Ano: V Número: 53
ISSN: 1983-005X
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Debate entre Hermann Muthesius e Henry van de Velde
Hermann Muthesius e Henry van de Velde
Tradutor(a):Mila Waldeck

Debate entre Hermann Muthesius e Henry van de Velde ocorrido no encontro anual da Deutscher Werkbund em 1914.

 

Hermann Muthesius

1. A arquitetura, e com ela toda a área das atividades da Werkbund, está pressionando em direção à estandardização, e apenas por meio da estandardização ela pode recuperar o significado universal que lhe era característico nos tempos de cultura harmoniosa.

2. Apenas com a estandardização, entendida como o resultado de uma concentração salutar, o bom gosto universalmente válido e confiável pode novamente encontrar entrada.

3. Enquanto um nível alto e geral de gosto não for alcançado, nós não podemos esperar a divulgação efetiva das artes e ofícios alemãs internacionalmente.

4. O mundo vai demandar nossos produtos apenas quando eles falarem por meio de um estilo de expressão convincente. Os princípios fundamentais para isso foram estabelecidas pelo governo alemão.

5. O desenvolvimento criativo do que já foi conquistado é a tarefa mais urgente de nossa época.  Dele vai depender o sucesso definitivo do movimento. Qualquer relapso e deterioração  em direção à imitação  vai hoje significar a dilapidação de uma propriedade valiosa.

6. Partindo da convicção de que refinar mais e mais sua produção é uma questão vital para a Alemanha, a Deutcher Werkbund, como uma associação de artistas, industriais e comerciantes, deve direcionar sua atenção na criação de condições para uma arte industrial de exportação.

7. Os avanços da Alemanha nas artes aplicadas e arquitetura devem ser levados ao conhecimento dos países estrangeiros através de uma publicidade efetiva.  A maneira mais óbvia de fazer isso é recomendar publicações periódicas ilustradas junto às exposições.

8. Exposições da Deutcher Werkbund fazem sentido apenas se elas forem radicalmente restritas ao que for melhor e mais exemplar.  Exposições de artes e ofícios no exterior devem ser encaradas como um assunto nacional e portanto requerem subsídio público.

9. Para qualquer exportação, a presença de negócios em larga escala, poderosos e de bom gosto, é um pré-requisito. Nem mesmo demandas internas poderiam ser atendidas por um design de objeto feito por um artista isolado.

10. Por razões nacionais, empreendimentos de transporte e distribuição em larga escala cujas atividades são dirigidas para o exterior devem se juntar ao novo movimento, agora que ele mostrou seus frutos e representa no mundo a arte com consciência que há na Alemanha.

 

Henry Van de Velde

1. Enquanto ainda há artistas na Deutcher Werkbund e enquanto eles exercerem alguma influência no seu destino, eles irão protestar contra toda sugestão pelo estabelecimento de um cânone ou estandardização. Na sua essência mais íntima o artista é um individualista ardente, um criador livre  e espontâneo, ele nunca irá voluntariamente se subordinar à disciplina que impõe a ele um tipo, um cânone. Ele instintivamente desconfia de tudo o que possa esterelizar suas ações, e todos que pregam uma regra que possa impedi-lo de pensar suas próprias ideias, para sua própria finalidade livre, ou que tente dirigi-lo a uma forma geral, na qual ele vê apenas a máscara que procura fazer a virtude a partir da incapacidade.

2. Certamente o artista que pratica uma “concentração benéfica” sempre reconheceu que correntes que são mais fortes do que sua pópria vontade e pensamento demandam dele que ele deva reconhecer o que corresponde essencialmente ao espírito da sua época. Essas correntes podem ser múltiplas, ele as absorve consciente e inconscientemente como influências gerais; existe nelas algo materialmente e moralmente imperativo para ele. Ele voluntariamente se subordina a elas, entusiasmado pela ideia de um novo estilo. E por vinte anos muitos de nós temos buscado formas e decorações que correspondam totalmente à  nossa época.

