Ano: VII Número: 62
ISSN: 1983-005X
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Desenho industrial no Brasil (meados do século XIX até 1970) - parte I
Julio Roberto Katinsky
Tradutor(a):-

Esta é a primeira parte do texto integral Desenho industrial no Brasil (meados do século XIX até 1970), de Julio Roberto Katinsky. Publicado em versão menor na coletânea de Walter Zanini, História Geral da Arte no Brasil, em 1983, trata-se da primeira grande narrativa do design brasileiro.

Para realizá-la, Julio Katinsky estabeleceu alguns conceitos, sustentados historicamente, tais como produto único/singular e produção em série, tentando desmontar falsos problemas que estavam presentes no debate extra-acadêmico do período. Também se propôs a um reexame de premissas alicerçadas por Niklaus Pevsner, a quem o texto se filia, sem deixar, no entanto, que a narrativa pevseneriana obstrua perspectiva crítica própria.

Devido à extensão do texto, que não cabe integralmente no site da revista, Agitprop dividiu o texto em três partes. Nesse número publicamos a primeira delas com suas notas de rodapé correspondentes. (EL)

 

Desenho industrial no Brasil (meados do século XIX até 1970)

O desenho industrial não comparece no conjunto maior da História Geral da Arte.

Seu estudo, em nossa cultura, sempre foi abordado através de monografias especializadas. Nesse sentido o livro de Nikolaus Pevsner, Pioneiros do Movimento Moderno, de 1936, continua sendo o modelo mais feliz e aqui também será utilizado como paradigma (1).

Além disso, a introdução do Desenho Industrial como problema e discussão teórica e tão recente no Brasil, que obrigatoriamente necessitamos nos referenciar a fatos ocorridos na Europa e Estados Unidos, para situar corretamente os problemas aqui discutidos (2).

O desenho industrial nada mais é que um capítulo ainda mal estudado do destaque, ocorrido a partir da Renascença Italiana, entre o “projeto” e a “execução” dos objetos. Efetivamente é então que se identificam estes dois termos como complementares, sem dúvida, mas separados (3).

Podemos, pois, em primeira exposição, definir o desenho industrial como sendo projeto de bens com vistas a sua produção através da indústria moderna. E podemos assinalar o surgimento de um grande debate público onde os dois termos: “projeto” e “indústria moderna” comparecem como preocupações centrais a partir de meados do século passado. Mais precisamente, a partir da grande Exposição de Londres de 1851.

Este acontecimento é significativo, não só pelos seus êxitos verdadeiramente gigantescos, como pelas críticas veementes que suscitou.

Com efeito, lançada para vender a imagem universal da concórdia e harmonia entre os povos através dos frutos do comércio e da indústria moderna, a exposição surpreendeu pelo ineditismo de seu gigantesco pavilhão de madeira, ferro e vidro, uma imensa estufa parecida com aquelas já familiares do público presente nos jardins botânicos. Mas, ao invés de plantas exóticas das mais remotas regiões, abrigava, como novas flores de estufa, os produtos de inteligência humana. Tudo é claro, sob o patrocínio e proteção da mais conhecida e poderosa monarca da terra, a rainha Vitória.

É obvio que a iniciativa constitui-se num excelente negócio, razão pela qual, vários países imitaram o empreendimento, não só no século XIX, mas até nossos dias. Poucas, entretanto conseguiram rivalizar com a primeira, isto é, poucas foram simultaneamente o melhor negócio e o maior acontecimento cultural do momento.

Na verdade, a Exposição Universal de 1851 provocou, antes mesmo de ser instalado, certo "mal estar" na intelectualidade inglesa (4).

Mas as reações mais violentas ocorreram depois da exposição, ante o espetáculo caótico que ela apresentou. A reação mais consequente foi aquela que originou a cooperação mais estreita de intelectuais, saídos em grande parte de Oxford, tais como, Burne Jones e William Morris a Dante Gabriel Rossetti; e que, patrocinados por Ruskin, iriam constituir o movimento pré-rafaelista inglês. Estes artistas-poetas muito sensíveis ao ideário romântico, principalmente no que se refere a um dos aspectos mais explosivamente modernos do romantismo, ou seja, a íntima relação da Estética com a Ética deveriam ver os produtos da exposição triunfante como um verdadeiro sarcasmo aos seus mais caros ideais.

Somente para fixar as ideias, suponhamos a seguinte consideração: as colunas jônicas ou dóricas tinham sido construídas geralmente com 1,50 a 2,00m de diâmetro por 8,00 a 10,0 m de altura (de pedra) para participar da morada de deuses. Imaginem-se colunas imitando as acima citadas, mas com 8 a 10 em de diâmetro, por 1,50 a 2,00m de altura, construídas de ferro fundido, servindo de moldura para aparatos, cujos movimentos mais lembrariam grotescos e monstruosos animais.

Esta analogia parece-me bem da época: uma das máquinas mais prezadas no começo do século, a pequena máquina a vapor de Trevithick, foi apelidada de gafanhoto.

Acresce que os industriais, fabricantes de colunas e grades, para valorizar as vantagens de seus novos produtos (no seu afã de conquista de mercado) tornavam esbeltas essas colunas o mais possível, numa proporção entre o diâmetro e o comprimento nunca inferior a 1:20, ora, as colunas de pedra (ou alvenaria imitando pedra) raramente ultrapassavam a relação 1:8.

Como esses produtos, geralmente de ferro fundido, eram fabricados em moldes de areia para resistir à alta temperatura do ferro líquido, os ornatos imitando folhas de acanto da velha tradição clássica deveriam ser eliminados ou simplificados para se tornarem economicamente viáveis.

Há ainda um fato notável que aparece pela primeira vez nessa exposição, mas que é verificável hoje em qualquer feira de utilidades: os industriais, em sua maioria, normalmente guiam-se, para programar seus produtos pelas tendências do mercado, como se diz hoje. Ora, essas tendências não são conhecidas de antemão. Por isso mesmo, certa margem de risco envolve a produção de bens para o consumo público. Também não se sabe exatamente de que o público vai gostar(e, portanto, comprar) frente à, digamos, dois produtos similares quanto ao uso. Assim muitos produtos são lançados no mercado ao azar. Sem muita segurança, por parte do próprio produtor, de sua validade ou não.

