Ano: IV Número: 38
ISSN: 1983-005X
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Fotografia, linguagem, design: uma rápida digressão
Wallace Vianna e Jorge Lucio de Campos

Criar uma imagem consiste em ir retirando do objeto todas as suas dimensões, uma a uma: o peso, o relevo, o perfume, a profundidade, o tempo, a continuidade e, é claro, o sentido.

Jean Baudrillard


Todo meio de comunicação pressupõe uma forma e um veículo de expressão. Na esteira do comunicólogo canadense Marshall McLuhan (1911-80) que afirmou, na década de 60, ser o meio, fundamentalmente, a própria mensagem, é possível afirmar que, nos dias de hoje, com o desenvolvimento acelerado das técnicas, se a mensagem ainda persiste, já não é tão necessária (ou prioritária) quanto antes. O que, de fato, passou a contar é o meio nele mesmo, e menos para informar do que para apresentar.

Isso explicaria, em parte, a proliferação de produtos de entretenimento (dos filmes aos videoclipes) baseados no discurso da imagem que não se apóiam em um “roteiro” no sentido clássico da palavra, reproduzindo, à exaustão, fórmulas através de continuações ou combinações ad infinitum de um único enredo. Se, por um lado, a fotografia pode ser considerada uma das mídias mais recorrentes para a efetivação desse discurso sem discurso, pelo outro, no que diz respeito a um maior entendimento da força da mediação, sua consideração enquanto linguagem ? assim como sua relações, cada vez mais estreitas, com o design ? também forneceria, para tanto, uma base segura.

Fortemente ancorada pela tecnologia, a prática fotográfica vem agregando saberes oriundos de outras áreas da atividade criativa, influenciando-as e sendo por elas, crescentemente, influenciadas. Pela impossibilidade de ser neutro, seu raio de atuação vai desde o documental, passando pelo pictórico até chegar ao midiático, onde o seu caráter comunicacional pode ou não se esvaziar, conforme a natureza do projeto em que for inserido.

A este propósito, Daniele Ellwanger, citando Philippe Dubois, afirma que

existe uma espécie de consenso de princípio que (...) o verdadeiro documento fotográfico “presta contas do mundo, com fidelidade”. Foi-lhe atribuída uma credibilidade, um peso de real (...). (Isso) se baseia, principalmente, na consciência que se tem no processo mecânico de produção da imagem fotográfica (...). Nela a necessidade de “ver para crer” é satisfeita. A foto é percebida como uma espécie de prova (...) que atesta, indubitavelmente, a existência daquilo que mostra.

Observem que esta convicção é fruto do alto nível de nossa atual expertise técnico-científica. Isto talvez fosse, em parte, verdadeiro na época (início do século XIX) em que a fotografia foi viabilizada, mas, ainda assim, o conhecimento sobre o processo permite imaginar que, mesmo sua imagem ? enquanto uma “pintura de luz”  ? poderia ser criada pela sobreexposição de duas outras distintas, retirando daí a sua potência de verossimilhança.

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No século XXI, a questão da imaterialidade assume uma força quase irreversível com a evolução da tecnologia eletrônica e digital. Uma imagem não precisa mais estar associada a uma única mídia (ao filme para o registro, ao papel fotográfico para a reprodução). Em sua condição de crossmedia, ela pode ser registrada uma vez (via máquina fotográfica), armazenada (do cartão de memória ao DVD) e reproduzida de diferentes maneiras (por monitores de TV, pelo telefone celular). O mesmo se dá em termos de edição: programas com este fim já se encontram presentes no próprio dispositivo, nos computadores de mesa, online, etc. Essa facilidade põe em xeque até o conhecimento associado à compra de equipamentos caros. Qualquer leigo com um celular que capture imagens pode manipulá-las, transformando o verossímil em inverossímil e vice-versa.

A arte da referência (sampling ou amostragem) denota uma agregação de valor ou de informação à obra, proposta que se inverteu na comunicação massiva que, ao eleger como um ícone maior, não a imagem, mas a sua experiência visual, pressupõe que esta não precisa ser e sim parecer. Cumprindo bem o seu papel − ou seja, se conseguir entreter − ela não precisará conter uma mensagem nem ser original.

A exemplo da própria linguagem, igualmente se tornou possível mudar o sentido de uma mensagem, alterando-se a sua ordem ou forma. Um paralelo disso é a definição de hipertexto dada por Janine Wong e Peter Storkenson:

(Hipertexto) é uma ligação não-hierárquica de textos navegados pelo usuário (ou leitor). Freqüentemente, mas não sempre, muitos textos têm apenas um ou dois pontos de entrada, embora possam ser acessados de qualquer ponto. Uma vez o hipertexto atingindo um nível de complexidade elevado, é improvável que o leitor encontre todo o texto, e diferentes interpretações irão quase, invariavelmente, resultar dos diferentes tipos de leitura. Freqüentemente, cada texto apresenta um único conceito ou tópico. Uma vez que a ordem da leitura não pode ser presumida, hipertextos têm grande dificuldade de apresentar memória de si próprios e, dessa forma, construir uma apresentação através do tempo ou fornecer uma orientação do todo.

Ou seja, um hipertexto pressupõe múltiplos níveis e estágios de leitura (figura 1), o que dá margem para compreensões plurais de um mesmo texto assim estruturado, existindo tal dicotomia lingüística tanto na forma quanto no conteúdo por ele veiculado.

Uma imagem não trabalhada de um político em campanha, apertando a mão de um criminoso num evento público, pode ser, fora de seu contexto de origem, abertamente interpretada. Uma imagem alterada por um programa de edição decerto dará margem a leituras bem diversas da que se poderia considerar original.

