singular, que nunca esteve totalmente sob o guarda-chuva, seja do futurismo, de seus primeiros anos de atividades artísticas, seja do racionalismo da arte programada, dos anos 1960 em diante.

O mundo editorial brasileiro, de poucos leitores, edições diminutas e, às vezes, muitos efeitos visuais esbanjadores, ganha com a publicação de Na Noite Escura um dos melhores exemplos de diálogo entre artesanal/industrial, simplicidade/apuro formal e de acabamento, adequação das palavras e outros meios expressivos. 

Em tempo: vale a pena ver a animação desenvolvida por Bárbara Rocha, feita a partir do livro, no site da editora.

Mais informações: www.cosacnaify.com.br/infanto/

 


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