Ano: I Número: 6
ISSN: 1983-005X
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Honra ao mérito cromático
Paula Csillag

Livro: Psicodinâmica das Cores em Comunicação Autor(a): Modesto Farina, Clotilde Perez e Dorinho Bastos Editora: Edgard Blücher

Postado: 16/06/2008

   

Modesto Farina já pode ser considerado um autor clássico entre os estudiosos sobre cor no Brasil. Praticamente todos os cursos que lidam com imagética, tais como, publicidade, arquitetura, design, desenho industrial, decoração de interiores e moda, têm ou já tiveram algum livro seu como bibliografia básica.

Em seu primeiro livro de 1970, As Cores em Publicidade, Farina já fez sucesso, estando esta edição bem como a segunda, de 1971, esgotadas. Professor Titular de Estudo do Comportamento do Consumidor e de Psicossociologia da Motivação Publicitária da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, Modesto Farina é um exemplo de acadêmico que, além de ensinar o que estuda, produz conhecimento por meio de pesquisas acadêmicas, como a realizada em 1975, junto ao Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da USP a respeito das preferências do consumidor, que gerou naquele ano, outro sucesso, o livro Psicodinâmica das Cores em Publicidade. Aquela pesquisa, com questionário cuidadosamente elaborado e apresentado em seus livros (curiosamente omitido nesta última edição de 2006) foi repetida em 1980/81, com comentários sobre as mudanças nos resultados da pesquisa, foi publicada na edição do ano de 1982, desta vez com o título Psicodinâmica das Cores em Comunicação e re-apresentada na de 1986.

Lançada, em 2006, a mais recente edição (na sua 5a versão), Psicodinâmica das Cores em Comunicação chama atenção em alguns aspectos cruciais para um livro sobre cromatismo. Fazendo-se uma análise metalingüística sobre a comunicação do livro como objeto de leitura, ressalta-se a qualidade do projeto gráfico e a qualidade de impressão nesta última edição. Já na edição de 1986, uma mudança significativa neste sentido mostrou-se por meio da capa nova na época, realizada por Dorinho Bastos, além de acadêmico da USP, Sócio-Diretor do Estudio K Arquitetura e Comunicação Visual. Os “quadradinhos coloridos” de Dorinho anunciam um conteúdo cromático bem calculado e estudado. E nesta última edição, além da capa, já bem sucedida, ressalta-se uma ampliação no tamanho da página, no tipo do papel de melhor qualidade e na maior quantidade e melhor qualidade das ilustrações coloridas, que agora encontram-se ao longo do texto, e não concentradas ao final, como nas edições anteriores.

Outra novidade é a co-autoria de Farina com Dorinho Bastos, autor da capa e das ilustrações, e com a semioticista Clotilde Perez, acadêmica da USP e PUC. Esta co-autoria sem dúvida engrandeceu qualitativamente o livro, agregando novos conteúdos e atualizando dados com inputs mercadológicos e gráficos atuais.

Chama a atenção a notável ampliação das referências bibliográficas em relação às edições anteriores, ampliação esta, entretanto, que parece não ser tão bem aproveitada. Por exemplo, importante legado da Bauhaus, Joseph Albers é citado na bibliografia, mas suas contribuições ao estudo do cromatismo, particularmente com relação aos fenômenos perceptivos das interações das cores são pouco exploradas e não são citadas no corpo do livro. Outro exemplo de autor relevante não explorado no texto é Gyorgy Kepes, artista húngaro que agregou o legado da Escola da Gestalt à prática criativa da linguagem visual e cromática.

Farina, Bastos e Perez apresentam uma rica gama de informações sobre cores em seus diversos aspectos, apresentando nomes de importantes estudiosos, tais como, Roschach, Bamz, Fère, Lüscher, Goldstein, Rhyne, Borggrafe e Favre. Entretanto, há momentos em que os autores apresentam afirmações que podem suscitar dúvidas no leitor, uma vez que estão desacompanhadas de referências bibliográficas. A título de exemplo ressaltamos: na página 17, por exemplo, afirmam que cores quentes expandem; que frias expandem menos; que azul refere-se a vazio, fechamento. Quais são os embasamentos para tais afirmações? Na página 23, são apresentados “contrastes interessantes para uma fácil visibilidade”. Novamente, quais são fontes bibliográficas destas afirmações, para que não se incorra em uma questão de gosto pessoal, freqüente no uso da cor? Na página 24, afirmam que a combinação vermelho-verde é ineficaz e que pode irritar a sensibilidade óptica. Com qual fundamentação?