Quando visitamos uma exposição industrial armados de um mínimo de arsenal crítico, choca-nos o imenso desperdício de talento e trabalho que elas em conjunto apresentam. Talento e trabalho que, por outro lado, serviriam para minorar as mais elementares carências sofridas pela maior parte da população humana.

Estes fatos só poderiam aparecer diante dos jovens, futuros integrantes do pré-rafaelismo, educados nas melhores universidades inglesas, como a própria manifestação da barbárie. Barbárie esta que já se manifestara na vida incrivelmente molesta dos bairros populares de tão celebrada cidade industrial denunciada na geração anterior por escritores do porte de Charles Dickens.

É, pois compreensível que esses jovens, entre seus ideais e essa sórdida realidade, optassem pela condenação integral da indústria moderna, e se refugiassem na idealização de uma época anterior onde o fazer e o pensar, o produzir e o consumir, teriam estado ao alcance de todas as pessoas.

Mas se tivessem permanecido na recusa poética da realidade presenciada, sua contribuição não mereceria o destaqueque todos os historiadores, muito justamente lhes deram: sua atitude poderia ser considerada mera continuação das proposições das duas gerações românticas que a precederam (5). O mérito maior dos pré-rafaelistas, e em particular de William Morris, foi o de levar às últimas consequências o ideário romântico. Não só ante o dilema arte-indústria contemporânea eles reafirmaram o termo arte, condenando integralmente o termo indústria contemporânea, como tentaram viver a proposição vida quotidiana integralmente como obra de arte.

E bem conhecido o esforço do poeta William Morris, estimulando projetos de residências que incidentalmente contribuíram para o estudo e produção da vernacular Architecture - Inglaterra e Continente, (fonte ainda hoje de inspiração para debates em torno dos objetivos e alcances da própria arquitetura), desenhando móveis, projetando papéis de parede; imprimindo, manualmente, seus próprios poemas e novelas.

Mas na própria fricção com atividades tão pouco correntes entre poetas, William Morris sofreu uma evolução curiosa: de reformador estético, quase insensivelmente, foi passando para a posição de reformador social. E, no fim de sua vida, chegou a frequentar grupos de emigrados continentais, identificados como perigosos agitadores sociais. O movimento Arts and crafts (Artes e ofícios) continuação do pré-rafaelismo empolgou a imaginação de inúmeros artistas e cidadãos empenhados em levar os benefícios da cultura e do progresso a todas as camadas da população.

É sintomático que na década de 1890, até mesmo em São Paulo, já era fundado o Liceu de Artes e ofícios para a instrução popular pelos republicanos que iriam em seguida fundar a Escola Polytechnica de São Paulo. Este movimento inglês irá contribuir poderosamente para a constituição do movimento Art Nouveau, sem dúvida, o movimento artístico síntese do século XIX e que abre as perspectivas mais amplas para os movimentos do século XX. É quando o dilema arte-indústria moderna apresenta-se, pela primeira vez, resolvido de maneira suficientemente sugestivo para empolgar o entusiasmo e imaginação de uma imensa variedade de pessoas. Para apreciarmos, entretanto, corretamente a “estética do Art Nouveau”, é forçoso examinar pelo menos mais duas contribuições: as criações não eruditas do século XIX, e a contribuição politécnica. É o que faremos em seguida.

Quando assinalamos o êxito da Exposição Universal inglesa em 1851, deixamos em suspenso a afirmação de que ela se constitui num excelente negócio. Isto significa também que os produtos ali expostos encontraram acolhida favorável por parte de milhares de pessoas. E há mesmo um testemunho notável de intelectual que contrasta vivamente com o retrato que os pré-rafaelistas nos dão da indústria contemporânea. Refiro-me ao filósofo alemão Karl Marx, em sua obra O Capital. De fato em inúmeras passagens (principalmente quando ele traça sumariamente a evolução do trabalho da manufatura para a maquinofatura cap. IV tomo I) sua apreciação é bastante positiva em relação aos produtos da grande indústria que lhe era dado observar (6).

Ora, esta atitude não é atípica no século XIX. Milhares de pessoas foram capazes de absorver os produtos industriais e elaborar, a partir daí, propostas inovadoras de objetos. Para tornar mais clara esta atitude, retomemos o exemplo anterior da coluna de ferro fundido. Se nós a olhássemos como os eruditos, ela não passaria de grotesca contra facção de uma das mais prestigiadas criações humanas. Se, porém, a olharmos como um elemento de uso, sem atentar para esta contribuição cultural que a reveste, então poderemos perceber suas óbvias vantagens: ela realiza um trabalho que dificilmente seria possível obter com os materiais até então utilizados, ela suporta cargas maiores que uma coluna de madeira ou de pedra, é proporcionalmente mais leve, mais deslocável. Por isso foi aceita assim que surgiu e foi largamente utilizada em construções, frequentemente provisórias, ou desimportantes do ponto de vista da arquitetura mais comprometida com a ostentação das qualidades que os grupos dominantes pretendiam exibir.

E foram milhares as construções, raramente conservadas, como quiosques, coretos, varandas a usarem colunas de ferro fundido.

Centenas de toneladas de ferro fundido desembarcaram nos portos americanos, adaptados como grades para balcões, suportes de lampiões postes e esteios. Configuraram as faces das cidades latino-americanas, absorvendo com graça no desenho que perdura ainda em muitos edifícios, obra de artistas anônimos e já assinalados por Lúcio Costa em seu clássico estudo: Documentação Necessária de 1937:

Verifica-se, assim, portanto, que os mestres de obra estavam, ainda em 1910, no bom caminho, fiéis à boa tradição portuguesa de não mentir, eles vinham aplicando, naturalmente, às suas construções meio feiosas todas as possibilidades da técnica moderna, como, além das fachadas quase completamente abertas, as colunas finíssimas de ferro, os pisos de varanda armados com duplo T e abobadilhas, as escadas também de ferro, soltas e bem lançadas ora direitas, ora curvas em S, outras vezes em caracol, e, ainda, várias outras características, além da procura, não intencional, de um equilíbrio plástico diferente. [vide fig. 2]

Estes elementos industriais eram apostos, pois a corpos de fábrica tradicionais, compactos, pesados e conferiam ao conjunto um contraste, acentuando um aspecto aéreo, transparente. E, essas varandas de ferro e escadas, justamente valorizavam artisticamente (porque eminentemente plásticas) esses produtos da indústria. Pode-se dizer que a indústria inglesa (ou continental) vestiu as carrancudas fachadas coloniais a tal ponto, que hoje, indo a Ouro Preto ou La Paz, dificilmente podemos imaginar como eram essas cidades antes da Independência. Não se trata de abastardamento dos elementos industriais, mas, ao contrário, de legítimo desfrute das novas possibilidades abertas pelos novos elementos fabricados. Esse apreço foi tão generalizado que, constata-se hoje, cruzou o Atlântico e através de profissionais recém- libertos no Brasil, instalou-se também na África, com uma técnica artística ou projeto que irá obter grande ressonância no começo do século XX, na escola de Paris. Refiro-me às collages e ready made dos cubistas.

