Ano: I Número: 2
ISSN: 1983-005X
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Os cartazes das Bienais de São Paulo nos anos 50
Heloísa Dallari

A década de 50 em São Paulo é marcada por eventos artístico-culturais significativos que refletem o crescimento econômico resultante da instalação de empresas nacionais e multinacionais na cidade. Por iniciativa de homens como Ciccillo Matarazzo e Assis Chateaubriand, são fundados dois novos museus: o MASP - Museu de Arte de São Paulo e o MAM - Museu de Arte Moderna (1948). Essas instituições inovam pela exposição de obras modernas e por criarem atividades paralelas em seus espaços. Ambas criam escolas que oferecem cursos inéditos para a formação de profissionais especializados, suprindo as mais recentes exigências do parque industrial em expansão.

O IAC - Instituto de Arte Contemporânea (1951), criado no MASP, introduz os cursos de desenho industrial, fotografia, propaganda e comunicação visual. A Escola de Artesanato do MAM (1952) tem como objetivo a capacitação de profissionais de nível técnico na indústria gráfica. O MAM origina ainda o mais expressivo evento cultural da América Latina relacionado às artes plásticas, as Bienais Internacionais de São Paulo, renovando definitivamente o panorama artístico brasileiro.
   
A divulgação de eventos culturais, como as Bienais, corre nos meios de comunicação de massa, não apenas jornais e revistas, mas sobretudo por meio  de cartazes. Esses são criados por profissionais ligados aos primeiros cursos de desenho industrial e comunicação visual no IAC. As peças impressas passam ser concebidas segundo um projeto gráfico de estruturação racional, que visava a comunicação imediata e clara com os transeuntes nos espaços públicos da metrópole.

Apesar de construtivo, o cartaz da I Bienal tem uma forte sugestão de perspectiva, fazendo que o olhar se dirija para o centro da peça gráfica, onde se encontra a informação a ser salientada: Museu de Arte Moderna. Além de trabalhar a ortogonalidade das linhas usando cores primárias, como o amarelo e o vermelho, tons neutros, como o cinza e o preto, seu autor, Antonio Maluf demonstra preocupação com a racionalização dos elementos. Desenvolve, também, uma tipografia simples e legível. As letras cuidadosamente recortadas a mão dispensam as serifas. A mensagem escrita assume dimensões e colorações distintas, denunciando sua preocupação em conduzir o observador para uma apreensão rápida, valorizando o informe do cartaz, por meio de letras maiores e em vermelho para as mensagens principais; letras menores e em cinza para os dados complementares.

Na II Bienal, é escolhido o trabalho gráfico do artista plástico António Bandeira. O cartaz privilegia as formas abstratas livres, numa referência às “amebas” utilizadas primeiramente por Hans Arp em seus relevos dadaístas. Este estilema acaba por constituir uma marca dos anos 50, invadindo o desenho industrial, principalmente o mobiliário e a arquitetura. Encontra-se o mesmo tema nos trabalhos expressivos de Henry Moore — ganhador do prêmio de escultura da II Bienal — e nos móbiles de Alexander Calder, que também estão nesta mostra. O emprego de formas arredondadas no cartaz coincide ainda com o uso de formas orgânicas na arquitetura do Palácio das Indústrias, particularmente no desenho das rampas e colunas criadas por Oscar Niemeyer, no edifício que passa a abrigar as Bienais definitivamente. Em seu cartaz, Bandeira usa letras sem serifa, empregando cores primárias contrastadas com tons de ocre e preto, para proporcionar impacto visual às formas livres. Logo, o cartaz da II Bienal reflete o abstracionismo como tendência de vanguarda, anteriormente divulgada na primeira edição do evento.
 
Os cartazes da III e IV Bienais são da autoria de Alexandre Wollner. Aluno do IAC entre 1951 e 1953, Wollner é ganhador também de alguns concursos de cartazes na época das comemorações do IV Centenário, em 1954. Elabora o cartaz da Revoada Internacional de São Paulo e os dois cartazes para o Festival Internacional de São Paulo, todos em parceria com Geraldo de Barros. Integra o grupo Ruptura e é premiado com o projeto para cartaz da III Bienal, em 1955, na mesma época em que recebe uma bolsa de estudos para cursar Comunicação Visual em Ulm, a convite de Max Bill. Seu trabalho gráfico mostra claramente o domínio que tem dos preceitos construtivos, nos quais se procura a valorização e a apropriação de novos meios de produção.

