Ano: I Número: 2
ISSN: 1983-005X
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Uma arqueologia do design
Pedro Fiori Arantes

Livro: Objetos de Desejo Autor(a): Adrian Forty Editora: Cosac Naify

Postado: 17/02/2008

   

O livro do historiador inglês Adrian Forty, lançado em 1986 e só agora traduzido para o português, é um marco para a compreensão do lugar do design na produção da cultura material no capitalismo. Descendente da melhor tradição da história social inglesa, Forty dá a ela uma contribuição original e importante. No prefácio à edição brasileira, por exemplo, não esconde sua surpresa e desapontamento ao ver Eric Hobsbawm repetir argumentos convencionais sobre as Exposições Universais e a história do design no seminário semanal do qual participavam. Em Objetos de desejo, Forty faz história social para, justamente, contar uma outra história do design. Ele desafia as interpretações dominantes que caracterizaram o design como parente (menor) das artes, capaz de ser descrito igualmente como sucessão de estilos, autores e escolas, para criar um novo campo de entendimento da questão.

Questiona, por exemplo, a versão até então hegemônica de que os designers teriam surgido como resposta à degeneração dos objetos fabricados industrialmente, visível nas Exposições Universais do século XIX, para, heroicamente, dominar as máquinas e qualificar seus produtos. Para isso, retorna ao século anterior e demonstra que os designers surgiram antes das máquinas, na divisão manufatureira do trabalho, quando concepção e execução se separam – momento, aliás, em que nasce o desenho do projetista (o design), como meio de representação e prescrição de serviço aos demais trabalhadores. (Em inglês, há duas palavras distintas para desenho, design e drawing, este, desenho do artista, fim em si mesmo).

O método de projeto em design, neste sentido, é mesmo oposto ao da arte. Para Forty, o design é parte do moderno sistema de produção de mercadorias e associa à tarefa criativa uma articulação poderosa de agentes e forças produtivas comandados pela lógica de valorização do capital. Os ciclos de inovação e mudança nos produtos devem ser, por isso, explicados como uma concatenação de influências econômicas, sociais e culturais complexas e não por diferenças de temperamento artístico entre designers. Como afirma, importa compreender o design em termos “do que ele faz” e não apenas de “quem o fez”.

Forty caracteriza a dinâmica entre universalização e diferenciação como a principal tensão que percorre a história do design. De um lado, a tendência a um design único e massificado (para todas as classes), centrado nos preceitos da ciência, da saúde e de boa forma. De outro, o design como meio de transmitir aos objetos valores sociais, de individuação, status e distinção de classe. Cada tipo de design reforça e nega seu oposto. Trata-se de uma contradição forte, que expressa na visualidade da cultura material a dinâmica contraditória do próprio capital, entre o avanço das forças produtivas e o acesso desigual à propriedade privada.   

Se o livro é impecável ao explicar o surgimento do design e sua dinâmica durante a Revolução Industrial, com uma profusão de exemplos cuidadosamente escolhidos, é menos bem sucedido, entretanto, ao analisar o que ocorre a partir do pós-guerra, quando a sociedade afluente norte-americana (e européia e japonesa em reconstrução) imprime uma dinâmica de aceleração da circulação do capital: o consumo planejado, a cultura de massa, a hipertrofia do sistema de crédito, a fusão entre produto e publicidade, a prevalência da imagem sobre o objeto, o fetiche elevado à enésima potência, o culto da mercadoria-corpo etc.

O ponto de vista eminentemente inglês de Forty, que lhe permite descrever de dentro o sistema produtor de mercadorias nos séculos XVIII e XIX, quando a Inglaterra exercia o comando da produção industrial, parece não dar a devida importância ao novo momento sob hegemonia norte-americana. Nessa passagem, transformações importantes no campo da cultura material não são bem avaliadas pelo autor. É de se estranhar, por exemplo, a ausência no livro do principal objeto de desejo e mercadoria-ícone do capitalismo no século XX, o automóvel, que altera, inclusive, toda organização da produção industrial – é a partir dele que passam a ser gerados os ciclos de inovação que se esparramam pelos demais setores.

Tais lacunas, mais que invalidar os méritos do livro, estimulam imaginar como seria sua continuidade. Objetos de desejo não apenas é uma boa história do design, mas também ensina a empreender uma leitura atenta do mundo das mercadorias. Por isso, fornece, ele próprio, o melhor caminho para que a tarefa da crítica, nesse campo, siga adiante. 

 

Pedro Fiori Arantes é mestre pela FAU-USP, professor de Design na Facamp e autor do livro Arquitetura Nova (Editora 34, 2002).  A resenha acima foi publicada na Folha de São Paulo em 09/06/2007.


 


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