Mas não foi só na periferia que se deu essa manifestação de criatividade. Fenômenos semelhantes terão ocorrido também na Europa com as mesmas características: edifícios provisórios, ou suficientemente insignificantes para não despertar interesse de profissionais habilitados. Infelizmente pouco dessa intensa atividade criadora foi convenientemente registrado e documentado. Mas mesmo assim não há por que acreditar que os europeus não teriam condições de desenvolver uma atividade tão criadora quanto os semianalfabetos povos periféricos. E de fato, pelo menos em um lugar, temos informações mais completas.

Trata-se daquelas construções aparentemente utilitárias, insignificantes como técnica e nas quais as preocupações da Grande Estética estavam ausentes. Como consequência do renovado interesse generalizado pelas ciências, principalmente experimentais, organizaram-se jardins botânicos em toda a Europa, onde se pretendia estudar a flora, não mais por desenhos ou espécimes mortos, mas através do ciclo completo da vida. O resultado mais palpável desses jardins pode ser exemplificado na aclimatação de uma espécie brasileira a Hevea brasiliensis, a árvore da borracha, para o clima e a região da Malásia, aclimatação essa realizada trabalhosamente na Inglaterra. Para conservar plantas de um clima tão diverso quanto o inglês, fez-se necessário construir pavilhões especiais que reproduzissem as condições climáticas das terras de origem dessas plantas exóticas. São as célebres estufas que caracterizaram de tal modo os jardins botânicos científicos, que foram construídas até mesmo no Brasil.

Paxton, por exemplo, o construtor do grande pavilhão da Exposição de 1851, era jardineiro e construiu previamente algumas das mais belas estufas conhecidas. E foi essa experiência concreta e até então anônima que o habilitou a construir o célebre pavilhão. Alguns arquitetos mais sensíveis, como Labrouste, tentaram, com êxito, absorver essas novas lições ministradas pela criatividade não erudita. Já no século XIX, sua biblioteca Sainte  Geneviève foi projetada com um envelope de pedra e alvenaria, sendo o interior liberado por finas colunas e abóbadas de ferro.

Mas foram os artistas Art Nouveau que com mais franqueza e determinação absorveram esse novo modo de projetar. Para isso fazia-se necessária a mediação dos novos construtores, os engenheiros. A Escola Politécnica, na França, fundada em 1794 por Gaspar Morge e Lazare Marguerite Carnot, é explicada frequente mente como a unificação e reorganização das escolas militares (e aristocráticas): a École de Ponts et Chaussées, École du Génie Militaire de Mezières, cujos quadros apresentavam-se maciçamente desfalcados pela Revolução, pois grande parte de seus professores ou tinha fugido, ou tinha sido guilhotinada. A Escola Politécnica foi, com certeza, uma unificação das velhas escolas técnicas militares. Mas foi bem mais que isso. Foi também uma notável reorganização do ensino da engenharia. Com vistas a quê? A meu ver, a Escola Politécnica deveria, para seus fundadores, responder, na França, ao desafio lançado pela Revolução Industrial Inglesa do século XVIII.

Se há um local e uma época que merece o título de Revolução Industrial este é sem dúvida a Inglaterra entre 1700 e 1790. E a expressão parece ter sido cunhada especialmente para a Inglaterra pelos estarrecidos testemunhos desse magnífico desenvolvimento humano. Não houve campo da atividade social que não sofresse modificações sensíveis e definitivas. Se não vejamos. A humanidade, no campo da energia, contava, desde sua aurora, com a força muscular, a força hidráulica e eólica. Calor era utilizado só para espantar o frio e cozinhar legumes. Pois Newcomen, em 1712, associa-se a Savery para explorar a primeira bomba a vapor economicamente viável: a primeira máquina a vapor conhecida, realizada com êxito. Daí em diante, inúmeros aperfeiçoamentosvão sendo acrescentados até chegarmos a Watt e sua máquina a vapor universal.

No campo da energia assistimos, pois, a uma transformação radical: a energia natural vai tender a ser substituída por uma energia inteiramente artificial, fabricada pelo. Homem. A indústria têxtil, de indústria doméstica rural e dispersa, tenderá a se concentrar e mecanizar nas grandes cidades.

A indústria metalúrgica se desenvolve, generalizando-se o alto forno para a siderurgia com a troca de carvão vegetal pelo coque de origem fóssil. Daí se obter ferro fundido com alto teor de carbono. As estradas e canais se desenvolvem, havendo inovações que se espalharão pela terra (Mackadam-em português macadame).

Mas não só na produção de bens tangíveis a Inglaterra se destaca: os escritores e pensadores ingleses vão gozar de um justo renome que, eu temo não se repetirá mais nos séculos seguintes. Os enciclopedistas franceses tomarão esses pensadores como seus modelos. E me parece que o célebre passo irônico do matemático D'Alembert no, seu prefácio à Enciclopédia traduz bem essa incontida admiração pela Inglaterra, e uma repreensão velada aos seus compatriotas:

O menosprezo que se tem pelas artes mecânicas parece ter influído até certo ponto sobre os próprios inventores. Os nomes desses benfeitores do gênero humano são quase todos desconhecidos, enquanto a história de seus destruidores, isto é, dos conquistadores, por ninguém é ignorada. Entretanto, entre os artesãos é, quiçá, onde se há de buscar as provas mais admiráveis de sagacidade de espírito, de paciência e de indústria. Reconheço que a maioria das artes foram: inventadas pouco a pouco e que foi necessário uma série bastante longa de séculos para chegarem os relógios, por exemplo, ao ponto de perfeição em que os vemos. Mas não sucede o mesmo com as ciências? Quantas descobertas que imortalizaram seus autores foram preparadas pelos trabalhos dos séculos precedentes, frequentemente levados à sua maturidade, a ponto de que não faltava mais que um passo a ser dado: E para não sair da relojoaria, por que aqueles a quem devemos o volante dos relógios, o escapo e a repetição, não são tão estimados, como os que trabalharam para aperfeiçoar a álgebra? Por outra parte, se dou crédito a alguns filósofos, para os quais o menosprezo que se tem por tais artes não os impediu de estudá-las, há certas máquinas tão complicadas e cujas partes dependem de tal modo umas das outras, que é difícil que a invenção se deva a mais que um só homem. Esse gênio raro, cujo nome está sepultado no olvido, não seria digno de ser colocado junto ao diminuto número de espíritos criadores, que nos abriram novas rotas na ciência? (8).