3. Não ocorreu a nenhum de nós, entretanto, querer agora impor aos outros como padrões estas formas ou ornamentos que nós procuramos  ou encontramos. Nós sabemos que muitas gerações terão que trabalhar em cima do que nós iniciamos antes que a fisionomia do novo estilo seja fixada, e que nós podemos falar de padrão e padronização apenas depois da passagem de um vasto período de esforços.

4. Mas nós também sabemos que à medida em que esse objetivo não foi alcançado, nossos esforços ainda terão o encanto do ímpeto criativo. Gradualmente os dons de todos reunem as forças, se fundem, as diferenças são neutralizadas e precisamente no momento em que a luta individual começa a abrandar, a fisionomia vai se fixar. A era da imitação vai começar e formas e decorações serão usadas, com uma produção que não mais vai necessitar de nenhum impulso criativo: o tempo da infertilidade vai então ter começado.

5. O desejo de ter um tipo padronizado antes que ele se torne um estilo é quase como querer ver o efeito antes da causa. Seria destruir o embrião no ovo. Alguém realmente vai se deixar cegar por essa luz, desejando alcançar resultados rápidos desse modo? Esses efeitos prematuros tiveram todos a perspectiva menor de uma divulgação efetiva das artes e ofícios alemãs no exterior, afinal eles tinham uma vantagem em relação aos países que estão à frente de nós na velha tradição e na velha cultura do bom gosto.

6. A Alemanha, por outro lado, tem a grande vantagem de ainda possuir dons que outros povos, mais velhos e mais cansados, estão perdendo: o dom da invenção, das inspirações pessoais brilhantes. E seria quase castração amarrar tão cedo essa ascensão criativa rica e variada.

7. Os esforços da Werkbund devem ser direcionados para cultivar precisamente esses dons, assim como os dons da habilidade manual, alegria e crença na beleza de execução altamente diferenciada, não para inibí-los pela estandardização, especialmente no momento em que países estrangeiros estão começando a adquirir um interesse pelo trabalho da Alemanha. No que diz respeito ao fomento destes dons, tudo ainda está para ser feito.

8. Nós não estamos subestimando a boa vontade de ninguém e estamos muito cientes das dificuldades que devem ser superadas. Sabemos que a organização trabalhista tem feito muito pelo bem estar material dos trabalhadores, mas ela não consegue encontrar uma desculpa por ter feito tão pouco para despertar entusiasmo pela bela manufatura naqueles que devem ser nossos mais alegres empregados. Por outro lado, nós todos conhecemos a necessidade de exportação que pesa como uma maldição sobre nossa indústria.

9. E no entanto nada, nada bom e esplêndido jamais foi criado a partir da mera consideração pela exportação. A qualidade não será criada a partir do espírito de exportar. A qualidade será sempre criada em primeiro lugar por um círculo limitado de conhecedores e clientes. Estes gradualmente ganham confiança em seus artistas; lentamente se desenvolve em primeiro lugar uma clientela estreita, depois uma clientela nacional, e somente depois os países estrangeiros e o mundo inteiro tomam conhecimento dessa qualidade. É uma completa incompreensão dos fatos fazer industriais acreditarem que as chances deles no mercado internacional aumentam se eles produzem para esse mercado mundial tipos estandardizados a priori antes que esses tipos tenham se tornado propriedade comum e bem testada em casa. Os maravilhosos trabalhos que são agora exportados para nós agora  nunca foram originalmente criados para exportação: pense nos vidros Tiffany, nas porcelanas de Copenhagen, nas joias de Jensen, nos livros Cobden-Sanderson, e assim por diante.

10. Toda exposição deve ter como propósito mostrar ao mundo sua qualidade nativa, e de fato as exposições da Werkbund fazem sentido apenas quando, como o senhor Muthesius tão corretamente diz,  elas se restringirem  basicamente ao que é melhor e mais exemplar.

