Ano: V Número: 52
ISSN: 1983-005X
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Agenda de design para o Rio de Janeiro
João de Souza Leite

“Design is an activity that aims at the production of a plan, which plan – if implemented – is intended to bring about a situation with specific desired characteristics without creating unforeseen and undesired side and after effects” (1).

 

Algumas considerações iniciais

A atividade de design é habitualmente considerada em sua dimensão estética, particularmente autoral, cultivadora de certo hedonismo.

Esse texto não irá negar essa dimensão que lhe é peculiar e legítima, mas irá tentar agregar algo que lhe foi intrínseco durante a mais forte vigência do Modernismo: sua dupla orientação à racionalidade e ao compromisso social, este, ao menos, presente no discurso profissional. Estas foram, e ainda são, faces de uma mesma moeda, características a serem cultivadas em seu exercício.

Internacionalmente, o contemporâneo trouxe maior exposição para a atividade de design, de certo modo redimensionando o papel socialmente transformador originalmente presente em suas formulações da primeira metade do século 20. Essas transformações migraram do âmbito mais coletivo para se estabelecer, em sua face mais visível nos dias de hoje, como prática de expressão individual, ainda que muitas vezes resultado do trabalho colaborativo de pequenos agrupamentos de profissionais de múltipla procedência. Essa dimensão contemporânea, que tem reflexos na produção de valor tanto simbólico quanto econômico, tem inequívoca importância na montagem de cadeias de valor, implicando a criação de postos de trabalho e a multiplicação da produção. Resulta daí uma maior exposição de potencial criativo, que reverbera junto a outros modos de expressão, contribuindo para criar um sistema sinergético importante para as cidades e para o estado do Rio de Janeiro.

No entanto, para os fins que se propõem este documento, não é conveniente atribuir à cidade e ao Estado uma representação daquilo que não o é de fato. Originais e ciosos de um peculiar modo de ser criativo, tanto a sociedade civil quanto os níveis de poder público constituintes do estado do Rio de Janeiro não podem ser confundidos como boas representações do sentido de racionalidade, condução estética, ou mesmo de informação pública, atributos próprios ao design. Este documento tentará reorganizar ideias a respeito das relações entre design, sociedade e poder público, de modo a colocar em relevo uma análise mais afinada com nossa complexa realidade econômica e social.

Tanto a cidade quanto o estado do Rio de Janeiro, é do conhecimento de todos, não primam por soluções de design de qualidade frente aos problemas coletivos aqui enfrentados. Dotado de uma diversidade de formações geográficas de inequívoca beleza, o estado tem um formidável potencial para atividades de lazer e turismo que se associam ao seu potencial produtivo, em diferentes frentes.

No entanto, as atividades conduzidas ao longo de décadas pelo poder público, em seus diferentes níveis de governo, não correspondem a esse potencial, vindo a comprometer significativamente, por normas equivocadas ou regulações inexistentes ou não-praticadas, o usufruto pleno daquelas qualidades.

A fulgurante natureza esbarra, constantemente, no mundo artificial criado por nós através de precária abordagem projetiva, em muitos campos. Hoje, é possível afirmar que ela ainda confere sustentação de uma determinada marca para a cidade e o estado, mas longe, muito longe estamos de poder pensar tanto a cidade quanto o Estado como representativos de uma cultura de design.

Entenda-se aqui design em sua acepção mais ampla e contemporânea.

“Design é uma atividade criativa cujo objetivo é o de estabelecer as multifacetadas qualidades de objetos, processos e serviços, e seus sistemas compreendidos como completos ciclos de vida. Assim sendo, design é fator central na humanização inovadora das tecnologias e crucial fator nas trocas culturais e econômicas. O design tem por interesse produtos, serviços e sistemas concebidos com as ferramentas, pelas organizações e pela lógica introduzida pela industrialização – embora não somente quando produzidos por processos de produção seriada. O adjetivo ‘industrial’ comumente associado ao design deve ser relacionado ao termo indústria ou em seu significado como setor de produção ou em seu sentido mais arcaico de ‘atividade diligente ou laboriosa’. Assim, design é uma atividade que envolve um amplo espectro de profissões do qual, produtos, serviços, representações gráficas (graphics), interiores e arquitetura, todas elas, fazem parte. Orquestradas entre si e com outras profissões relacionadas, estas atividades deveriam promover o valor da vida” (2).

Esta, a definição adotada nos anos recentes pelo International Council of Societies of Industrial Design (ICSID), a mais ampla instituição internacional atuante no campo do design.

“Design de comunicação é atividade intelectual, técnica e criativa interessada não somente na produção de imagens, mas também na análise, na organização e nos métodos de apresentação de soluções visuais para problemas de comunicação” (3).