 

De fato parecia que a ilha estava sendo sacudida por um sopro de transformações (uma verdadeira revolução) que a colocava como a mais poderosa nação do planeta. Entender o acontecido seria a chave do mais fáustico de todos os poderes: o poder sobre a matéria e sobre todos os homens. E não só os intelectuais franceses se empenharam em entender o fenômeno, mas os ingleses (A. Smith) e, em seguida, os alemães (Marx).

A resposta francesa ao desafio inglês foi, entre outras infelizes, a reorganização do ensino técnico. O projeto de dotar a França de uma escola de alto nível, para formar os inventores necessários para tirar o relativo atraso em relação à Inglaterra foi concebido e executado com o conhecido furor sistemático francês, sendo coroado do mais completo êxito. É sintomático que um dos maiores triunfos da jovem Escola Politécnica se situe na termodinâmica. Ora, é óbvio que o estudo do calor foi fundamental para a progressiva potenciação da máquina a vapor. Mas não só; graças à Politécnica, a tecnologia passa a ser no século XIX predominantemente francesa. Só não foi mais, porque quase todos os povos civilizados copiaram, mais ou menos rapidamente, a receita francesa (O Brasil tem sua primeira politécnica no Rio na década de 1870).

De fato, se a École Politechnique não conseguiu realizar uma segunda revolução industrial tão decisiva para a história da humanidade quanto a inglesa, ela conseguiu pelo menos, no século XIX, preparar o exército de técnicos de que a burguesia francesa necessitou para emparelhar-se com a indústria da ilha na concorrência dos mercados mundiais. (9)

Entre os vários campos de atuação, a engenharia do século XIX também na construção marcou vitórias expressivas: os grandes vãos foram vencidos, em obras mais institucionais que econômicas, mas que abalaram seus contemporâneos: ponte sobre o Douro, viaduto Garabit, ponte de Brooklin, aparecendo a expressão estética do engenheiro em contraposição à velha estética tradicional. Ainda recentemente realizou-se uma exposição em Paris no prestigioso Centre Georges Pompidou, pelo Centre de Creation Industrielle, sob o título Architectures D'Ingenieur (10). Ora, a expressão estética do engenheiro é pelo menos ambígua.

Se nós a tomarmos no seu sentido estrito, ela não passa de uma fábula. Fábula, aliás, para a qual os próprios engenheiros raramente contribuíram com argumentos. Muito ao contrário, os poucos pronunciamentos que possuimos, todos do século XX, seja Maillart, Nervi, Torroja, Candela; ou são evasivos, ou são vagos e tímidos, apelando para uma racionalidade da forma que seria subscrita por qualquer arquiteto do século XVIII, em pleno período neoclássico, ou para considerações intuitivas que não resistem à menor análise (11).

Ao contrário, possuímos, por exemplo, memórias concisas de um dos maiores calculistas contemporâneos, Joaquim Cardoso, responsável por algumas das mais ousadas construções de Brasília e que mostram, inequivocamente, que se deixou, na concepção dessas estruturas, guiar-se pelas intenções estéticas das propostas prévias do arquiteto. E tanto mais esse exemplo é eloquente, quando sabemos que o calculista possuía uma vasta erudição no campo da história da arte, sendo poeta respeitado universalmente. Portanto, não é um leigo em matéria de arte como desconfiamos em relação aos outros engenheiros citados. Na verdade, o engenheiro, em sua postura profissional, se exime de qualquer compromisso estético pessoal e, curiosamente, mais avança nessa atitude quanto mais qualificado se apresenta em sua atividade. Isto não quer dizer que, fora do âmbito de seu trabalho, não tenha, como qualquer pessoa, preferências estéticas.

Porém, acostumado a raciocinar com conceitos precisos, comprometidos com grandezas mensuráveis, as ideias estéticas aparecem sempre corno perturbação ao rigor e clareza do discurso técnico, quando não vaga leviandade. (12)

Mas se não foram os engenheiros que inventaram a estética do engenheiro (suposto serem os maiores interessados em se auto proclamarem os substitutos dos arquitetos) cabe a pergunta: quem foi que inventou essa fábula? A resposta é tão simples quanto surpreendente: foram alguns artistas Art Nouveau e críticos de arte que os apoiaram. Os engenheiros são elementos básicos do novo estiloe os engenheiros são os arquitetos de hoje, (13) conceitos expressos por Van de Velde dão bem a medida do entusiasmo desses artistas pelo novo profissional inventado pela burguesia francesa. Convém, entretanto explicar esse entusiasmo (verdadeiro) apoiado nessa premissa (falsa).

Através da exaltação do engenheiro, de uma forma alegórica, na realidade os artistas Art Nouveau estavam incorporando em bloco a tecnologia moderna no universo de suas preocupações estéticas. Estavam tentando projetar já aceitando a moderna tecnologia. Ao mesmo tempo, era uma forma de exorcismo: esses artistas eram todos oriundos da Escola de Beaux Arts - ou tinham trabalhado com antigos alunos de escolas de Belas Artes. Assim, a exaltação do engenheiro era uma forma de demolir a velha estética que se embalsamara nessas escolas, postulando uma beleza totalmente divorciada da economia. Isto é, com soberano desprezo pela vida vulgar, os chamados artistas acadêmicos, herdeiros e continuadores da estética neoclássica, estavam dispostos a produzir beleza, mas exigiam a perpetuação de modos de produção (como a cantaria) totalmente incompatíveis com a realidade cotidiana.

