Ano: V Número: 54
ISSN: 1985-005X
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Lina Bo Bardi e o móvel: o encontro do moderno e do vernáculo (segunda parte)
Cristina Ortega

Cunhando ideias... a trava do carro de bois

 

Meu carro de boi cantava nas quebradas do sertão

(...)

Cheda, mesa, tamoeiro,
são peças que têm no carro,
chumaço, junta, pigarro,
chavelha, camba, fueiro,
eixo e no lado traseiro,
caniços e argolão,
na roda, pino, meão,
na borda, o ferro cercava.
Meu carro de boi cantava
nas quebradas do sertão.

(...)

José Aires de Oliveira e José de Sousa Dantas

 

A musicalidade resultante do atrito do chumaço (1) com o eixo é uma característica específica de cada carro-de-bois. Com uma afinação inconfundível se faz ouvir um ritmo único, peculiar, que permite a grandes distâncias, discernir a direção, o peso da carga e a identidade do proprietário de cada carro-de-bois. Esta cantoria, que encanta os autores da literatura de cordel transcrita no início deste texto(2), pode ter também fascinado Lina Bo Bardi, sempre inclinada à cultura popular.

Imortalizado nas pinturas de Frans Post e Jean-Baptiste Debret, o simples carro-de-bois sulcou duas linhas paralelas no solo virgem brasileiro, que traçaram parte da história do povoamento e da agricultura com suas pesadas e maciças rodas, presas às pontas do eixo com cunhas.

Principalmente no Brasil Colônia e Império, o carro-de-bois foi o instrumento utilizado no transporte e no trato da terra agrícola. Ele foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento rural do Brasil.

Introduzido pelos colonizadores portugueses, o carro-de-bois difundiu-se por todo o país, existindo ainda no meio rural nordestino. Porém, o processo construtivo feito com grande esmero pelos mestres no passado, não tem sucessores, parece ter-se perdido com o passar do tempo.

O êxito na construção simples do carro-de-bois dependia do emprego das madeiras utilizadas para cada peça. Os bons mestres na execução deste veículo escolhiam as árvores e a época de derrubada destas, além de cuidar minuciosamente dos trabalhos de serraria e de forjamento das ferragens. O processo de construção era artesanal e cada mestre imprimia seu caráter, apesar de todos os carros se assemelharem.

E o bom resultado para que estes pudessem se movimentar dependia das travas ou cunhas que fixam as duas rodas às espigas ou extremidades do eixo, onde as rodas eram colocadas. Estas pontas de eixo se convertiam em forma tronco-piramidal para travar as rodas que também tinham orifícios no mesmo formato. Nas pontas de eixo que sobressaiam das rodas existia um furo próprio para a instalação da trava, furo e trava, também tronco-piramidais.

Estes dois últimos componentes, trava e ponta de eixo perfurada, são os que nos interessam nesta pesquisa, pois foram os elementos incorporados por Lina em seus móveis e arquitetura.

Os assentos foram os primeiros a incorporar estas cunhas de travamento. O Studio Palma adotou estas peças em cedro para unir as travessas horizontais à estrutura das cadeiras.

A simplicidade na execução destas cadeiras foi estabelecida através das linhas modernas e pela utilização destas peças de encaixe resgatadas de técnicas rústicas populares.

Lina Bo Bardi e Giancarlo Palanti não descuidaram da associação às questões culturais populares, ao criar o mobiliário para o Studio Palma, o que diferenciou sua proposta dos móveis produzidos na Europa e nos Estados Unidos.

Porém, Lina ultrapassou os limites do design de mobiliário com estas peças de travamento como componentes dos pilares da Casa de Valéria Cirell (1958) e da escadaria do Solar do Unhão (1959). Ou seja, o sistema de encaixe utilizado popularmente em carro-de-bois, foi proposto entre 1948 e 1950 em assentos do Studio Palma e adaptado à arquitetura, alguns anos mais tarde.

Na estrutura da residência de Valéria Cirell foi identificado o travamento proposto numa aquarela produzida por Lina, no croqui do detalhe da peça na estrutura e em fotos da época. Porém, estas peças não estão mais presentes na moradia (3).

A escada do Solar do Unhão, projetada por Lina Bo Bardi totalmente em madeira em 1959, também utiliza estes elementos como travamento de cada degrau às vigas inclinadas que por sua vez descarregam o peso nos pilares. O que confere à escadaria um espírito vernacular é justamente a disposição destas cunhas utilizadas pelos primeiros colonos no Brasil para o transporte de mercadorias.