Esta última, a definição elaborada pelo International Council of Graphic Design Associations (Icograda), e, por fim, a definição praticada pela terceira grande federação internacional de designers, a International Federation of Interior Architects/Designers (IFI):

“Qualificado pela educação, experiência e por habilidades específicas, o arquiteto/designer de interiores aceita as responsabilidades por identificar, pesquisar e solucionar criativamente os problemas pertinentes à funcionalidade e à qualidade dos ambientes construídos; (...) e preparar esquemas, desenhos e documentos relacionados ao design de espaços, com o objetivo de aumentar a qualidade de vida e proteger a saúde, a segurança, o bem estar e o ambiente do público” (4).

Do projeto de coisas, passou a conferir atenção a processos e à gestão. Design estratégico, gestão de design, gestão de processos e sistemas, design de serviços e brand design, entre outros conceitos que ampliaram definitivamente o campo, se tornaram expressões correntes no campo. O âmbito de suas ações atingiu a estratégia e o gerenciamento de marcas na escala de cidades e países, estabelecendo-se como instrumento efetivo de gestão pública.

Em certo sentido, segundo o significado atribuído originalmente na língua inglesa, a atividade passou a abarcar todo projeto do artificial no mundo, segundo o economista e sociólogo Herbert Simon, que dedicou grande parte de sua energia a estudos sobre processos de decisão (5).

Então, é com essa multidimensão do termo design que este documento opera. Tanto na dimensão da expressão pessoal de empreendedores e criadores, quanto ao seu inequívoco potencial para a construção planejada de marcas, serviços ou, ainda, para a definição de processos e sua gestão, bem como em sua fundamental dimensão estética associada ao desempenho funcional de produtos e serviços, e ao processamento da informação. É nessa dimensão, portanto, do atendimento a necessidades de expressão motivada a partir de indivíduos ao alcance coletivo das decisões de projeto, que se faz necessário formular uma abordagem para uma política de design.

 

Breve histórico da promoção de design no Rio de Janeiro

Cabe aqui traçar uma breve, embora naturalmente incompleta, retrospectiva de ações de promoção do design no Rio de Janeiro. Estas, em sua maioria, nunca ultrapassaram significativamente os limites da cidade, salvo em ações junto a polos de produção artesanal, para melhor situar qualquer proposta futura.

Ainda ao final dos anos 1950, coube ao Museu de Arte Moderna a primeira iniciativa pela implantação de um curso de desenho industrial na cidade, que veio a resultar, por vias indiretas, na criação da Escola Superior de Desenho Industrial pelo Governo do Estado em 1962. Este gesto fundacional de um ensino em nível superior do desenho industrial no país, serviu por muitos anos de referência fundamental ao desenvolvimento do design pelo país afora.

Ainda nos anos 1960, teve início um ciclo de exposições bienais sobre design, sempre no MAM-Rio, composta por três edições, que obtém razoável repercussão junto ao público em geral.

Já nos anos 1980, o Espaço Sergio Porto, vinculado ao governo municipal da cidade, promove sucessivas exposições de designers, com repercussão mais restrita junto aos profissionais da área. No mesmo período, o Centro Cultural do Banco do Brasil promove uma exposição sobre design gráfico, à qual outras seguirão mais adiante.

Embora o espírito associativo nunca tenha sido muito constante na área do design, cabe registrar algumas iniciativas de criação de associações profissionais em terras cariocas, ora com propósito de representação profissional local em busca de espaço político, ora como representação regional de entidades sediadas em São Paulo. Hoje inexistentes, o reflexo de sua atuação nunca alcançou grande repercussão pública. O mesmo se deu com a tentativa de criação de outra natureza de instituições coletivas, também sem grande alcance nos meios de comunicação.

No decorrer das duas últimas décadas, estabeleceu-se, sob o patrocínio da Prefeitura do Rio de Janeiro, apoiadas pela Escola Superior de Desenho Industrial, duas edições de um certo tipo de premiação empresarial, quando se buscava dar visibilidade à questão do projeto de design incorporado a estratégias competitivas na condução de negócios de toda natureza.

Mais recentemente, algumas manifestações programáticas junto a área foram concatenadas pelo Governo do Estado, pelo Governo Municipal, a Firjan, o Sebrae e o BNDES.

Resultado dessas múltiplas ações, o potencial da atividade de design junto a problemas de natureza privada e pública ainda não constitui efetivamente uma postura cultural entranhada em nossa prática cotidiana.

No entanto, a proliferação de cursos técnicos, de graduação universitária e pós-graduação no Rio de Janeiro relacionados ao campo, associado a uma circulação cada vez mais intensa do conceito de design em inúmeras frentes, parte em função da mídia impressa e televisiva, parte em função da internet, veio a provocar uma importante difusão da sua prática.