O Art Nouveau se espalhou pela Europa, tomando vários nomes e apresentando tal riqueza de soluções, que é difícil, a primeira vista, reconhecerem-lhe a unidade. De fato, na França e Bélgica chamou-se Art Nouveau, na Itália Floreale, na Alemanha, chamou-se Jugend-still e Sezession no império Austro-húngaro.

A despeito de estéticas (poéticas) regionais ou mesmo pessoais, que não interessa examinar em detalhe aqui neste capítulo, podemos resumir as páginas precedentes, estabelecendo as fontes fundamentais do movimento Art Nouveau da seguinte maneira: confluem para esse movimento a crítica universitária inglesa, representada principalmente por William Morris; a criatividade não erudita, representada por Paxton; e a tecnologia moderna representada pelos engenheiros franceses.

Nenhuma dessas fontes entra simplesmente somando-se às outras, mas numa síntese que até certo ponto nega as premissas sobre as quais se apoia. Do movimento inglês o Art Nouveau aceitou a proposição de totalidade do projeto do ambiente humano. Mas ao mesmo tempo negou a obrigatoriedade de salvação da arte pela recusa da indústria moderna. Aceitou a tecnologia do século XX, mas desvirtuou-a na medida em que a submeteu a um imperativo estético que lhe era alheio. Incorporou a estética não erudita, mas a encaminhou para a individuação, para a caracterização do instante único da ação do artista "livre" da sociedade burguesa. Há uma quarta fonte, subterrânea, que é o neoclassicismo transmitido pela Escola de Belas Artes e da qual nenhum artista escolarizado dos séc. XIX e XX escapa, mas que aindanão está suficientemente caracterizado criticamente.

O Art Nouveau é o primeiro movimento de arte ocidental em que podemos caracterizar o desenho industrial. Há uma unidade fundamental na obra desses artistas, que nos permitem reconhecer as mesmas diretrizes estéticas: seja numa capa de livro, num móvel, num vaso ou jarra, ou numa grande construção, teatro, fábrica ou mesmo navio.

Dessas diretrizes, convém destacar três, pois elas perduraram até nossos dias. São as seguintes:

a) o objeto é condicionado (ou se cria ou se expressa) pelo material.

b) o objeto é condicionado (ou se cria ou se expressa) pela estrutura.

c) o objeto é condicionado (ou se cria ou se expressa) pela função.

A primeira diretriz, seguida com entusiasmo quase místico, conduziu esses artistas a tal maestria sobre os materiais efetivamente trabalhados: seja vidro, porcelana, prata, madeira, tecidos, etc., que nos fascinam, mesmo passados mais de setenta anos. E alimentam o enlevo dos colecionadores. Basta ver um vaso de Tiffany, um jogo de chá de Van de Velde, uma grade de ferro forjado de Gaudi, para compreendermos que esses artistas dominaram a matéria como há mais de duzentos anos não se verificava na Europa. Para buscar paralelo na história da arte, deveríamos nos aproximar dos artistas renascentistas ou alguns (excepcionais) barrocos.

E de fato, essa investigação perseguida com perfeita paciência comparece nos textos desses artistas: da natureza dos materiaisé recolhida anos depois, por exemplo, pelo poeta futurista Marinetti quando fala no lirismo da matéria (14). Ora, qual é a natureza dos materiais? Marcel Breuer, eminente designer teuto americano, por exemplo, fala também da natureza dos materiais. Parece-me também ele ligado às ideias Art Nouveau e toda a ligação mística em torno dos materiais (15).

Vale a pena observar a inconsistência (teórica) dessa posição. Tomemos como exemplo a madeira. Se aproximarmos um artefato de índio brasileiro, arco ou banco cerimonial, onde o artífice só contou com machado de pedra, ou dente de um roedor; veremos que ele trabalha sua matéria de modo totalmente diverso de um marceneiro egípcio, ou carpinteiro medieval, com suas peças geralmente esquadrejadas e articuladas por pinos também de madeira.

Agora, se aproximarmos esses objetos de modernas peças de contraplacado, ou de madeira lamelar ou ainda de chapas de fibra de madeira prensada, nas quais os aglutinantes podem ser inclusive colas de alta resistência; veremos que conforme variam os instrumentos, a natureza do material (no caso madeira, celulose) sofre radicais transformações. E não há razão para se imaginar que esse processo vá estacionar. Podemos então dizer que a natureza dos materiais é aquela que os homens, em conjunto, atribuem-lhe no seu trabalho em permanente progresso.

b) o objeto como expressão da estrutura. Já se encontra bem definida em Choisy, na primeira edição de sua clássica História da Arquitetura, que é de 1899. Foram os arquitetos Art Nouveau, entretanto, que a transformaram em principio universal da arte construtiva. Apesar de reconheceremos o impacto das modernas estruturas de aço, consagradas na Tour Eiffel de 1889, cabe aqui uma breve consideração sobre construções prestigiadas já na aurora da ascensão burguesa: refiro-me àquelas construções em gaiola, com uma estrutura de madeira, e com enchimentos de adobe ou tijolo. Essas construções foram largamente executadas em toda a Europa. Sucede que, enquanto nos países mediterrâneos elas eram recobertas de reboco, na Inglaterra, França, e às vezes na Alemanha, as estruturas de madeira eram acentuadas, recortando-se os panos de parede em pequenos planos claros contra o escuro das traves, barrotes e aspas de Sto. André.

No século XVI, na Inglaterra, essas construções atingiram um apuro de desenho que nos obriga a considerar sua execução como obediente a um ideário estético preciso.

No século XVII, na França, é o poeta da corte Pierre Corneille, em pleno classicismo francês, que nos surpreende adquirindo uma casa desse tipo. Justamente no mesmo período do Art Nouveau, desenvolveu-se um estilo de construções, sem grandes teóricos para apoiá-lo, e que no Brasil ficou conhecido como estilo normando. Mesmo arquitetos prestigiados posteriormente, projetaram e construíram casa onde a estrutura parecia ser o elemento decorativo fundamental: Adolf Loos, Le Corbusier e Lúcio Costa. E o grande construtor de aviões experimentais, Santos Dumont, ao construir sua casa em Petrópolis, adotou, vagamente, o estilo normando para sua construção. São tantos os exemplos de casas desse tipo, revelando uma persistência estética incólume à moda, que parece pouco arbitrário associar esse princípio a uma das mais caras aspirações da burguesia.

c) o objeto como expressão da função.