Também na proposta de assentos para o auditório do Masp, à Avenida Paulista, foi incorporado um encaixe com trava e cunha para fixar a peça que suporta o assento.

 

 

Cantù acocorado

E o arrieiro dono da tropa – que era o de cara redonda e pra clara – me fez uma interrogação. Não estive em boas cócoras. Construí de desconfiar.

 João Guimarães Rosa

 

O costume ainda típico do brasileiro em meados do século XX foi imortalizado por diversos autores, como se observa na reflexão “não estive em boas cócoras” do personagem Riobaldo, em Grande sertão: veredas de Guimarães Rosa [2007: 137]. Foi a partir desta atitude, que Lina Bo Bardi projetou uma série de móveis para o concurso de Cantù.

A cidade italiana de Cantù foi conhecida como centro de grande habilidade entre os marceneiros e artesãos, contudo, segundo artigo da revista Habitat, imperava o “mau gosto”. Porém, logo após a Segunda Guerra, liderados por Gio Ponti, alguns arquitetos e artistas italianos iniciaram um movimento para modernizar este centro artesanal, no intuito de transformar a mentalidade local, incorporando as formas modernas e as vantagens da indústria, sem perder a herança do artesanato local. Este grupo propôs, então, concursos e exposições internacionais em Cantù. [Bo Bardi: Habitat (46): 34, 1958].

Em consequência deste apelo, e situada na esteira de Gio Ponti, Lina se empenhou numa pesquisa sobre os costumes e móveis populares brasileiros, desenvolveu um projeto para uma mobília completa, participando, portanto, do concurso de Cantù de 1957.

Assim como a cadeira Preguiçosa de Lina e outras do Studio de Arte Palma (4), nesta proposta para Cantù, o costume de sentar em cócoras foi empregado e representado por meio de um banquinho – peça mais singela e de maior representatividade na utilização do universo popular brasileiro desenvolvida para o concurso em Cantù.

O hábito do ser humano de agachar-se sobre os tornozelos tem origem longínqua, pois é sabida a existência de registros rupestres neste sentido. Mesmo os índios brasileiros herdaram o hábito de seus ancestrais primitivos.

Alguns registros da pintura de Jean-Baptiste Debret do início do século XIX, também podem atestar sobre este mesmo costume entre os negros no Brasil (5).

Por outro lado, é interessante rememorar o significado deste termo ‘cócoras’ no contexto da obra de Monteiro Lobato:

Jeca Tatu passava os dias de cócoras, pitando enormes cigarrões de palha, sem ânimo de fazer coisa nenhuma. [...] E assim ia vivendo. [1951: 329]

Sob a perspectiva de um caboclo brasileiro, Lobato cria um personagem, que representava um perfil típico. Não há figura mais caricatural neste contexto, do que o Jeca Tatu. Enquanto o fato de “ser caboclo” orgulha “respeitáveis figurões”, na visão de Lobato, Jeca é um “urupê” que impede a marcha da civilização e da modernidade. É um sertanejo que vive alienado e de cócoras, “incapaz de evolução, impenetrável ao progresso”, sua inquietação é “espremer todas as consequências da lei do menor esforço”. O acontecimento importante era, “sem dúvida, votar no governo” [1994: 167-172].

 [Jeca] era fruto de um passado colonial que precisava ser superado e esquecido; Jeca representava a figura típica de um Brasil da “idade das trevas”, ou seja, um Brasil colonial que os modernistas queriam esquecer extinguindo todos os vestígios que o identificasse com esse período. Ele surgiu a partir do momento que se idealizou um Brasil Moderno, um Brasil que deveria redirecionar sua trajetória para o caminho da industrialização e da urbanização. [Carola, 2007, s/p]

Porém, descontando a caricatura exacerbada do Jeca de Lobato, a atitude de sentar-se de cócoras é inerente a nossa cultura ainda em meados do século XX. Tão peculiar nas pessoas simples nascidas neste solo, que despertou em Lina Bo Bardi a observância do modo de sentar ou descansar do povo:

Por circunstâncias ocasionais foram observados os caboclos brasileiros em lugar dos camponeses italianos ou franceses; o fato importante é a observação de uma posição cômoda e primitiva do corpo humano.[Habitat (46): 34, 1958]

Aqui encontramos uma contradição. A favor do moderno, Lobato criticou o passado colonial, que foi representado no texto do Jeca acocorado. Em contrapartida, Lina pretende despertar as cócoras e incorporar ao moderno este costume popular.