Em Psicodinâmica das Cores em Comunicação encontra-se algumas referências à Escola da Gestalt, o que é louvável, entretanto podem sugerir dúvidas ao leitor. Na página 14, os autores afirmam:

"E, nessa tentativa de estruturar conceituações de princípios fundamentais sobre o uso da cor, baseamo-nos, em parte, nos elementos fornecidos pela Psicologia da Forma, intitulada Gestalt".

Lendo este trecho, paira a dúvida a respeito de quais estudos da Gestalt foram utilizados e como articulam-se com cromatismo, lembrando o fato de que a Escola da Gestalt concentrou seus esforços ao estudo da percepção da forma.

Trata-se de um livro voltado para interessados sobre cores, estruturado em capítulos que abordam aspectos básicos do cromatismo. Começando pela natureza e a cor, os autores descrevem o processo visual das cores, o fenômeno do cromatismo, chegando na cor como signo cultural e psicológico e encerrando, crê-se aqui, com o aspecto mais forte do livro, com a cor aplicada às indústrias de embalagens, publicidade e comunicação visual de maneira geral.

Em diversos pontos do livro, os autores apresentam o que chamam de “leis” que regem os fenômenos cromáticos, o que é louvável no sentido de estruturar a sintaxe cromática. Mas quais seriam estas leis, em meio a tantos comentários e informações subjetivas, significados e simbologias sobre cores?

Um ponto forte do livro é a citação de diversas fontes de pesquisas a respeito dos significados culturais e psicológicos das cores, tais como o inglês Adrian Klein, o japonês Saburo Ohba, os franceses Déribéré e Michel Pastoureau e Eva Heller da Alemanha. Seria muito interessante se Farina, Bastos e Perez, tivessem apresentado em detalhes as obras destes pesquisadores, diferenciando as pesquisas de cada um, para que o leitor pudesse fazer uma comparação entre os significados das cores nestas diferentes culturas.

Ainda com relação à contextualização cultural dos significados das cores, chama a atenção que na página 96, afirmam: “Entretanto, os psicólogos e agentes culturais estão de comum acordo quando atribuem certos significados a determinadas cores que são básicas para qualquer indivíduo que viva dentro da nossa cultura”. Postam-se aqui diversas questões: A qual cultura referem-se quando afirmam “nossa”? Quem são os agentes culturais e os psicólogos? Quando entraram em acordo? De que maneira entraram em acordo? Quais são as evidências científicas para este acordo? Estas questões pairam na mente do leitor ao continuar, na mesma página e encontrar outra frase: “Mas, desde a Antigüidade, o homem tem dado um significado psicológico às cores e, a rigor, não tem havido diferença interpretativa no decorrer dos tempos”. É curioso, uma vez que as possibilidades interpretativas do microcosmo da psique humana não costumam entrar em acordo com muita facilidade. Não estariam os autores querendo afirmar “leis” onde elas não podem existir?

Interessante notar que, ao se analisar a bibliografia sobre cor aplicada à indústria e à comunicação visual, é freqüente encontrar-se “listinhas” sobre quais cores devem ser usadas para qual finalidade ou produto (embalagem). Acredita-se aqui que estas listas, se usadas de maneira indiscriminada, levariam a resultados idênticos cromaticamente e anulariam a criatividade dos designers. Farina, Bastos e Perez mostraram ter plena consciência disto, ao apresentarem:

“A cor faz reconhecível e recordável a embalagem, além disso, é possível usá-la para categorias específicas de produtos. No entanto, há que se ter muito cuidado com esta afirmação, já que seria muito simplista dizer que a cor da embalagem está ditada pelo tipo de produto que contém; se fosse verdade, todos os cremes dentais seriam brancos ou brancos com azul etc. (e o que dizer do amarelo e verde de Kolynos e posteriormente de Sorriso?)”. (p. 121)

Neste trecho, os autores revelam uma precaução que designers devem ter com “fórmulas prontas” de cores na comunicação visual, favorecendo a criatividade de cada designer.

Apesar de haver aspectos que podem ser ampliados, Psicodinâmicas das Cores em Comunicação tem o seu mérito como uma obra de fôlego, considerando-se a escassez de livros sobre o estudo da cor no Brasil. A quantidade de re-edições, edições esgotadas e aceitação pelo público denotam a presença deste livro na construção da cultura acadêmica brasileira.

Farina, Modesto; Perez, Clotilde e Bastos, Dorinho. Psicodinâmica das Cores em Comunicação. São Paulo: Edgard Blücher, 2006. 5a Ed. (revista e ampliada). 173 pp. ISBN: 85-212-0399-3.

Paula Csillag é graduada em Artes pela ECA-USP, Mestrado com tema em Comunicação e Semiótica, Doutorado com tema em Percepção Visual em Organizações Criativas. É professora de Cor e Linguagem Visual na ESPM e Belas Artes e aquarelista premiada com exposições nacionais e internacionais.

 


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