É este um princípio exposto com mais ou menos felicidade, desde os primeiros escritos conhecidos sobre Arquitetura. A fórmula: A forma segue a funçãode autoria do arquiteto americano Louis Sullivan, entretanto, parecia resumir toda uma nova visão mais aderente ao espírito científico então em voga, com sua óbvia conotação biológica. Principalmente na sua interpretação europeia (16).

O Art Nouveau provara, pela sua difusão, que a arte não estava morta na nova civilização emergente da indústria moderna. O passo seguinte, e obrigatório, seria a reorganização da escola, local de transmissão para as novas gerações dessa nova arte industrial.

É evidente que, perante os desafios enfrentados, a velha academia com seu ensino gradativo, ancorado nas artes do desenho não poderia prosseguir. Não poderia responder à intimidade dos materiais a que o novo projetista deveria se habituar. Nem às novas estruturas, a exigir outras considerações estéticas que não a memorização das proporções de antigos palácios. Nem às novas funções propostas pelo quotidiano das novas cidades. Mas é paradoxal que o Art Nouveau tenha contribuído para renovar a Escola, justamente quando já tinha deixado de ser o movimento culminante da arte europeia.

De fato, se considerarmos o início desse movimento (com as primeiras obras do Barão Victor Horta), na Bélgica, nos meados da década de 1880, podemos assinalar seu apogeu na primeira década do século XX. Poucos anos, entretanto, e o Art Nouveau já era um movimento do passado, sendo trabalho de especialistas verificar os vínculos existentes entre os arquitetos e artistas que se destacaram no primeiro após-guerra e seus antecessores imediatos.

Custa a compreender como um movimento tão promissor, cuja estética totalizante resolvera um pesadelo de pelo menos cem anos (qual seja, as relações da arte e da indústria) se esvaziasse feito um balão de gás, melancolicamente, em tão pouco tempo. Uma possível causa para esse fenômeno é que o Art Nouveau não conseguiu estabelecer uma doutrina coerente e organizada sobre a cidade. Não há um urbanismo Art Nouveau, como existe uma teoria (e prática) do desenho industrial e da arquitetura. O Art Nouveau permanece na cidade, mas não repropõe a cidade. Ao contrário, se conforma à cidade existente sem lhe acrescentar nenhum conteúdo polêmico, por assim dizer. Esta afirmação ê particularmente visível em Chicago nas áreas onde os arquitetos americanos companheiros de Sullivan mais atuaram. O compromisso dos edifícios com a trama das ruas é praticamente o mesmo que o de Paris de Percier e Fontaine.

Nesse sentido, podemos reconhecer que as grandes contribuições para pensar a cidade não vieram das áreas profissionais, mas, dos filantropos, dos socialistas de vários matizes e dos seus opositores conservadores, enfim, dos políticos.

Os arquitetos, grosso modo, no século XIX, ficaram ligados ou conservaram o ideário do classicismo francês adaptado cenograficamente às novas necessidades, resultantes do contínuo crescimento urbano, principalmente na Europa. Se consultarmos os grandes tratados de Arquitetura do final do século passado, Reynaud, Guadet ou Cloquet, vamos constatar a insignificante parcela dedicada ao traçado das cidades.

Ora, é justamente nessa área que se situam as maiores preocupações dos arquitetos posteriormente agrupados sob o nome de International Style ou Racionalismo, nas primeiras décadas do século XX. Caricaturando um pouco, podemos dizer que o ideário Art Nouveau mostrou-se capaz de resolver uma cafeteira ou binóculo, do ponto de vista de absorver a produção industrial; mas que foi incapaz de colocar essa mesma produção industrial a serviço da cidade. Denuncia-se assim o caráter eminente mente privatista do ideário Art Nouveau (17).

Ora, esses jovens arquitetos, principalmente Le Corbusier e W. Gropius, irão se destacar nos finais da década dos 20, por seus projetos de grandes conjuntos habitacionais. Particularmente Le Corbusier que, já em 1922, projetava uma cidade de 3.000.000 de habitantes.

Walter Gropius, entusiasmado com as grandes obras urbanas norte-americanas (grandes silos, unidades fabris, grandes edifícios da Escola de Chicago), encaminha-se mais para o habitat mínimo, o apartamento mínimo. E é justamente este arquiteto alemão que lidera a mais ousada reformulação do ensino artístico no século XX, a escola para formar os artistas da nova era industrial, a hoje célebre Bauhaus de Weimar.

Foi uma escola que despertou violentas polêmicas como atesta a sua abundante bibliografia. Por isso mesmo parece-me difícil negar-lhe este caráter pioneiro. Enquanto vários artistas Art Nouveau, até certo ponto, foram absorvidos pelas escolas tradicionais de belas artes alterando-lhes somente a temática; a Bauhaus se propôs realmente a estabelecer um novo modelo de ensino artístico, rompendo radicalmente com o ensino acadêmico.

Em síntese, o novo modelo está exposto no livro de Moholy Nagy The New Vision, do qual extraímos o seguinte tópico:

“Bauhaus:

A Bauhaus, uma universidade de arte, fundada por Walter Gropius em 1919 na Alemanha, esforçou-se em pesquisar as exigências do trabalho em equipe. Ainda que por razões de conveniência uma divisão em semestres fosseconservada, o velho conceito e conteúdo de escola era dispensado, e uma comunidade de trabalhadores estabelecida.

As potencialidades latentes em cada indivíduo eram fundidas num corpo livremente coletivo. O padrão de uma comunidade de estudantes era estruturado por estudantes que estudavam não para a escola, mas para a vida.

... ... ...

O programa educacional de Bauhaus, ou mais exatamente, seu programa de trabalho, coloca-se assim:

O primeiro ano na Bauhaus é de decisiva importância, especialmente para aqueles mais jovens que, em consequência da rotineira educação, trouxeram consigo uma estéril bagagem de informações livrescas.

O treinamento neste primeiro ano é dirigido para experiências sensoriais, em direção ao enriquecimento de valores emocionais, e em direção ao desenvolvimento do pensamento.

A ênfase é posta não tanto nas diferenças entre indivíduos, como na integração de suas comuns possibilidades biológicas, e nos fatos objetivos e despreconcebida aproximação com qualquer atividade. Após este primeiro ano inicia-se o período de treinamento especializado, baseado na livre vocação no interior das oficinas (18).(oficinas de pedra, madeira, metal, cerâmica, vidro, cor, têxteis) (19).