Ainda assim, por mais que se tenha ampliado o mercado de trabalho do design, a sociedade carece de maior explicitação sobre seu significado.

 

Condições para uma política de Estado: atribuições e responsabilidades

Ao Estado cabe dirimir, pela observação cuidadosa e regulação, os possíveis efeitos nocivos promovidos pela sempre intensa atividade dos agentes econômicos e culturais em meio à dinâmica social e econômica. Para isso acontecer em relação ao design, a atividade de projeto frente aos problemas coletivos merece atenção especial, dado que o dinamismo da economia impõe ritmo próprio às possíveis conquistas por maior reconhecimento do significado de design.

Retomemos aqui o início deste texto. Sentido de racionalidade, condução estética, ordenação da informação pública, estes são atributos desejáveis à prática do design para o atendimento de grandes contingentes populacionais.

Neste sentido, cabe discernir aqui entre a prática criativa individual, em lato senso, daquela que busca um entendimento que dê conta da complexidade das questões que se impõem em nosso estado. Questões estas relativas a problemas contínuos de desinformação nas áreas da saúde, do transporte, da educação, sejam estas em qualquer nível, ou da natureza dos espaços e equipamentos públicos por todo o estado, no agenciamento na urbanização, dos serviços públicos, entre diversas outras situações relevantes.

A prática criativa individual, por outro lado, merece ser pensada como catalisadora de processos de produção e, neste sentido, deve ser considerada como objeto de programas de apoio à produção, originários de fontes diversas, tanto do poder público como da iniciativa privada.

Em busca de um atendimento amplo às circunstâncias diversas da produção de design, a organização de uma política em três fases de planejamento pode alcançar resultados ainda não conquistados por esta área de atividade e conhecimento que tanto permeia a vida social.

Assim, de modo a atender aspectos tanto relacionados às coletividades quanto ao esforço por produção e circulação de mercadorias e serviços, tanto ao público quanto ao privado, este documento traça a seguir alguns encaminhamentos básicos que possam servir de diretrizes para uma política estadual de design, enquanto promotora de um atributo da cultura. Na sequência, apresenta estratégias, ou seja, abriga linhas gerais de ação, e chega ao ponto de sugerir ações e projetos concretos e pontuais a serem desenvolvidos.

O ordenamento para a implementação das ações descritas adiante é, naturalmente, de ordem política, assim como a sua operacionalização. Entende-se, no entanto, que tamanha concentração de esforços mereça uma coordenação. Assim, uma sugestão para um modus operandi estará contemplada a seguir.

 

Diretrizes

1. Promover a ideia de design como atributo civilizatório, visando contribuir para a formação de uma cultura valorizadora da noção de projeto.

Design, ou Projeto, implica racionalidade. Implica a investigação sistemática sobre a natureza dos problemas a se enfrentar, verificando suas interações possíveis no tempo imediato e no plano da sua realização futura. Por mais que existam problemas complexos, e que estes sejam efetivamente difíceis de abordar em toda sua completude (6), o esforço projetivo deve ter uma ênfase em suas fases de diagnóstico e definição de possíveis encaminhamentos para sua solução.

A sociedade brasileira tem dificuldades em se apropriar de modo mais consequente desta ideia. A premência por soluções constantemente atravessa o processo cumulativo do conhecimento acerca das variáveis dos problemas. Portanto, essa é tarefa a ser conduzida tanto pelos organismos de Estado, quanto pelos atores da cena social e produtiva brasileira. Para tanto, se faz necessário uma sinalização constante para o significado desta apropriação de conhecimento.

2. Debater, sistematizar e divulgar uma perspectiva de design compatível com a diversidade social e econômica presente no Estado do Rio de Janeiro.

Sobressai, em uma primeira dimensão, a questão coletiva como foco. Em uma segunda, a questão da qualidade no campo do design. Em uma terceira, ainda, se manifesta a diversidade possível das ações de design, considerando-se seu desdobramento contemporâneo.

Controversas e paradoxais, por muitas vezes na história das cidades, condutas autoritárias foram responsáveis pela definição de critérios daquilo a se preservar ou do como construir. Assim o foi na renovação urbana de Paris conduzida pelo Barão Haussmann no século 19, que permitiu que a cidade chegasse aos dias de hoje do modo como é, com válidas recomendações para a instalação de comércio, assim como de um estilo homogêneo de arquitetura, entre outras tantas. Do mesmo modo foi a reforma conduzida pelo engenheiro Pereira Passos no início do século 20 na cidade do Rio de Janeiro, ou ainda, a aventura do planejador Robert Moses na cidade de Nova York, que por quase 40 anos regeu sobre a cidade, definindo padrões que viriam a se firmar por todo os Estados Unidos. Exemplos de uma prática inadmissível em pleno jogo democrático, quando diferentes segmentos sociais demandam lugar por solução de problemas urbanos, e por expressão econômica e cultural, há que se buscar critérios em que se basear para definir ações de design em sua manifestação pública pelas ruas das cidades.