Neste projeto gráfico de Wollner percebe-se a preferência pelos elementos gráficos simples e precisos, dentro das práticas construtivas: composição abstrata de caráter geométrico, uso de letras desenhadas com base nas formas elementares e texto predominantemente composto em caixa baixa. Elege como tema a progressão geométrica e o triângulo, rebatendo-o em diferentes direções para imprimir ritmo ao cartaz, por meio de sua repetição. As cores complementares usadas por Wollner, laranja e azul em dois tons, contrastam e fazem vibrar a composição. As letras brancas, de simplicidade construtiva, ganham destaque recortadas contra o fundo azul escuro, que as ressalta aos olhos do espectador, como se estivessem iluminadas.
 
Alexandre Wollner ainda está em Ulm quando seu projeto gráfico é escolhido para divulgar a IV Bienal, em 1957. Nesta mesma época, também na Alemanha, surge uma nova tendência nas artes plásticas: a op-art, que viria a ser consagrada na VIII Bienal, em 1965, com uma grande exposição de Victor Vasarely. A proximidade do trabalho de Wollner com as práticas de precisão geométrica adotadas por este movimento artístico, levam-no a elaborar o cartaz da IV Bienal. Com isto, antecipa-se à sua confirmação nas artes plásticas, cuja primeira grande exposição data de 1961. Neste cartaz, a forma geométrica eleita por Wollner é o quadrado que, repetido seguidamente e em vários tamanhos, dá a sensação de uma retícula fotográfica ampliada. O contraste é obtido pelo uso de cores complementares, vermelho e verde, para a elaboração de ilusão visual. O branco e o preto também são utilizados e constituem um recurso permanente na op-art, para que a composição pareça vibrar. O texto alinhado na margem esquerda e a tipografia simplificada visam uma boa legibilidade, característica do design gráfico moderno.
 
O cartaz da V Bienal, em 1959, foi elaborado por Arnaldo Grostein, arquiteto e designer, criando uma espécie de marca para o evento. O desenho de letras e números é feito a partir de formas geométricas básicas, conforme as práticas construtivas; tal como o emprego de cor primária, o azul, e do preto sobre fundo branco. Trabalhando apenas com caracteres gráficos, Grostein procura afirmar a autonomia da criação do designer em relação às tendências do campo das artes plásticas, atitude fundamental para a consolidação da profissão no mercado de trabalho.

Note-se que a criação dos cartazes das Bienais não se restringe apenas à responsabilidade de designers gráficos, cuja formação profissional no Brasil data dos anos 1950, a partir da intensificação processo industrial e da criação dos cursos do IAC. Mas, pouco a pouco, o cartaz vai sendo valorizado enquanto conhecimento e não mais como intuição artística, conquistando lugar para o designer gráfico – profissão que procurava afirmar-se como disciplina de estudo e área de trabalho a partir deste momento.

Além de veículo de informação, o cartaz apresenta a abstração para um público urbano vasto. Esta linguagem de vanguarda era conhecida apenas por uma elite cultural que freqüentava as salas da intelectualidade paulistana. Portanto, o cartaz é um meio determinante para a superação de preconceitos em relação à recente abstração geométrica, então presente no panorama das artes plásticas brasileiras.
     
Nas aulas do IAC são apresentados os preceitos estéticos do funcionalismo proposto e trabalhado na Bauhaus nos anos 1920. A função é valorizada sobre a forma. O decorativismo é rejeitado em favor da manutenção de elementos estritamente necessários à concepção industrial. Ao priorizar o projeto, os custos de produção são reduzidos e o produto final torna-se mais acessível ao público. Daí a atenção atribuída ao design gráfico, em especial ao cartaz, como instrumento de forte apelo popular.
   
O design gráfico moderno se consolida por meio dos cartazes projetados por profissionais provenientes do IAC. As inovações estéticas funcionalistas referentes à linguagem gráfica são adotadas de pronto: o emprego de elementos considerados essenciais ao desenho, linhas retas e ortogonais, as formas geométricas básicas (triângulo, quadrado e círculo) e tipografia simplificada, em substituição aos antigos elementos figurativos, padrões decorativos e alfabetos ornamentais. Facilita-se, assim, o processo de produção serial da peça gráfica, assim como a observação, a leitura, o entendimento, a apreensão e a retenção da mensagem por parte do público.


Heloísa Dallari é arquiteta, mestre e doutoranda da FAU-USP, professora de História da Arte nos cursos de graduação de Arquitetura e Artes Plásticas da FAAP, professora de História da Arquitetura e das Artes Visuais no curso de pós-graduação em História da Arte da FAAP, professora de História do Design no curso de especialização em Design de Produto e de Mobiliário na Escola Panamericana de Arte e Design.

 


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