Outro dia me perguntei a mesma coisa. Quando entrei na biblioteca aqui em Portugal (um país abarrotado e barulhento) notei que ela ainda é das poucas instituições públicas criadas de modo ideal para longas reflexões e para a busca por conhecimento. E não há rival para a biblioteca nesses tempos acadêmicos de encontros nos cafes dos campi.
Em primeiro lugar é silenciosa. As pessoas conscientemente ficam atentas para não fazer barulho ou perturbar os outros. Em segundo lugar, livros absorvem o som e nos isolam acústica (e visualmente) do mundo exterior. Assim, a biblioteca se torna algo como um casulo de privação sensorial cuja única saída é através da imaginação de grandes homens e mulheres.
Mas, se a catedral faz o mesmo para pessoas religiosas (deixa de fora o mundano e facilita a contemplação), a experiência de humildade numa biblioteca não tem nada a ver com colunas altíssimas, vitrais, mitologia e metáforas religiosas, mas com a exibição concreta da largura e profundidade da busca humana pelo conhecimento. O que é, na realidade, uma experiência de humildade ainda maior. Algo que 5000 arquivos pdf em um hd externo jamais conseguirão emular.
Então... acredito que o "espaço para introversão" oferecidos tanto pela catedral quanto pela biblioteca é ainda hoje muito importante na sociedade, talvez ainda mais importante do que no passado. O problema com a contemplação religiosa ou acadêmica no computador é que ele, em si, também é abarrotado e barulhento. Você associa sua vida mundana com o objeto, e não atinge aquela "associação especial". Que eu sinto ser a base de ambas as buscas: religiosa e pelo conhecimento. (1)
Nicolas Makelberg é PhD em Computer Music do Centro de Ciência e Tecnologia das artes da Universidade Católica do Porto – Portugal.
Nota
(1) Este texto é parte de uma discussão sobre o tema Para que serve uma biblioteca? surgida na lista PHD-Design (http://comments.gmane.org/gmane.comp.hci.phd-design/11577) em resposta ao questionamento do Prof. Keith Russel da Escola de Design, Comunicação e Tecnologia da Informação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Informação da Universidade de Newscatle (Austrália). Grifos do autor.