Todavia o banquinho para Cantù não apenas remeteu ao costume de acocorar-se. Ele tirou do olvido os inúmeros banquinhos baixos de autorias anônimas que salpicam por toda parte no Brasil, desde o período colonial. Provavelmente, o uso de assentos mais baixos vem de antigos afazeres domésticos ou do campo, como a prática da ordenha. Foi muito utilizado nas fazendas de café (6) e, como registrou Debret, nos trabalhos de engenho (7).

O projeto para o concurso de mobiliário para Cantù, de 1957, demonstrou a intenção de tornar possível um móvel que falasse a favor dos costumes locais – como o agachamento iniciado nesta terra pelos índios, copiado pelos caboclos e disseminado por todo o território.

Neste contexto, a referência ao ato de sentar de cócoras reportou-se a meados do século XX, período em que essa atitude ainda é muito corriqueira em todo o país, inclusive em São Paulo, que neste período cambiava um perfil provinciano por ares de cidade grande. Neste centro urbano que em pouco tempo viria a se tornar uma grande metrópole, podiam-se encontrar homens agachados sobre seus tornozelos que aguardavam trens, ônibus ou bondes nas estações e nos pontos. Era a típica posição de espera do homem simples, quando não havia assentos disponíveis.

Lina concebeu, portanto, um componente que possibilitou a criação de um banquinho baixo, peça mais representativa concebida para o concurso, sediado em Cantù – que, como destacou Lina, costumava valorizar a cultura local, por meio do artesanato. Conforme publicado em 1958:

O elemento "base" foi desenhado de acordo com as observações feitas com os caboclos do interior que ficam por horas a fio de cócoras; o corpo assume uma posição especial (este hábito vem dos índios), e o móvel que corresponde a esta posição é o banquinho, muito usado antigamente nas fazendas de café. Ao estudar a posição do corpo humano sentado no banquinho ou de cócoras, pode-se observar á relação entre a curva do corpo sentado e a curva inferior da perna correspondente ao joelho. Há única relação entre as duas curvas. [Habitat (46): 34, 1958]

A arquiteta propôs uma família de móveis, cujo elemento base possui um significado distinto inserido na cultura popular brasileira, neste caso, mais especificamente, na vernaculidade do móvel e do costume.

Segundo Lina, o intento foi alcançado com a utilização deste elemento básico, tornando possível a construção de um banquinho baixo, que, por sua vez, remeteu aos bancos das antigas fazendas e, ao mesmo tempo, fez referência a uma posição peculiar e corriqueira do brasileiro simples. A menção deste banquinho simples e artesanal aludiu, a estes móveis, as características formais dos antigos móveis populares e artesanais.

Lina entendeu que a variedade de móveis possíveis, a partir de um elemento predominante, podia camuflar a obviedade de sua industrialização, apesar da criação de móveis totalmente possíveis para a indústria, como se observa no cuidado com a repetição deste componente – em forma de bumerangue –, permitindo diversas composições e facilitando a serialização.

Esta foi a circunstância que inscreve este mobiliário no contexto moderno. Ou seja, a arquiteta se empenhou na difícil tarefa de projetar móveis que pudessem atender às expectativas da indústria moderna, mesmo sem evidenciar a produção serializada e, ao mesmo tempo, direcionados à funcionalidade requerida para um objeto moderno.

Assim, representando o Brasil em Cantù, este banco sobrepôs-se à obviedade industrial, com a finalidade de caracterizar os móveis como produtos de uma tradição local.

O elemento padrão, o bumerangue, assumiu função estrutural em diferentes tipos de móveis. Lina também projetou estes elementos em pranchas de compensado (2,20 m x 1,60 m), viabilizando o aproveitamento máximo do material para corte.

Esta morfologia de bumerangue foi um elemento já explorado no Studio Palma em diversos estudos e soluções. A matéria-prima para Cantù é a mesma, a madeira compensada,

cuja forma permite um desenho extremamente moderno que lembra as formas de pintura abstrata contemporânea, mas que dependem unicamente da função e não do capricho formal. Este tipo de estrutura volta ao estilo em que os elementos se repetem, como nos estilos do passado, com diferença, no entanto, de que o elemento repetido é agora ditado por uma exigência construtiva [Habitat (46): 35, 1958].