Por assim dizer, do asfalto aos morros, em toda cidade do estado, se manifestam problemas passíveis de análise criteriosa sob o ponto de vista de um design simultaneamente planejador, junto a outras atividades de planejamento, e projetista, responsável pela definição de características objetivas de intervenção dizendo respeito a equipamentos urbanos, informação, definição de serviços, entre outros tantos tópicos.

Apresentar modelagens de soluções, trazer ao debate público, são ações culturais plenas, porque tanto encaminham interpretações de problemas visando sua solução quanto tornam pública a noção de planejamento, através de um chamamento por co-participação.

3. Identificar e co-participar de ações que demandem design no âmbito das ações de governo pelo estado do Rio de Janeiro, com o sentido de aperfeiçoamento da gestão pública.

Muito embora a gestão das cidades esteja primeiramente afeita à autoridade municipal, é de direito do Governo Estadual a definição, para fins de planejamento, de regiões metropolitanas, de aglomerações urbanas e ainda de microrregiões. Por sua natureza intrínseca, cabe ao Governo do Estado a integração de políticas. Por outro lado, a gestão democrática das cidades impõe a discussão de critérios aos quais a autoridade municipal, zeladora que deve ser do patrimônio coletivo, ou seja, a rua, os ambientes públicos e todos os demais equipamentos com que a sociedade se relaciona em seu cotidiano, não pode se furtar de exercer.

Nesse âmbito, toda ação de governo, assim como toda a vida cotidiana de seus cidadãos, é potencialmente passível de abordagens várias sob o ponto de vista do design. Do projeto da papelaria burocrática à informação organizada que possa demonstrar ações de governo; da escolha disciplinada dos modos de conferir função a imóveis na administração pública à manifestação da informação necessária à população no plano da gestão de saúde, dos transportes, do trânsito; da visualidade das ruas e seus letreiros, regidos por posturas municipais, às intervenções pontuais de ações de governo. Todas estas são ações que demandam um olhar sistemático de design e planejamento.

O desenvolvimento de ações coordenadas de projeto visando o bem comum poderá impactar tanto a administração pública quanto à visualidade das cidades, resultando em contribuição ímpar para o desenvolvimento da marca do Estado.

As ações de planejamento urbano levadas a cabo ao longo do século passado na cidade do Rio de Janeiro pouco reverberaram em outras cidades do estado. Dentre essas últimas, estão as intervenções que implantaram equipamentos urbanos dotados de design de qualidade e adequadas às peculiaridades da gestão pública, e ainda aquelas que enfrentaram problemas na escala de maior proximidade com o público, onde a relação entre design e usuário se manifesta com maior ênfase, a partir das praias da cidade do Rio de Janeiro. Estas encontraram razão de ser em sua replicação por outras cidades do litoral do estado.

Há que se entender que estas não devem ser ações tópicas, mas permanentes, onde as escolhas por empreender não se devam dar exclusivamente por critérios financeiros, mas na sua articulação com a qualidade desejável quanto à comunicação de certa imagem. Por ser o bem estar coletivo o que deve ser colocado em pauta, há que se propor uma constante presença da ideia de design junto ao planejamento de equipamentos para o estado. E conduzir qualquer dessas ações de modo a se estabelecer como política de Estado, não como conquista circunstancial de poder político de algum indivíduo. Para tanto, a conjugação entre poder público e poderes privados, por meio da representação organizada de segmentos sociais, se faz importante e decisiva.

4. Incorporar a ideia de design às atividades de indução econômica por parte do Governo do Estado do Rio de Janeiro.

Toda ação de governo voltada à indução da atividade econômica demanda, naturalmente, planejamento e ação política. O design, como ato primordial de inteligência, como o meio pelo qual nós, humanos, elaboramos projetos para moldar o mundo segundo nossos anseios, é inerente a este processo.

No entanto, essa definição se dá em termos razoavelmente vagos, até mesmo filosóficos. Importa aqui considerar os aspectos que configuram as concretas relações mantidas entre humanos, entre seres humanos e seus objetos ou, ainda, entre humanos e as coisas construídas. É nessas interfaces que o design pode vir a se manifestar consistentemente, buscando dar-lhes forma e justificativa segundo aspectos funcionais, tecnológicos, culturais e econômicos. Toda interface entre humanos e objetos demanda a consciência de projeto — desde a modelagem de soluções à simples e efetiva apresentação de projetos às comunidades envolvidas, do detalhamento de espaços públicos às informações que devam circular a respeito de projetos e da ação governamental.

