Ano: V Número: 51
ISSN: 1983-005X
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Madeira ou metal
Charlotte Perriand
Tradutor(a):Mila Waldeck

O metal desempenha o mesmo papel no mobiliário que o cimento desempenhou na arquitetura.
É uma revolução.

O Futuro irá favorecer os materiais que melhor resolverem os problemas propostos pelo novo homem: Eu entendo pelo Novo Homem o tipo de indivíduo que acompanha o ritmo do pensamento científico, que compreende e vive sua época: o Avião, o Transatlântico a o Motor estão a seu serviço; o esporte lhe dá saúde; sua casa é seu lugar de descanso.

O que sua casa deve ser?

A higiene deve ser considerada em primeiro lugar: sabão e água. Asseio: guarda-louças padronizados com divisórias para eles. Descanso: máquinas de descanso para repouso fácil e agradável. Camas: cadeiras: poltronas: chaise longues: Cadeiras de escritórios e mesas: Bancos, alguns altos, outros baixos: Cadeiras dobráveis. A palavra francesa para móveis, meubles, vem do latim mobilis*: significando coisas sobre as quais se pode mover. As únicas coisas que entram nessa categoria são cadeiras e mesas.

Nós estabelecemos qual é o problema; agora nós devemos resolvê-lo...

Material agora em uso e material que deve ser usado

Madeira: uma substância vegetal, em sua própria natureza obrigada a decair, é suscetível à ação da umidade do ar. "Aquecimento central seca o ar e envolve a madeira". Desde a guerra, nós não temos mais madeira seca: ela é seca por meios artificiais, e inadequadamente.

Madeira compensada: composição de madeira: 

Estes devem ser usados para painéis, montados numa moldura de metal e possibilitados ao "jogo".

Metal: material homogêneo do qual certas ligas são passíveis de serem afetadas por ácidos no ar:

Nesse caso a proteção é proporcionada por oxidantes, ou pela aplicação de pintura, Duco etc...

Armários de chapas de ferro batido:

Para cadeiras, canos de metal de bicicleta:

Uma bicicleta pesa apenas de 10 a 12 Kg. Quanto menor o peso, maior a resistência.

Solda com gás.

Esse processo abre um vasto campo de possibilidades práticas.

A proporção entre o peso necessário para assegurar contra rupturas e as condições de construção, em outras palavras, o coeficiente de segurança, deve ser aproximadamente 6 no caso do metal, 10 no caso da madeira. Para ter a mesma solidez a madeira deveria ter apriximadamente 14 vezes a dureza do metal:

Impulsão

Compressão

Flexão

14 vezes maior na madeira do que no metal

Conclusões técnicas

A torre Eiffel nunca poderia ter sido feita de madeira.

O metal é superior à madeira; razões?

O poder de resistência do próprio metal;

Porque isso permite a produção em massa na fábrica (diminui a quantidade de trabalho requerido).

Porque através de diferentes métodos de manufatura ele abre novas perspectivas, novas oportunidades de design;

Porque os revestimentos de proteção contra agentes tóxicos não apenas diminui o custo de manutenção, mas tem um considerável valor Estético

metal desempenha o mesmo papel no mobiliário que o cimento tem desempenhado na arquitetura.
É uma revolução.

Estética do metal.

Alumínio envernizado, Duco, parkerização, pintura, todos dão variações no tratamento do metal.

Se nós usarmos o metal combinado com couro para cadeiras, com placas de mármore, vidro e borracha para mesas, coberturas para o chão, cimento, substâncias vegetais, nós teremos uma gama de maravilhosas combinações e novos efeitos estéticos.

Unidade na arquitetura e mais uma vez poesia.

Uma nova beleza lírica, regenerada pela ciência matemática; produziu um novo tipo de homem que pode amar com fervor; Avion Voisin em Orly, uma fotografia do mediterrâneo, e "Ombres Blanches".

Até mesmo Monte Cervin é restaurado a um lugar de honra.

Quanto ao público

Teatros de operação; clínicas; hospitais;

Melhoram a saúde física e moral, Nada irrelevante.

Moda: olham as lojas (que servem ao gosto do público).

Eles fazem madeira metalizada;

Eles fazem imitação de carvalho a partir do metal;

Eles tinham até mesmo planejado uma cadeira feita de compensado, metal e borracha para imitar mármore.

Vida longa ao comércio
O homem do século XX

Um intruso? Sim, ele é, quando rodeado por móveis antigos, e Não, na configuração do novo Interior.

Esporte, indispensável para uma vida saudável na era mecânica

A mentalidade moderna também sugere:

Transparência, vermelhos, azuis

O brilho da pintura colorida, Aquelas cadeiras são para serem sentadas,

Aquele armário é para se colocar pertences

Espaço, luz,

A alegria de criar e viver...

Nesse nosso século.

Claridade, Lealdade, Liberdade no pensamento e na ação.

NÓS DEVEMOS NOS MANTER MORALMENTE E FISICAMENTE AJUSTADOS.

Azar de quem não o fizer.

Sobre o Autor(a):

O texto Madeira e metal foi publicado na revista The Studio em 1929 e ilustrado com uma foto da Chaise Longue B306. A designer parisiense Charlotte Perriand, autora da cadeira e do texto, é também a modelo que está na foto, concebida por ela e fotografada por Pierre Jeanneret (1).