A partir deste princípio construtivo é proposta uma linha de móveis que poderiam ser executados industrialmente e que possibilitariam uma série de variantes a partir da padronização de elementos.

Lina Bo Bardi esclareceu nas pranchas apresentadas que a madeira compensada, lixada e encerada, foi escolhida por várias razões: resistência, economia, variedade de formas possíveis e simplicidade construtiva. As seguintes determinações foram propostas para o grupo de móveis: a fixação da estrutura seria através de parafusos, simplificando a montagem e a entrega dos móveis; a madeira deveria ser compensada natural encerada – não envernizada –; o acabamento do perfil de corte da madeira compensada teria duas alternativas – ao natural ou em laca colorida brilhante –; o sistema de molas chatas tipo No-Sag ou similar seria utilizado nas unidades estofadas, revestidas com esponja celular ou espuma de borracha e fixadas com ganchos; em alguns dos assentos receberiam uma camada de borracha diretamente sobre a madeira; as camas também seguiriam o sistema de molas No-Sag e o colchão teria molas espirais; a união de dois componentes de compensado seria feita por encaixe ou justaposição, quando justapostos com três elementos unidos seria utilizada uma peça “distancial”, constituída por um anel de madeira da mesma espessura que a madeira; a ferragem seria padronizada, desde que o design fosse conveniente (ou “decente”, como sugeriu Lina); o tingimento do compensado poderia ser efetuada, desde que fosse testada anteriormente, neste caso, após a tintura, a madeira poderia ser envernizada – lustrada – “a álcool”, os perfis podem ser laqueados [Habitat (46): 35-36, 1958].

Apesar do esforço de Lina ao conceituar a linha de elementos, os móveis propostos por Lina Bo Bardi não foram selecionados, o que leva a um desabafo nas páginas da Habitat:

Conhecendo os resultados deste concurso, o júri deve ter julgado esses desenhos como modestos e simples demais, quase lapalisseanos; Cantù preferiu construir móveis em que a soberbia ignorante é substituída por aquela inteligente e às vezes requintada do arquiteto, "pintor" ou "artista", e em que a evolução (no sentido do acrobata de circo) do mau gosto cede lugar àquela do inútil exibi­cionismo técnico, demonstração de um "romantismo" que se afasta sempre mais dos valores "populares" profun­damente vitais, dos quais o artesão italiano tem sido expressão mais direta.[Habitat (46): 34, 1958]

Este trecho de artigo, provavelmente escrito por Lina, culpa a falta de interesse do júri nos valores da cultura popular, que a própria Itália incorporou em Lina Bo Bardi, por meio de Gio Ponti.

Pode-se tirar mais alguma razão pela qual o júri preteriu o trabalho de Lina Bo Bardi, além da descrita no artigo, procuramos nas próprias pranchas, primorosamente apresentadas, uma justificativa.

Apesar de fazer parte do processo de criação de Lina Bo Bardi, a solução de pormenores durante a construção das obras ou na execução dos móveis, nestes ambientes apresentados para o concurso de Cantù, percebe-se o nível de detalhamento que ela proporcionou a alguns aspectos do projeto. Algumas especificações são de uma minúcia exagerada.

Neste contexto, podemos nos referir à extrema simplicidade e zelo ao detalhar suas propostas para a ambientação do dormitório – denominado cela – das freiras em São Francisco do Cerrado, onde é planejado um local para copo d’água à esquerda da cabeceira da cama (8).

Para o concurso, se por um lado ela propõe, desde a especificação técnica do tipo de molas dos colchões das camas (9 até a sugestão de uso da mesa de jantar como mesa de jogo (10); por outro lado, Cantù solicitara novas opções quanto ao desenho industrial, e a preocupação com o processo industrial não está tão expressa nas seis pranchas apresentadas, quanto alguns detalhes propostos, talvez dispensáveis, como os citados acima.