Assim, deve-se considerar como o design pode ser efetivamente utilizado em fases anteriores ao processamento efetivo das ações de governo. Indicações claras a respeito de qualidade de projeto, seja pelo seu componente estético seja por seu programa funcional, devem estar presentes na administração pública.

Esta diretriz propõe um processo contínuo de internalização conceitual, de promoção sistemática do reconhecimento do projeto como algo fundamental. Em sentido contrário à prática da improvisação que tanto caracteriza nossa cultura. E que seja compreendido em sua dimensão estética, na medida em que tudo o que se realiza no mundo afeta as pessoas, induzindo a hábitos e costumes. Aceitar a ideia de design não significa definir um único padrão estético mas, sobretudo, defender que o tema da funcionalidade associada à estética deva se fazer presente na condução dos negócios frente à dinâmica da sociedade.

Dada esta natureza que permeia de tal modo a atividade humana, para o estabelecimento de uma cultura que reconheça o valor do design como componente o mais visível indicador de civilidade, cabe estabelecer como fundamento a necessidade de sua presença, ao menos enquanto disciplina, no planejamento de toda natureza, sobretudo naqueles que impactam diretamente a atividade econômica.

 

Estratégias

1. Reconhecer e identificar agentes envolvidos na promoção de design com o sentido de compatibilizar diretrizes e potencializar o esforço de execução.

Neste exato momento, existe um somatório de agentes em ação no Rio de Janeiro. No entanto, aqui não se busca realizar avaliações ou discutir resultados, mas sim potencializar essas e outras ações, através da definição do que cabe a uma política de Estado. Entre outros tantos, com diferentes papéis e funções, estão atuantes as seguintes instituições, em uma primeira avaliação:

Associação de Joalheiros e Relojoeiros do Estado do Rio de Janeiro, AJORIO;

Federação de Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, FIRJAN; Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresa, SEBRAE;

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, BNDES;

Escola Superior de Desenho Industrial, ESDI/UERJ;

Instituto Nacional de Tecnologia INT/ MCT; Pontifícia Universidade Católica – PUC-Rio; Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro; Governo do Estado do Rio de Janeiro.

Qual o seu papel individual, qual seu propósito frente a uma política de Estado que se pretenda transformadora de uma realidade sócio-cultural? Estas são perguntas a serem respondidas em prol do desenvolvimento econômico e social do Estado do Rio de Janeiro, na perspectiva da manifestação do design como representativo de uma determinada cultura.

2. Reconhecer, localizar e identificar espaços e instituições existentes, para ações co-ideadas e co-patrocinadas pelo Governo do Estado.

Museus e espaços culturais existem em grande presença pelo Rio de Janeiro afora, utilizá-los é questão de adequação e proposição. Os agentes sociais responsáveis por manifestações culturais já se valem de recursos provenientes da renúncia fiscal por parte do Município, do Estado e da União. Para garantir maior clareza e visibilidade ao propósito do Estado em proporcionar condições para o estabelecimento de uma cultura significativamente associada ao design, cabe ao Estado propor e aceitar parcerias pontuais e/ou sistemáticas com o equipamento cultural presente no estado. Ou seja, estabelecer a utilização dos recursos existentes como estratégia de ação.

3. Disseminar a ideia de projeto racional, complexo e criativo — propriedades do design — pela estrutura operacional da gestão pública e por diferentes segmentos sociais.

Noções comuns como indicadores sociais e econômicos ou políticas de gestão pública, por serem razoavelmente novas entre nós brasileiros, não devem ser naturalizadas. O processo de naturalização desses conceitos operativos, ou seja, acreditar que sempre por aí estiveram, impede seu próprio aperfeiçoamento.

A ideia de projeto racional, que não reduz a platitudes a natureza dos problemas, que exige modos e formas criativas de abordagem é algo a ser pontuado no discurso público e constantemente avaliado, com o sentido de conferir sua devida importância em todos os ambientes de circulação de ideias.

4. Potencializar a exemplaridade de projetos de design, propagar informações e ideias, tendo por meta a constante melhoria da qualidade do espaço público urbano.

Algumas situações exemplares quanto ao projeto, fruto tanto da iniciativa empreendedora de projetadores no campo do design — no campo da produção de objetos, da prestação de serviços, e na produção de visualidade — quanto da iniciativa pública estatal, merecem maior presença na divulgação dos valores do Estado em relação à sua imagem. A divulgação dessa exemplaridade deve realçar a qualidade projetiva de suas ações como aspectos de excelência.

5. Estabelecer instâncias de decisão, no âmbito da sua estrutura administrativa, para tornar visível e operacional o apoio do Estado à ideia de design.