Pouco depois da publicação de Madeira e metal, Charlotte Perriand, Le Corbusier e Pierre Jeanneret levaram ao Salon d’automne (2) de 1929 o ambiente Equipamento interior de habitação, que sintetizava princípios usados em conjunto pelos três e mostrava móveis que eles criaram em 1928.

O espaço para o Novo Homem de que fala esse manifesto parece estar materializado nesse ambiente.

Charlotte Perriand começou a trabalhar com Le Corbusier em 1927, dois anos depois de formada na École de l'Union centrale des arts décoratifs. Ele decidiu chamá-la para trabalhar em seu escritório com o status associada (3) após ter visto o ambiente que ela mostrou no Salon d’automne de 1927, Bar sous le toit, um bar com mesa de jogos que ela fez para sua própria casa. Durante os 10 anos seguintes, ela ficou responsável pelo mobiliário dos projetos realizados no estúdio.

Em 1941, Charlotte Perriand fez uma versão em bambu da Chaise Longue B306 apresentada no manifesto Madeira e metal. No ano anterior, ogoverno japonês havia convidado a designer para ser consultora e orientar um processo de ocidentalização da indústria nacional. Ela se mudou para lá e, depois de viajar durante cerca de sete meses pelo Japão pesquisando a produção local, organizou na loja de departamento Takashimaya, em Tokio e Osaka, a exposição Seleção, tradição, criação, relacionando técnicas e materiais japoneses a ideias e funções ocidentais. A Chaise Longue B306 em bambu era um dos objetos expostos (4).

 

 

Notas

(1) Silvana Rubino fala sobre a origem dessa foto no texto Bodies, chairs, necklaces: Charlotte Perriand and Lina Bo Bardi.http://socialsciences.scielo.org/scielo.php?pid=S0104-83332010000100003&script=sci_arttext#_ftn18 Versão em inglês do texto publicado em Cadernos Pagu, Campinas, n.34, p. 331-362, Jun. 2010.

(2) O Salon d’automne foi fundado em Paris 1903 como uma alternativa ao salão oficial de arte e ao Salon des Indépendants. Artistas como Paul Gaugin e Paul Cézanne tiveram destaque nas primeiras edições e, em 1905, o salão apresentou o movimento fauvista, trazendo pintores como Henri Matisse e Georges Henri Rouault.

(3) Charlotte Perriand não era remunerada. Em 1927, ela procurou trabalho no estúdio de Le Corbusier, que recusou respondendo: “nós não bordamos almofadas aqui”. Depois que viu o trabalho de Charlotte exposto no Salon d’automne daquele ano, ele mudou de ideia. No estúdio, ela teve aulas particulares de arquitetura com Alfred Roth.

(4) KIKUCHI, Yuko. Japanese Modernisation and Mingei Theory: Cultural Nationalism and Oriental Orientalism. Nova York: RoutledgeCurzon, 2003, pp. 100-109.

 

A AGITPROP conversou com a antropóloga Silvana Rubino, que sugeriu a tradução do texto Madeira e metal e está fazendo uma pesquisa em que compara questões de gênero e carreira em Charlotte Perriand, Lina Bo Bardi e Carmem Portinho.

 

AGITPROP: Em Madeira e metal, Charlotte Perriand disse que a madeira é superior ao metal. Anos depois, no período em que morou no Japão, ela organizou uma exposição em que predominava o uso do bambu. Houve uma ruptura?

Silvana Rubino: Acho que não. Charlotte Perriand nunca deixou de fazer móveis em madeira – nem antes de trabalhar com Le Corbusier, nem durante, nem depois. Mas quando ela escreveu esse manifesto, metal queria dizer “modernidade”. Ele tinha esse valor simbólico naquela hora, não só no atelier de Le Corbusier: Marcel Breuer tinha criado a cadeira Wassily em 1925, Mies van der Rohe fez a cadeira Barcelona em 1929... A ideia de que o metal era o material moderno estava no auge.

 

AGITPROP: Entre suas pesquisas sobre Charlotte Perriand, o que você encontrou que mais chamou a sua atenção?

Silvana Rubino: O fato de que a bibliografia ainda fala muito dela em relação a Le Corbusier. Continua-se falando dela para falar mais de coisas que ele fez e menos de coisas que ela fez antes e depois. Mas ela ficou dez anos com ele, e viveu 94 anos! Antes de trabalhar com ele, ela já tinha seus grupos e suas redes próprias, já participava de exposições… Claro que ele foi muito importante, o estilo dela antes era mais art-déco e o contato com Le Corbusier mudou isso. Mas ela produziu muito quando já estava fora do ateliê de Le Corbusier, além de ter trabalhado com outros grande nomes, como Isamu Noguchi, Fernand Léger, Jean Prouvé, Sonia Delaunay. E ela foi uma influência muito forte na carreira de Sori Yanagi (5).

 

Nota

(5) O designer Sori Yanagi, nascido em Tóquio em 1915, trabalhou de 1940 a 1942 no estúdio de Charlotte Perriand.

 


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