Lina Bo Bardi foi obstinada no uso do ‘elemento base’ neste mobiliário, o que causa sua aplicação de maneira pouco aconselhável, em alguns casos. Por exemplo, a utilização do ‘elemento base’ como estrutura do armário do dormitório, fez surtir dúvidas sobre a estabilidade deste móvel e a capacidade destes elementos ao sustentar um corpo de armário [Brosig, 1983: s/p]. Quiçá, seja nos momentos deste tipo de definição, que Lina sentiu a necessidade deste processo empírico, de decidir durante a execução do produto.

Obviamente, além de enfatizar a cultura local, nesta proposta existe uma clara defesa em prol do processo de industrialização e, não só é fundamentada considerando a ergonomia e o processo técnico-construtivo, como o emprego de um novo material para a época, a madeira compensada.

Está claro que os desenhos executados para um concurso passam por uma revisão apurada e um redesenho, caso o projeto fosse selecionado, pois muitos detalhes construtivos necessitam do diálogo com uma específica indústria que executa determinados produtos.

Porém, existem dois pontos significativos, o primeiro é concernente ao valor que Lina atribui às relações ergonômicas agregadas às circunstâncias culturais brasileiras. Ao criar uma peça a partir de um padrão local, ela resolve poeticamente o que reconhece como inserção de um atributo cultural indispensável ao caráter destes móveis. Decorrente do primeiro, o segundo ponto é a adequação ergonômica dos componentes, que se manifestam nestes móveis, visando o uso corriqueiro e universal, exceto pelo banquinho baixo derivado de costumes locais. E a única evidência cultural é a concepção deste banquinho. Na criação de peças utilizadas por outras culturas, existe a solicitação de um desenho universal. Lina faz uma referência sutil, reportando a um único objeto, um caráter cultural que dá origem a todas as outras peças.

E, se por um lado, algumas aplicações do ‘elemento padrão’ são negligenciadas e, possivelmente, algumas especificações técnicas tenham sido desconsideradas para a prática da serialização dos móveis (11); por outro lado, estas falhas ou omissões podem se dever, talvez, a um extravio da atenção de Lina na busca incansável pelo bem-estar humano, que, quiçá, a tenha feito mergulhar em divagações minuciosas sobre molas e colchões.

Em sua proposta para Cantù, apesar de parecer um caminho sinuoso, foi este o recurso utilizado por Lina que estabeleceu, não só padrões inerentes aos conceitos modernos, mas também uma poética, conferindo aos móveis um caráter local e distinguindo a simplicidade de um povo.

 

Cristina Ortega é arquiteta e urbanista pela Universidade Mackenzie, mestre em Estruturas Espaciais Urbanas e doutora em Design e Arquitetura pela FAUUSP. Atua há 10 anos como docente, ministrando disciplinas projetuais nas áreas de arquitetura e design, atualmente na Universidade Paulista.

 

 

Notas

(1) Regionalismo: Brasil. Chumaço: peça de madeira em que se movimenta o eixo do carro-de-bois, produzindo chiado característico. In: Houaiss, 2004: 707.

(2) OLIVEIRA, José Aires; DANTAS, José de Sousa. Meu carro de boi cantava nas quebradas do sertão. Literatura de Cordel. In: http://www.usinadeletras.com.br/ exibelotexto.php.  Acesso em: 20 mar 2008.

(3) Maria Luiza D’Orey Lacerda Soares adquiriu a casa de Valéria Cirell  nos anos 1970 e, segundo esta, nesta época já não existiam as cunhas de travamento na estrutura.

(4) Ver primeira parte deste artigo publicado em Ensaios da Agitprop – Revista Brasileira de Design, Ano 5, Número 53.

(5) Recentemente foi descoberto um caderno na França, cujas páginas desenhadas mostram um Debret muito atento ao aspecto social e aos costumes da terra, o que confere a estes desenhos um caráter etnológico de grande valor para o Brasil. Este caderno permaneceu esquecido por mais de um século, entre as prateleiras da Bibliothèque Nationale de Paris, até que foi redescoberto durante pesquisa feita sobre a Missão Francesa no Brasil, em 2003. Segundo Julio Bandeira, que publicou estas imagens do caderno de viagem de Debret, estes desenhos e aguadas inéditos foram feitos nas calçadas do Rio de Janeiro entre 1820 e 1831. BANDEIRA, Julio (texto e organização). Jean-Baptiste Debret – Caderno de viagem. Rio de Janeiro: Editora Sextante Artes, 2006.