A montagem de grupos com fins específicos, em ágil estrutura, ligados a determinadas instâncias do Poder Executivo do Estado, podem auxiliar, em muito, a elaboração de diagnósticos que venham traçar programas de intervenção do design na busca por soluções em diferentes regiões do estado.

6. Apoiar, co-patrocinar e promover eventos internacionais e nacionais de design no estado.

Eventos como semanas de design, exposições, congressos de toda sorte ou projetos como a World Design Capital servem para alavancar os negócios e a produção de conhecimento na área. No entanto, maior é seu papel de conscientização junto a diferentes camadas da população. Neste sentido, fundamental à valorização institucional de um programa de design para o Estado, cabe viabilizar um compromisso de apoio a essa natureza tão variada de eventos.

 

Ações e atividades

1. Difusão de conceitos pela administração pública do Estado do Rio de Janeiro.

1.A  Programa de informação sobre a compra de serviços de design.

Algo a ser dimensionado quanto à informação do comprador de design. Tanto o potencial como os modos do fazer design implicam modos e tempos de contratação. A muitos órgãos da administração pública o design se assemelha a um artigo de luxo, e não é percebido como possível componente estrutural na execução de suas competências. Cabe desenvolver um plano sistemático para fornecer subsídios sobre como formular a compra de serviços nesta área.

Entre esses serviços, primordialmente se encontra a tarefa de incorporar ideias de design — racionalidade, planejamento funcional, aspecto estético, adequação de linguagem e forma — a decisões que digam respeito à visualidade do contato do poder público com as populações pelas cidades do estado. Ainda que essa visualidade seja normatizada por posturas que ocorrem no âmbito das administrações municipais, o Governo do Estado pode se incorporar à defesa da qualidade, não somente estética, mas também funcional, das cidades, o que concorre tanto para sua melhor presença como para sua maior valorização.

1.B  Programa de difusão do conceito de design de serviços.

A compreensão das ações públicas como serviço junto aos variados segmentos populacionais implica sua sujeição ao conhecimento específico do design de serviços. O reconhecimento de que serviços e experiências são processo e resultado a serem abordados através do projeto veio a constituir o campo do design de serviços. Este, incorporado à prática da administração pública junto à população, traz ao centro da gestão de informação e da prestação dos serviços públicos a unidade básica da prática democrática — a cidadania, onde se revelam direitos e deveres. Tornar visualizável o destino de impostos, tornar efetiva a comunicação acerca de serviços de saúde ou de abastecimento de água, por exemplo, melhor explicitar os caminhos burocráticos para a obtenção de documentos, todas essas ações podem ser abordadas pelo viés do design de serviços. Daí ser necessária a sua divulgação sistemática pelos órgãos da administração do Estado.

2. Design como instrumentação para serviços públicos.

Aqui estão listados vários campos de ação onde se faz presente uma ação projetiva consistente que auxilie na viabilização de resultados mais efetivos da ação estatal. Para melhor configurar uma possível operacionalização desta proposta, sugere-se aqui a constituição de um núcleo de coordenação de atividades de diagnóstico, etapa fundamental a uma prática projetiva consistente. A operação pode se dar de modo razoavelmente ágil, pela contratação de serviços de diagnose por equipes multidisciplinares de rápida ação. Assim, lista-se a seguir, certamente de modo incompleto, os campos diversos sujeitos a uma ação de design.

2.A  Design para a saúde.

Tornar toda a oferta de serviços mais visualizável pela população, trazer à população informações sobre cuidados básicos com a saúde. Trata-se da gestão da informação a ser processada em sistema que incorpore múltiplas plataformas.

2.B  Design para a educação / educação para o design.

Em um sentido, os espaços relacionados à educação merecem atenção especial, assim como o projeto adequado de seu mobiliário, ou das especificações para equipamentos escolares. Em outro, inúmeras ações conduzidas em outros países vieram a incorporar o sentido do design como temática para a formação da juventude. Planos assemelhados podem desempenhar significativo papel na formação de uma cultura que privilegie a ideia de racionalidade e valor estético no desenvolvimento de projetos.

2.C  Design para o sistema penal.

Estudos a respeito de arquitetura e design para o sistema penal se fazem mais que urgentes. Embora existentes, as normas do Governo Federal são razoavelmente vagas a respeito da relação imediata entre usuários do sistema e ambiente. Por outro lado, há uma grande carência de profissionais especializados para o trato dessas questões. Organizá-las e promover investigação a respeito deve ser considerado.

2.D  Design promotor da conexão direta entre produtor e consumidor.