 

Este modelo de um curso genérico comum a todas as especialidades e posterior diversificação obedecendo a livre vocação do aluno manifestada livremente na prática das oficinas é bem conhecido nosso. Podemos aproximá-lo de uma descrição análoga, feita pelo historiador da ciência francesa dos séculos XVII c: XVIII, René Taton, quando apresenta a contribuição de Gaspard Monge para o ensino técnico:

A ideia de formar uma escola única, destinada a preparar as diversas categorias de engenheiros civis e militares remonta a 1793. Então, quando alguns desejavam organizar escolas distintas para os engenheiros de cada corpo, Lamblardie, diretor da (Escola) Ponts et. Chaussées e Monge acharam que uma formação idêntica em uma mesma escola, suprimiria, entre engenheiros das diferentes especialidades, essas rivalidades que até então atiravam uns contra os outros os oficiais das diferentes escolas militares.

... ... ...

Sua experiência (de Monge) de professor na escola du Génie de Mézières foi particularmente preciosa: ele mostrou o papel que podia jogar a geometria descritiva como técnica de base comum a todas as partes da arte do engenheiro. Ele conseguiu que fosse dada aos alunos uma formação teórica sólida completada por aplicações práticas: épuras de geometria descritiva, cálculos, experiências, construção de modelos e de instrumentos, execução real de certos trabalhos(20).

 

Não é preciso muito esforço para reconhecer na proposta da Bauhaus a transposição ao plano artístico de um modeloque dera tão bons resultados no plano tecnológico. Criticaremos este modelo mais adiante. Mas não podemos deixar de reconhecer a audácia de romper com um modelo (o da Belas-Artes) que já tinha nessa ocasião mais de trezentos anos de existência, sem contar suas primeiras sugestões que remontam a Alberti no longínquo 1436.

A Bauhaus vai aos seus anos mais combativos, (isto é, entre 1920 e 1930) girar em torno da herança ideológica do começo do século, e os desafios do projeto urbano consubstanciam  nos grandes projetos e concursos dessa década: concurso da Liga das Nações, concurso do palácio dos Soviets, quarteirões de habitação de Berlim, projetos de habitações populares do grupo holandês, todos, de forma direta ou indireta, participando do ambiente da escola, pois seus autores eram professores, ou tinham acesso à Bauhaus, através de suas publicações.

A contribuição desse momento particularmente rico da cultura europeia será examinada em outro capítulo deste trabalho. Aqui vamos examinar somente como foi encarado nessa escola o problema da indústria moderna e suas relações com o projeto. Para isso, voltamos a transcrever outro trecho o livro New Vision.

Na Alemanha vários grupos relacionaram-se com o problema da criatividade, tais como a colônia artística da Darmstadt em Matildenhöle, o "jovem estilo" (jugend-still); o movimento da escola de arte industrial (Peter Behrens, Josef Olbrich, Van de Velde) e acima de tudo, o .... "Werkbund".

Edifícios foram construídos para abrigar esses movimentos, periódicos e anais publicados. Todos tinham em vista o estabelecimento de uma ligação orgânica entre as forças criativas e a indústria. Na América, Richardson, Sullivan, e Wright lutaram por uma solução. Eles admitiram o espírito criativo no uso da maquina conduzido por genuínos inventores. Apesar disso, a indústria continuou lançando produtos, ignorante de suas próprias potencialidades criativas, e na maior parte seguindo protótipos tradicionais desenvolvidos pelo artesanato. Fora do tumulto de rejeição ou aprovação, pesquisa ou intuição, um princípio lentamente se cristalizou:

Não a peça singular, nem a mais alta consecução individual deve ser valorizada, mas a criação de tipos utilizáveis comumente, desenvolvimentos em direção a "padrões" (standards)(grifo do autor)(21).

Este princípio representa uma tomada de posição em relação a uma polêmica desenvolvida no começo do século XX entre Van de Velde e Muthesius e está bem descrita por Pevsner. Enquanto o artista belga defendia a peça singular, Muthesius defendia o produto tipo como característico da indústria moderna Como a maior parte das discussões sobre desenho industrial girou, nestes últimos cinquenta anos, em torno destas duas posturas, acho oportuno retomá-la, pois ela me parece ainda atual (22).

A primeira postura (peça singular) costuma-se associar ao artesanato pré-industrial. A segunda, (produto tipo) cor responderia a uma postura adequada à moderna indústria. Essa polêmica não encontra elementos consistentes nos fatos da produção. Ela é uma polêmica ideológica. E mais esconde que esclarece as relações do projeto com a indústria. Se não vejamos. Inicialmente, devemos observar que tanto a produção do passado, como do presente, sempre se organizou segundo sequências de operações conhecidas. Mas o que distingue a produção industrial moderna da produção anterior é seu caráter rigorosamente serial. Isto é, desde os tempos mais remotos, se tem absoluta certeza de que a humanidade sempre para produzir bens (quaisquer) organizou sequências de operações em intervalos de tempo que terão variado ao longo da história, mas que, para cada período, eram estimados com relativa correção. Sucede que essas sequências de operações antes do aparecimento da burguesia eram organizadas, digamos, aleatoriamente, influenciadas até por abusões místico-religiosos, ao sabor de circunstâncias que via de regra se fixavam como tradições intocáveis.

Foi um dos méritos da burguesia estabelecer, lentamente, uma disciplina, mas também uma análise cada vez mais rigorosa dessas sequências, organizando-as em séries, isto é, operações dispostas de tal modo que cada operação pressupõe necessariamente as precedentes e possibilita a seguinte.

Esta é a situação que marca, por exemplo, a diferença fundamental entre um protótipo e o próprio produto industrial, quando este vai ser repetido na produção em série. O protótipo é produzido em um laboratório sem a pretensão de se conseguir integralmente todas as condicionantes da série industrial. A transformação do produto aprovado em primeira instância deverá ainda sofrer a experiência da prática da própria fábrica, com os técnicos em organização do trabalho desmembrando o produto que se quer, na série de produtos (e operações) intermediários entre a matéria prima inicial (ou matérias primas) e o produto final. Este tipo de organização do trabalho já aparece na manufatura e está suficientemente maduro para sofrer uma primeira descrição na obra clássica da Adam Smith. Convém não esquecer que o próprio conceito matemático de Série é contemporâneo das instalações das primeiras manufaturas nos finais do século XVII, quase cem anos antes de Adam Smith. Mas o processo continuou até nossos dias com o florescimento dos tecnologistas norte-americanos da organização do trabalho, Taylor e o casal Gilbreth. E o caso de se perguntar quais são as características fundamentais que se buscam no estudo de cada operação da série. Podemos apontar três delas.

