Ano: VI Número: 57
ISSN: 1983-005X
Detalhar Busca

O estado da arte do design: como a educação em design deve mudar
Don Norman e Scott Klemmer
Tradutor(a):Marcello Montore

Design é a prática da criação intencional com o objetivo de melhorar o mundo. É o campo do criar e do fazer, do criar bons produtos e serviços que atendam às necessidades humanas, que encantem e informem. O design é emocionante por juntar artes e humanidades, ciências sociais, físicas e biológicas, engenharia e negócio.

O pensamento de design compreende estratégias para encontrar e resolver problemas levando para o design da tecnologia uma compreensão sobre pessoas e sociedade, focando na descoberta do problema correto antes de correr para uma solução. Acreditamos que as habilidades ligadas ao pensamento de design serão fator chave para o sucesso de uma nova geração de líderes criativos na tecnologia, nos negócios e na educação.

Porém, o design enfrenta um futuro incerto. Os campos tradicionais da atividade são voltados para a criação de artefatos. Mas novos desafios sociais, valores culturais e oportunidades tecnológicas requerem novas habilidades. Mais do que nunca, o design hoje é centrado no humano e no social e enraizado na tecnologia e na ciência. Além disso, são necessários serviços e processos que não requerem grandes habilidades técnicas, que são o resultado primário da educação em design.

Apesar de algumas vezes o design poder trazer insights criativos para novos problemas, essa habilidade é mais arte do que ciência, e é restrita a poucas empresas de design ou indivíduos especialmente talentosos. De forma a ampliar seus sucessos além da sorte, o design precisa de melhores métodos e ferramentas, de mais teoria, técnicas analíticas e maior compreensão de como arte e ciência, tecnologia e pessoas, teoria e prática podem se combinar produtivamente e de maneira eficaz.

O design tem capacidade de liderança pois cruza todas as disciplinas. O design é transformador devido a quatro características principais:

- Pensamento do design (design thinking): garantindo que se resolva o problema correto;

- Pensamento sistêmico (systems thinking): cruzando com e englobando todas as disciplinas;

- Integração: juntando prática e teoria; e

- Foco no humano (human-centered): garantindo que pessoas e tecnologia trabalhem harmoniosamente de forma colaborativa.

 

O caminho incerto

O design ainda é prioritariamente ensinado como criação de artefatos. Existem poucos princípios fundamentais dignos de nota, quase nenhuma ciência. Se o design pretende cumprir sua promessa, ele deve criar um currículo novo e duradouro para a educação em design que mescle ciência e tecnologia, arte e negócio, e na verdade, todos os conhecimentos da universidade. Design é um campo que tudo engloba e integra: negócio e engenharia, ciências sociais e artes. Nós vemos uma oportunidade fantástica para estudantes que aprendem design desse modo integrado.

Algumas escolas desenvolveram programas integrados, combinando design com engenharia ou negócio. Muitas outras desenvolveram cursos individuais nos quais estudantes de disciplinas diversas fazem projetos. Esses cursos e programas são incrivelmente estimulantes e com frequência produzem resultados práticos úteis (que algumas vezes os levam a serem comercializados). Num primeiro olhar tudo isso parece excelente: é precisamente o que queremos. Mas esses esforços, apesar de louváveis, são desconectados, cursos individuais no interior de poucos programas dispersos. Muitos deles voltados à prática, não à teoria. O design pretende ser usado pelas pessoas, mas ainda assim, as ciências sociais e comportamentais não têm qualquer papel no currículo de design.

Hoje, a cola que conecta disciplinas nos cursos de design é, quase exclusivamente, o critério profissional. Enquanto recentemente muitas universidades se mostram interessadas em design, a oportunidade para uma  inovação real e duradoura é limitada a menos que possamos criar uma teoria prática do design. Para quem está lendo este ensaio, isso pode parecer óbvio. Nós sabemos disso. Ainda assim, tal trabalho ainda é raro.

 

Como a educação em design deve mudar

É interessante que muitas teorias em design hoje provêm de outras disciplinas. Princípios de design de produto provêm da engenharia mecânica. Os fundamentos teóricos do que hoje é chamado Design de Interação, Experiência do Usuário e Interação Homem-Máquina provêm primariamente das ciências sociais e comportamentais (psicologia, ciências cognitivas, antropologia e sociologia) e das ciências da computação, e o escoadouro primário para esse trabalho é uma conferência anual patrocinada pela ACM (a sociedade para a Ciência da Computação). Esses campos fornecem teorias e princípios sólidos e úteis, mas com pouca compreensão da estética e das tradições que caracterizam o grande/bom design. Em sua maioria são princípios analíticos ao passo que o design é um campo de síntese, campo do construir e do fazer. Nós precisamos de teorias e abordagens que combinem o analítico e o sintético, o conhecimento da ciência e da engenharia com a prática do design. Designers treinados de forma tradicional cumprem um papel surpreendentemente pequeno na criação, no desafio e no avanço da teoria a partir da experiência.