A criação e desenvolvimento de soluções para uma melhor conexão entre produtor e consumidor de produtos perecíveis potencializa a troca econômica e promove a qualidade da vida. Inúmeras ações onde convergem poder público e iniciativa privada podem aqui ser desenvolvidas com bons resultados.

2.E  Design para a regulamentação de posturas municipais.

As tecnologias de impressão introduzidas ao longo dos últimos 20 anos afetaram consideravelmente a imagem das nossas cidades. Letreiros com dimensões discutíveis, conspurcadores do valor arquitetônico, elemento central da identidade das cidades, transformaram-se nas peças mais visíveis na paisagem urbana. Demanda-se intenso e urgente trabalho de reordenação das posturas municipais quanto à visualidade urbana. Para tanto, cabe ao Governo do Estado, na condição de agenciador de regiões metropolitanas, de aglomerações urbanas e ainda de microrregiões, promover e apontar exemplaridades na busca por uma melhor caracterização do ambiente construído por todo o estado.

2.F  Design e lazer.

O projeto de equipamentos urbanos e o agenciamento de áreas para o uso público pelas populações é, há tempos, objeto de ação da arquitetura e do design. Ainda assim, são raras as intervenções públicas que resultam na oferta de bons resultados neste âmbito, a seus cidadãos de toda classe social. Aqui, dada a diversidade social das cidades do estado, o problema se reveste de uma importância indiscutível quanto à promoção do bem-estar social. Identificar situações, promover a sistematização de soluções ainda que adaptáveis às circunstâncias específicas de cada situação são atividades próprias do design e passíveis de condução de modo sistemático por parte do Governo do Estado.

2.G  Design e turismo.

Dadas as características geográficas do estado, o turismo ainda tem potencial extraordinário. Quais as medidas em que ações de design possam ser consideradas frente ao setor? Papel coadjuvante na promoção do turismo desempenham restaurantes, parques, elementos de informação em multiplataformas, enfim, uma miríade de elementos totalmente projetáveis em uma dimensão muito variada de temas — arquitetura, design de interiores, design de informação, sistemas de orientação, entre tantos outros. Neste âmbito, o papel do Governo do Estado é, entre outros, o de estabelecer regulações, fiscalizar, promover exemplaridade, coordenar e induzir.

3. Formação de mão de obra e infraestrutura para a produção.

3.A  Formação de infraestrutura e mão-de-obra para a produção baseada em ofícios artesanais.

Por muito tempo, o design foi exclusivamente associado à produção em série e à grande escala. No entanto, há algum tempo as relações entre design e a pequena produção — a pequena série — vem se firmando como genuíno modo de empreender. Nessa escala de produção, torna-se mais do que necessário recompor o cenário produtivo do estado com profissionais altamente habilitados ao desempenho de atividades artesanais complexas.

Há que se pensar em oportunidades para o desenvolvimento dessa mão-de-obra altamente qualificada no desempenho de funções que, ao longo do tempo, foram relegadas a outros planos, entrando em processo de decadência. Pelo continente europeu ou por outras unidades político-administrativas brasileiras é a persistência de conhecimento desta natureza — serralheria, marcenaria, fabricação de vidro artesanal, entre tantas outras— que garante a possibilidade de produção para um sem-número de designers/projetistas. Agregue-se aqui, naturalmente, o vital conceito de digital craftsmanship, também a ser contemplado.

Organizar incubadoras para o desenvolvimento de oficinas de excelência poderá ser ação com profícuo resultado frente a necessidades de produção em pequenas séries.

3.B  Integração e sistematização da oferta de apoio financeiro e técnico às atividades produtivas.

Neste caso, cabe ao Governo de Estado apoiar ou diretamente articular informação no sentido de integrar e sistematizar a oferta das organizações que possam apoiar e promover uma maior interação entre designers, instituições de ensino e o mercado.

3.C  Sistematização contínua de dados a respeito da oferta e da demanda por serviços de design.

Apoiar iniciativas e pesquisas com o sentido de dimensionar a atividade e seus resultados no estado do Rio de Janeiro. Para tanto, linhas de ação de financiamento via Faperj podem vir a ser acionadas, somando-se a outras iniciativas já existentes na instituição.

4. Eventos

4.1 Design e grandes eventos realizados no estado do Rio de Janeiro

O Rio de Janeiro tem perdido oportunidades excepcionais para uma plena demonstração da capacidade inventiva no terreno do projeto de design.

Grandes eventos podem, e devem, se manifestar visualmente em inúmeras frentes. Bom exemplo de uma abordagem de design a grandes eventos se deu na cidade de Sidney, por ocasião das Olimpíadas de 2000, quando uma coordenada ação de projeto demonstrou, com objetividade, uma alta capacitação projetiva associada a questões da sustentabilidade — o programa de design se estendeu de uma extensa comunicação visual pelas ruas da cidade ao desenho de postes totalmente autônomos na captação de energia e oferta de uma singular iluminação junto aos estádios. Deste modo, projeto e produção foram acionados para transmitir ao mundo uma inequívoca competência quanto à capacidade australiana de projetar seu próprio futuro.

