Ano: I Número: 1
ISSN: 1983-005X
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Dois veteranos em CD
Marcello Montore

Você já ouviu falar em Cesar Villela? Benício?

Se a resposta for negativa, não se espante. Infelizmente você não está sozinho. Esses dois designers gráficos ainda não foram definitivamente incorporados à história do design gráfico brasileiro. Talvez porque não existe registro da memória gráfica brasileira, ainda repleta de lacunas; e também, talvez, porque o viés bauhausiano/ulmiano tem sistematicamente ignorado trabalhos oriundos de outras origens conceituais e formais.

Veteranos na área, ambos iniciaram suas práticas profissionais no Rio de Janeiro da década de 1950. Villela começou sua carreira criando ilustrações para revistas infantis e para crônicas de Elsie Lessa e Pongetti no jornal O Globo. Fez rápida passagem pela Standard Propaganda, onde descobriu que a publicidade, definitivamente, não era o seu negócio, indo parar em 1958, na gravadora Odeon como capista freelancer, a convite de André Midani que era o responsável pelas capas dos LP’s.
       
Na Odeon, entre 1958 e 1962, Villela desenvolveu capas que não seguiam referência a modelos externos – até porque muito pouca informação gráfica efetivamente chegava por estas terras. Várias dessas capas são surpreendentes pela ousadia (Ohhhh! Norma, 1959 - figura 1), pela invenção (...É a Bola da Vez, 1959 - figura 2) ou pela singular simplicidade (Noel Rosa, 1962 - figura 3). No seu trabalho para a Odeon já havia começado a utilizar cada vez menos elementos. Essa simplificação gráfica intencional iria alcançar sua maior expressão nas capas da gravadora Elenco.

Foi no ano de 1963 que Cesar Villela trocou a gravadora Odeon pela minúscula e recém-fundada Elenco, onde criou as capas que o consagraram. Muito modernas para a época, utilizavam um esquema mínimo de cor: preto e branco com detalhes em vermelho. Algumas apresentavam ilustração (figura 4); outras, fotos dos artistas em alto-contraste (figura 5) —técnica fotográfica inovadora naqueles anos. Tratadas como mini-cartazes, numa época em que os discos não contavam com outras formas de divulgação, foram muito bem sucedidas em atrair a atenção dos compradores nos pontos de vendas — eram inconfundíveis!

José Luiz Benício, gaúcho de Rio Pardo, iniciou sua carreira como aprendiz de desenho em Porto Alegre aos 16 anos. Em 1953 mudou-se para o Rio onde ingressou na Rio Gráfica e Editora, passando a fazer trabalhos, já como ilustrador, para as principais revistas da editora. Em 1961 trabalhou para a McCann Erickson Publicidade, desenvolvendo trabalhos para a Coca-Cola e Esso entre outros.

No ano de 1963, o então já consagrado ilustrador, desenvolveu para a Denison Propaganda as primeiras capas dos livros de bolso da editora Monterrey, cujo total chegaria a 1500! Na década seguinte, mestre absoluto do guache, criou e ilustrou cerca de 250 cartazes para o cinema nacional (figuras 6 a 8). Nos anos 1980 ingressou na Artplan Publicidade onde desenvolveu ilustrações para a “História do Banco do Brasil” e para os projetos “Rock in Rio” (I e II), entre inúmeros outros trabalhos. Incansável, sua produção até os dias de hoje é uma afronta, de tão vasta.

No ano de 2004, ambos adentraram o universo do CD. Villela criou a capa para o CD comemorativo dos 40 anos do Quarteto em Cy, enquanto Benício foi responsável pela ilustração da bandeira de São Jorge na capa do CD Reactivus amor est (turba philosophorum) de Jorge Ben Jor.

Cesar Villela em “Quarteto em Cy – 40 anos”

Na capa do “Quarteto em Cy – 40 anos” (figura 9), Villela atingiu o auge da sua busca pela síntese gráfica e por um minimalismo formal. Com apenas quatro traços ele definiu a palavra CY; com esses mesmos 4 traços ele também definiu o 4 de quatro décadas e de quarteto. Acrescente ainda 4 pequenos círculos vermelhos – uma sutil alusão às suas capas da Elenco criadas há 40 anos. Máxima concisão, máxima expressão.

Essa capa apresenta todos os elementos que Villela vem perseguindo ao longo de sua carreira (tanto de designer como de artista plástico): linguagem gráfica objetiva e concisão sintática, despida de qualquer elemento supérfluo à transmissão da mensagem, porém semanticamente rica, exigindo do leitor um saudável exercício de decodificação. Como diz o designer norte americano Steven Brower — editor da revista Print — “O design que é apenas superficial provoca uma reação superficial, cativando apenas os olhos saturados do espectador. O design conceitual cativa e atrai também a mente”.

Benício em “Reactivus amor est (turba philosophorum)”

Já na capa do último disco de Jorge Ben Jor "Reactivus amor est" (figura 10), Benício elaborou, com seu guache, uma tremulante bandeira de São Jorge sobre um celeste fundo azul. A olhos menos atentos, essa imagem, de grande realismo, pode perfeitamente passar por uma foto — notam-se inclusive detalhes como o repuxar da costura dos panos. Ao se descobrir que, na realidade, trata-se de uma ilustração, não se pode deixar de admirar o jogo preciso de luz e sombra, a textura, o movimento, enfim... o resultado de décadas de domínio das técnicas do desenho e do guache. Não é demais lembrar que o domínio tanto da técnica quanto da linguagem é uma conquista garantida pelo exercício diário e apaixonado.

Quando um trabalho de síntese alcança a solução perseguida, graficamente econômica; ou quando se atinge o realismo de uma imagem, porque é precisamente essa a intenção, isso é fruto de um profundo conhecimento adquirido com a experiência e de um vasto repertório construído com o tempo!

Em meio a capas de CDs visualmente poluídas, desinteressantes ou cheias de efeitos digitais — com as tradicionais honrosas exceções —, salvam-se os veteranos Villela e Benício. Está mais do que na hora de começarmos a prestar as devidas honras a esses “velhos” profissionais.


Para conhecer mais:

MONTORE, Marcello. As capas de LP da gravadora Elenco (1963-1971): subsídios para uma historiografia includente do design gráfico brasileiro. São Paulo, 2007. Tese de doutorado apresentada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Orientadora: Profa. Dra. Vera Maria Pallamin.

JUNIOR, Gonçalo. Benício: um perfil do mestre das pin-ups e dos cartazes de cinema. São Paulo: RVL, 2006.

 


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