Neste momento, existe enorme necessidade de dar mais ênfase às descobertas das ciências sociais e da engenharia tanto na teoria quanto na prática do design. O campo de ação do design foi ampliado, do seu foco histórico de artefatos para o seu novo papel no desenvolvimento de serviços e experiências, e no aperfeiçoamento da sustentabilidade, da saúde e da educação. No passado, designers eram treinados em questões de forma, função, materiais e estética. Hoje, cultura e emoção são aspectos centrais, além do conhecimento de questões sociais, de técnicas sutis de persuasão e das dificuldades ao lidar com sistemas complexos e interdependentes. A educação em design deve mudar.

Mas de onde virá uma teoria relevante? A profissão de design tomou de outras disciplinas a base para seu suporte científico principal. As habilidades de criação de artefatos e a intuição cuidadosamente afiada pode ter sido suficiente no passado, quando designers contribuíam primariamente com formas para a indústria mas, atualmente, isso não mais é suficiente com o complexo sistema de pessoas, máquinas e serviços. Uma abordagem mais sistemática torna-se necessária. Se designers não elaborarem teorias apropriadas, outros o farão por eles e talvez essas teorias não sejam do seu agrado.

Design é um campo de criadores e produtores/fazedores. No mundo prático, produtos e serviços de sucesso requerem profissionais generalistas que são capazes de pegar um atalho horizontal através das muitas e profundas especialidades verticais. Generalistas não podem ter sucesso sem uma colaboração próxima com especialistas; o conhecimento de uma especialidade é muito limitado para criar um produto ou serviço eficaz para as pessoas sem a ajuda dos designers (generalistas).

Na universidade os especialistas imperam. Como resultado, designers são os desajustados: generalistas em um mundo de especialistas. Muitas das melhores faculdades de design não se ajustam de forma confortável nos tradicionais departamentos existentes. Especialistas prosperam nas universidades, generalistas secam e morrem, pois a política de promoções se baseia pesadamente na análise de autoridades mundiais, o que invariavelmente significa: especialistas. Mas não seria difícil para as universidades mudarem seus processos de avaliação para encorajar tanto especialistas como generalistas, em parte no sentido de valorizar as ideias de uma síntese ampla, de integração e, quando apropriado, de impacto no mundo real. Essa mudança pode permitir que programas de classe mundial que celebram a teoria e a prática e treinam seus estudantes para se aprofundarem nas questões, lidem com os variados desafios que enfrentamos.

Nós vislumbramos um novo currículo para que o design tenha sucesso, cresça, atinja seu potencial, e treine futuros líderes. Em nossa visão, esses novos programas combinam o aprendizado das artes e da prática do design, belo e prazerosamente bem feito, com cursos sólidos em ciências sociais e biológicas, em tecnologia, matemática e estatística e na compreensão de métodos experimentais e promovam um raciocínio rigoroso. Programação e mecatrônica são habilidades essenciais no mundo atual dos produtos. Esse treino não apenas criará melhores profissionais, mas também irá equipar futuras geração de designers para serem mais competentes na difícil tarefa de desenvolvimento de uma, muito necessária, teoria de design rigorosa.

Design é um campo promissor, poderoso e estimulante. Para dar conta dos desafios do século XXI, o design e a educação em design devem mudar. E para isso, é claro, também as universidades.

 

_______________________

O texto acima foi traduzido de:

Norman, D. A., & Klemmer, S. (Março 25, 2014). "State of Design: How Design Education Must Change". LinkedIn.com. Disponível em http://www.jnd.org/dn.mss/state_of_design_how.html

Tradução: Marcello Montore

Sobre o Autor(a):

Don Norman atua em diversas frentes: é co-fundador do grupo Nielsen Norman, professor universitário (Harvard, Universidade da Califórnia – San Diego, Northwestern, KAIST, Tongji), executivo (ex vice-presidente da Apple, executivo da  HP e agora co-fundador de uma startup), diretor e conselheiro de empresas, autor de best-sellers sobre design, como Emotional Design, Living with Complexity e Design of Everyday Things. Mais informações em  jnd.org.

Scott Klemmer é professor associado de Ciências Cognitivas, e Engenharia e Ciência da Computação na Universidade da Califórnia – San Diego (UCSD), e professor associado visitante de Ciências da Computação na Universidade de Stanford. Antes de integrar-se à UCSD, foi professor associado de Ciências da Computação na Universidade de Stanford, onde co-dirigiu o Grupo de Interação Homem-Computador e ocupou a cátedra de desenvolvimento Bredt Faculty Scholar. Tem duplo bacharelado em Arte-Semiótica e Ciência da Computação na Brown University, Design Gráfico na Rhode Island School of Design (RISD) e mestrado e doutorado em Ciências da Computação na Universidade da Califórnia – Berkeley. Mais informações em d.ucsd.edu/srk/

 


Comentários

Envie um comentário

RETORNAR