Como explica Ellwanger, a fotografia pode se articular em três tempos, como um espelho, uma transformação ou um traço do real: 1) enquanto um espelho, ela seria a imitação mais perfeita da realidade; 2) enquanto uma transformação, encontraria no pictorialismo (uso da foto enquanto expressão do ato de pintar) sua melhor expressão, pois “(este) não faria outra coisa, enfim, que demonstrar, pela negativa, a onipotência da verossimilhança nas concepções da fotografia”; e 3) enquanto um traço, seria o registro do intangível, do tempo, de um momento que não pode ser aprisionado, mas apenas “congelado” pelo procedimento.

Ana Luisa Escorel reforça o ponto de vista da fotografia enquanto uma linguagem ao afirmar que

o design é uma linguagem nova (...) assim como a (linguagem) do cinema e da fotografia. (...) A fotografia possui uma estrutura perfeitamente homogênea e as unidades de que dispõe para constituir tanto sua cadeia horizontal de articulações (combinações) formais, quanto sua cadeia vertical de associações, pertencem, única e exclusivamente, a seus domínios lingüísticos. Enquanto linguagens, tanto o cinema quanto a fotografia possuem a mesma propriedade de articular suas respectivas unidades, e de acionar seus recursos particulares na transmissão de mensagens que irão, por sua vez, desencadear cadeias associativas.

O caráter lingüístico da fotografia faz dela uma atividade cujo grau de originalidade será determinado pelo uso, assim como o uso particular da língua pode determinar o significado ou o valor de um termo ou de uma expressão dentro de um idioma.

Ao discorrer sobre exemplos de “imagem escrita” e de “palavra pintada” num instigante ensaio em que descreve quadros e fotografias famosas, Niura Ribeiro aborda, no plano geral da linguagem, questões que fazem fronteira com a arte, com a fotografia e, indiretamente, com o design. Para tanto, privilegia obras em que as imagens são complementadas por textos que remetem a um segundo nível de experiência.

Em seu ensaio, esta autora cita diversos artistas brasileiros e mostra como a fotografia influencia ou é utilizada em suas poéticas.Dentre eles, o nome de Miriam Topolar talvez seja o mais emblemático, uma vez que seu trabalho se calca em fotos 3/4 que remetem ao uso científico ou documental da técnica em sua origem. Nele, antes de passar a imagem fotográfica para a pedra (litogravura),

a fotografia é processada em xerox, retirando os meio-tons, resultando emimagens de alto-contraste. (...) à medida que vão sofrendo os processos de desgastes mecânicos vão perdendo detalhes (...) do original. (...) As imagens fotográficas são, centralmente, dispostas numa coluna vertical, como num monumento à imobilidade do tempo.

Sendo ainda, segundo ela,

sintomático de sua preocupação com a identidade o fato de usar imagens 3x4 cm como retenção de faces. Se tal classificação é associada à identidade, tudo não passa de estereótipo, pois se sabe que as condições técnicas exigidas para estas fotos acabam por desidentificar (...) e perder toda a naturalidade como indivíduo singular.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BELLOUR, R. Entre-imagens: Foto, cinema, vídeo. Campinas: Papirus, 1997.
COUCHOT, E. A tecnologia na arte: Da fotografia à realidade virtual. Porto Alegre: UFRGS, 2003.
BENJAMIN, W. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. In: Obras escolhidas: Vol. 1 ? Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre a literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BENJAMIN, W. “Pequena história da fotografia”. In: Obras escolhidas: Vol. 1 ? Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre a literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
DORMER, P. Os significados do design moderno. Porto: Centro Português de Design, 1995.
DUBOIS, Ph. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1993.
ESCOREL, A. L. “As linguagens do design”. In: LIMA, G. C. (org.) Design: objetivos e perspectivas. Rio de Janeiro: PPDESDI/UERJ, 2005.
ELLWANGER, D. D. O ato fotográfico e outros ensaios. Trabalho não publicado, PPDESDI, Rio de janeiro, 2007.
HESKETT, J. Design. São Paulo: Ática, 2009.
PACHECO, A, Das estrelas móveis do pensamento: Ética e verdade em um mundo digital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
RAHDE, M. B. F. e CAUDURO, F. V. Testartes: Imagens de pós-modernidade. Internet. Disponível em http://www.fvcb.com/fvcb/site/programa-educativo/artigos/94-testartes-imagens-de-pos-modernidade. Acesso em julho de 2010.
RIBEIRO, N. L., “Procedimentos fotográficos nos processos de criação nas artes visuais contemporâneas”. In: SANTOS, A e SANTOS, M. I. dos (orgs.) A fotografia nos processos artísticos contemporâneos. Porto Alegre: UFRGS, 2004.
WONG, J. & STORKENSON, P. “Hypertext and the art of memory”. Internet. Disponível em: http://trex.id.iit.edu/visiblelanguage/Feature_Articles/ArtofMemory/ArtofMemory.html. Acesso em julho de 2010.

 


Comentários

VIRGÍNIA GIL ARAUJO
28/02/2011

          Caros autores,           gostaria de apontar algumas correções:           Niura Legramante Ribeiro é uma estudiosa e pesquisadora da História da Arte e da Fotografia e seu artigo aparece no texto           como se fosse de um autor ( RIBEIRO, N.L.).           Portanto, é uma autora.           Miriam Topolar ( e não Tripolar) é uma artista gravurista gaúcha.                      Grata,           Virgínia

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