O Rio de Janeiro, como um todo, deve buscar semelhante atitude. Tornar visível nossa face de competência projetiva.

4.2 Criação de grupo executivo para formatar proposição do Rio de Janeiro como World Design Capital

Criar um grupo executivo de ação que possa elaborar um plano para a conquista de motivos para se celebrar o Rio de Janeiro como World Design Capital e se habilitar, não somente por sua poderosa característica paisagística e natural, mas sobretudo, pela possível associação entre natureza e projeto, que só aqui poderá se dar com muita singularidade.

4.3 Premiações

Uma das maneiras mais diretas de promover e incentivar a prática do design e o reconhecimento que se lhe possa dar como um componente cultural é o apoio constante a certames nacionais e à participação em competições no âmbito internacional. Deve-se buscar transformar essas ocasiões em ocasiões que venham a garantir maior visibilidade à produção de design no Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro, 8 de maio de 2013.

 

João de Souza Leite é designer (ESDI) com pós-graduação em ciências sociais (DSc./ PPCIS, UERJ) e comunicação e cultura (MSc./ ECO, UFRJ). Trabalhou com Aloisio Magalhães – do design à gestão política da cultura. Tem se dedicado ao estudo e documentação da sua obra, assim como a estudos sobre design e sociedade. Premiado pelo Museu da Casa Brasileira (2003 e 2004) é professor-adjunto da Escola Superior de Desenho Industrial (UERJ) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio).

 

Notas

(1) Enunciado proferido pelo matemático Horst Rittel em aula para seu curso Architecture 130, Introduction to Design Theories and Methods, no Departamento de Arquitetura na Universidade da Califórnia, Berkeley, em 1968.  

(2) “Design is a creative activity whose aim is to establish the multi-faceted qualities of objects, processes, services and their systems in whole life cycles. Therefore, design is the central factor of innovative humanisation of technologies and the crucial factor of cultural and economic exchange. Design concerns products, services and systems conceived with tools, organisations and logic introduced by industrialisation - not just when produced by serial processes. The adjective "industrial" put to design must be related to the term industry or in its meaning of sector of production or in its ancient meaning of "industrious activity". Thus, design is an activity involving a wide spectrum of professions in which products, services, graphics, interiors and architecture all take part. Together, these activities should further enhance - in a choral way with other related professions - the value of life.”

ICSID, INTERNATIONAL COUNCIL OF SOCIETIES OF INDUSTRIAL DESIGN. (http://www.icsid.org/about/about/articles31.htm)

(3) “Communication design is an intellectual, technical and creative activity concerned not simply with the production of images but with the analysis, organisation and methods of presentation of visual solutions to communication problems.” ICOGRADA, INTERNATIONAL COUNCIL OF GRAPHIC DESIGN ASSOCIATIONS (http://www.icograda.org/about/about/articles836.htm).

(4) Definition of a professional Interior Architect/Designer Qualified by education, experience and applied skills, the professional Interior Architect/Designer accepts the responsibilities to identify, research and creatively solve problems pertaining to the function and quality of the interior environment; (...) and to prepare schematics, drawings and documents relating to the design of interior space, in order to enhance the quality of life and protect the health, safety, welfare and environment of the public. IFI, INTERNATIONAL FEDERATION OF INTERIOR ARCHITECTS/DESIGNERS (http://www.ifiworld.org/#Definition_of_an_IA/D)

(5) O economista e sociólogo Herbert Simon, ganhador do Nobel de Economia em 1987, defende esta ideia em seu livro The sciences of the artificial.

(6) Utiliza-se aqui a noção de “wicked problems”, ou problemas capciosos, tal como enunciada em 1973 por Horst Rittel, matemático de origem e praticamente o criador da disciplina “Design Science” na Universidade da California em Berkeley, onde sustentava as ideias de planejamento e elaboração de políticas como integrantes do campo do design. Anteriormente, Rittel integrou, como docente, a escola de design sediada em Ulm, Alemanha.

 

* O documento aqui reproduzido foi extraído da página do Plano Estadual de Cultura do Rio de Janeiro (http://www.cultura.rj.gov.br/projeto/plano-estadual-de-cultura). Encomendado pelo Grupo de Planejamento Setorial de Design, criado pela Secretaria Estadual de Cultura em 30 de outubro de 2012, o texto tem por objetivo estimular o debate sobre as políticas públicas para esse setor. Agradecemos ao autor a autorização para reprodução de seu texto na Agitprop.

 


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