Sobre o Autor(a):

Hermann Muthesius, Henry Van de Velde, Peter Behrens e Walter Gropius foram alguns dos integrantes da associação Deutscher Werkbund, criada em Munique em 1907 por um grupo de arquitetos, industriais, artistas, políticos e designers com o objetivo de “aumentar a competitividade das empresas alemãs no mercado global” (1). Em 1914, acontecia a primeira grande exposição da Werkbund em Colônia. Foi nessa ocasião que Muthesius e Van de Velde fizeram os dois discursos aqui traduzidos.

O debate entre os dois arquitetos acabou ganhando visibilidade na historiografia do design. Parte disso se deve provavelmente à menção que ele recebeu de Nicolaus Pevsner no influente livro Os pioneiros do design moderno.  Dentro da história do design construída por Pevsner, Hermann Muthesius tem o papel-chave de fazer a transição entre William Morris e Walter Gropius. O fato de ter morado na Inglaterra entre o final do século XIX e início do século XX, pesquisado sobre o movimento Arts and Crafts e, de volta à Alemanha, participado da Deutscher Werkbund com Gropius fica particularmente relevante na visão pevsneriana, onde o movimento Arts and Crafts e a Bauhaus se conectam numa linha evolutiva.

O debate entre Muthesius e Van de Velde de 1914 é uma peça crucial na narrativa de Pevsner. Para ele, neste momento, travava-se uma disputa entre estandardização versus individualismo onde a primeira sairia vitoriosa (2). Pevsner destaca que Gropius, em meio à controvérsia ocorrida na Deutscher Werkbund, concordava com Muthesius. A Bauhaus, dentro dessa perspectiva, seria herdeira da apologia à estandardização. De alguma maneira, para Pevsner, a escola iria incorporar a influência de William Morris ao mesmo tempo em que superava a rejeição que ele tinha à industria.

Visto hoje, entretanto, esse debate talvez pareça ter ideias menos antagônicas do que elas provavelmente pareciam ter em 1914, quando foram expressas, ou em 1936, época da primeira edição de Os pioneiros do design moderno. Muthesius e Van de Velde, partindo do pressuposto de que aquilo que é criado pelo artista é superior, compartilhavam a convicção de que o artista/designer deve determinar as formas que a produção industrial irá multiplicar.

Esse ponto de vista está em sintonia com a fetichização do objeto de design, em que um produto industrializado pode ser vendido por um preço mais caro pelo fato de sua criação ser atribuída a determinado autor. Além disso, nem Muthesius nem Van de Velde parecem questionar a separação hierárquica entre o designer/autor e o operário. Muthesius enfatiza a criatividade e não menciona trabalhador não-criativo da fábrica. Van de Velde também elogia a criatividade e não compreende por que os trabalhadores não têm entusiasmo pela boa manufatura.

Victor Margolin observou que Nicolaus Pevsner montou uma história do design voltada apenas para os objetos que ele considerava ter uma qualidade excepcional, discriminando os objetos do dia-a-dia usados normalmente pelas pessoas (3). Tendo isso em mente, os discursos de Muthesius e Van de Velde parecem menos divergentes, já que ambos falam de uma qualidade extraordinária, concebida ou apreciada por uma minoria. Hoje esses dois textos são documentos importantes da construção de uma determinada historiografia do design cujos frutos são, muitas vezes, elitizantes.  (Mila Waldeck)

 

Notas

(1) http://www.deutscher-werkbund.de

(2) Pevsner, Nikolaus. Pioneers of Modern Design: From William Morris to Walter Gropius. New Haven; Londres: Yale University Press, 2005, p. 25.

(3) Margolin, Victor. The Politics of the Artificial: Essays on Design and Design Studies. Chicago: University of Chicago Press, 2002, p. 221

 


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