(6) Cf. Artezanato [sic] industrial?Habitat (46): 34, São Paulo, jan./fev. 1958. A maioria do texto deste artigo da revista Habitat é transcrito das pranchas do projeto original de Cantù, escrito por Lina Bo Bardi em italiano.

(7) Inúmeros outros assentos baixos brasileiros de autoria anônima foram registrados durante exposições que trataram especificamente de assentos. Um dos eventos foi a exposição organizada por Lina  Bo Bardi e equipe no Sesc Fábrica Pompeia, que deu origem à publicação O DESIGN no Brasil – Catálogo da exposição no Centro de Lazer SESC Fábrica Pompeia. São Paulo: Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, 1982. Também outra exposição realizada no Museu da Casa Brasileira, que ficou registrada em CADEIRAS brasileiras. São Paulo: Museu da Casa Brasileira, 1995.

(8) No desenho proposto para a cela das freiras, Lina escreve: “buraco para copo de água etc” e com uma seta apontou para um nicho no fundo do armário ao lado da cama.

(9) “(...) a colcha é de cânhamo listrado azul e branco; a armação com molas é externamente revestida do mesmo tecido da colcha”. In:Artezanato (sic) industrial? Habitat (46): 43, São Paulo, jan./fev. 1958.

(10) “(...) as camas são formadas por uma armação com molas tipo No-Sag e um colchão com molas espirais; (...)”. Idem, p. 36. “Para este concurso foi estudado um tipo de mesa que, quando fechada, serve para jogo, e quando aberta, tem o dobro do comprimento”.Idemp. 40.

(11) Ocorreu que, a indústria de móveis no Brasil ainda estava engatinhando nesta época. Esta foi uma das primeiras tentativas de serializar os móveis industrialmente, malgrado Lina acreditar nas pequenas indústrias, que não desvirtuassem os valores populares do móvel. Apesar da experiência com o Studio Palma, que possuía um maquinário simples manufatureiro na empresa Paubra (Pau Brasil Ltda.), Lina Bo Bardi não tinha experiência com um maquinário mais aperfeiçoado para este fim, como já existiam na Europa e nos Estados Unidos.

 

Bibliografia

ANDRADE, Mário. Macunaíma- O herói sem nenhum caráter. Belo Horizonte: Livraria Garnier, 2004.

ARTEZANATO (sic) industrial?Habitat (46): 34-45, São Paulo, jan./fev. 1958.

BANDEIRA, Julio (texto e organização). Jean-Baptiste DebretCaderno de viagem. Rio de Janeiro: Editora Sextante Artes, 2006.

BROSIG, Percival. O mobiliário na habitação popular. São Paulo: FAUUSP, 1983. [Dissertação de mestrado].

CAROLA, Carlos Renato. Jeca Tatu e o processo civilizador da família rural brasileira. In: X Simpósio Internacional Processo Civilizador. Anais 8. Campinas, Unicamp,abr. 2007. Disponível em: <http://www.fef.unicamp.br/sipc/anais8>. Acesso em: 20 abr. 2008.

FERRAZ, Marcelo (Org.). Igreja Espírito Santo do Cerrado. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi e Lisboa: Editora Blau, 1999.

FERRAZ, Marcelo. Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, 1993.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Sales. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Objetiva, 2004.

LOBATO, José Bento Monteiro. Jeca Tatu. In: Obras completas de Monteiro Lobato. Vol 8. São Paulo: Editora Brasiliense, 1951.

__________. José Bento Monteiro. Urupês. São Paulo: Brasiliense, 1994.

OLIVEIRA, José Aires; DANTAS, José de Sousa. Meu carro de boi cantava nas quebradas do sertão. Literatura de Cordel. In: http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php. Acesso em: 20 mar 2008.

ORTEGA, Cristina Garcia. Lina Bo Bardi: móveis e interiores (1947-1968) – interlocuções entre moderno e local. São Paulo, Tese de doutorado, FAUUSP, 2008.

ROSA, João Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

 


Comentários

Cristina Ortega
10/02/2014

Caro Abel, em breve será publicado o terceiro e último ensaio sobre a sustentabilidde cultural, promovida por Lina Bo Bardi, no design de mobiliário. Para nós pesquisadores é importante ter o retorno dos leitores. Espero que goste da terceira parte também, me conte. Obrigada, Cristina

Abel Prazer
10/01/2014

Bom dia! A 2a parte é também a final do excelente ensaio? Parabéns a Cristina Ortega! Abel

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