Cada operação deve ser controlada para se obter:

1) o menor intervalo de tempo;

2) a menor inversão de energia;

3) a maior constância possível no que se refere às características físico-químicas da matéria a ser trabalhada pela operação considerada.

A primeira característica foi desenvolvida por Taylor, com seus cronômetros, para: arcar os tempos das operações, checando a níveis de verdadeira obsessão. Foi ironizado na bem conhecida película da Charles Chaplin Tempos Modernos.

A segunda característica resultou no estudo dos gestos dos operadores e favoreceu a mecanização de inúmeras operações, sendo campo favorito do casal Gilbreth. Eles chegaram a um conjunto de 18 gestos elementares que comporiam todas as operações possíveis numa indústria. Essas duas séries de estudos foram sintetizadas num ramo da tecnologia da organização do trabalho, chamado Estudo dos Tempos e Movimentos (23).

A terceira característica é a mais penosa de ser desenvolvida, pois se desdobra em pelo menos dois aspectos: ela depende da tecnologia dos materiais, onde estes são permanentemente pesquisados, utilizando-se todo o imenso arsenal científico de que dispomos nomundo moderno.

Mas também depende de um projeto específico na maior parte das indústrias, pois são as operações divididas que irão conformando, por um processo somatório, o produto final. Resumindo: cada operação é reduzida tanto quanto possível a normas (padrões) universais, podendo-se dizer que a série industrial moderna abstraindo o uso humano, é constituída por operações normalizadas (operações padrão) que executam produtos padrão (ou produtos tipo).

Note-se que o produto padronizado nem de longe pode ser considerado uma conquista de nossa civilização moderna: o tijolo, por exemplo, já vem sendo produzido no Mediterrâneo há milhares de anos. Mas o que distingue um tijolo mesopotâmico de um tijolo sueco atual, é que o primeiro é determinado em sua forma e consistência por critérios amparados na tradição e no conhecimento empírico. O tijolo atual é fruto de um trabalho rigorosamente serial onde cada operação está sendo analisada com os recursos da tecnologia do trabalho, podendo sempre incorporar novas descobertas, e o material, também recebe o mesmo tratamento rigoroso da tecnologia dos materiais, a tal ponto que eventualmente podemos ter tijolos que nem são mais fabricados com argila e areia como foram durante pelo menos 7.000 anos.

À primeira vista, o fim de toda a indústria moderna seria produzir produtos padronizados, permanentes, rigorosamente iguais, indiferenciados aos milhares de milhões, para atender às necessidades padronizadas de milhões de pessoas. Acresce que raramente uma indústria moderna fabrica todos os componentes que entram na composição do seu produto: a regra é receber de outras indústrias, numa rede intrincada de relações comerciais extremamente dinâmicas, os componentes de que necessita. O produto padrão, com especificações racionalmente estabelecidas, viabiliza esse mercado enorme, onde só entram como agentes pessoas jurídicas, as firmas, verdadeiros entes de razão, e os produtos standard. Já que podemos padronizar a indústria, vamos também padronizar as necessidades humanas, e assim teremos um homem padrão idêntico (e substituível) a todos os outros. Mas os fatos não correspondem a essa ficção.

É fácil verificar, e nem há necessidade de uma grande biblioteca universitária para nós percebermos que grandes produtos da indústria contemporânea são construídos através de milhares de séries de operações padronizadas, sendo o produto final muito pouco, ou nada, padrão. Isto é, são produtos rigorosamente singulares. Refiro-me, em primeiro lugar, à indústria aeronáutica e naval.

Para uma observação distraída, um modelo de avião, por exemplo, o DC 10, é um avião que conseguiu atingir a marca astronômica de 300 exemplares iguais, como nos dizem os jornais após o acidente de Chicago (24).

Mas essa visão é falsa. Esses aviões todos foram produzidos por encomenda e em lotes. Há mais diferenças entre o primeiro lote de aviões e o último que entre as doze cadeiras barrocas da sacristia do Carmo de São João Del Rey. Isso porque pequenas modificações localizadas vão sendo introduzidas de lote para lote, devidas a correções no próprio processo de montá-los na oficina. Progressos nas indústrias subsidiárias (que fornecem componentes). E progressos na pesquisa tecnológica, frutos dos Institutos de Pesquisa e Universidades.

A tal ponto essas modificações vão se introduzindo (somando), que, a partir de certo instante, é mais vantajoso, sob qualquer ponto de vista, elaborar o projeto de um novo avião. Se quiséssemos reunir, num único local, modelos em escala natural de todos os aviões projetados e executados pela indústria mundial aeronáutica nesses escassos setenta anos de existência, o espaço coberto necessário seria imenso. E as formas reunidas seriam as mais díspares e imaginosas possíveis (25).

O mesmo problema coloca-se para a indústria naval, somente que os exemplares iguais são em menor número ainda. Um caso interessante é o das usinas hidrelétricas: cada usina é tão singular quanto um palácio, digamos o da Alvorada. E, no entanto, seria um absurdo não considerá-la, um produto da indústria moderna.

E como não se pode estocar energia elétrica, como se sabe, esta deve ser produzida quase instantaneamente, em função da demanda. Assim a única solução encontrada foi integrar todas as usinas naquilo que se chama sistema interligado, de tal sorte que se eu acendo uma lâmpada no meu quarto, idealmente falando, este pequeno fato pode ocasionar uma alteração de produção 1á no Paraná, em Ilha Solteira. Assim, para essas variações instantâneas de energia, necessária se faz dotar essas usinas e as centrais de distribuição de cérebros computadores que processem todo esse fluxo energético. Isto é, as mais sofisticadas manifestações da técnica contemporânea ali comparecem obrigatoriamente.

Finalmente e não menos importante, a indústria de habitações e a indústria de construção também usam produtos comercializados em padrões e no, entanto se procuram e se conseguem objetos, no terminal das séries de operações, bastante diferenciados. É verdade que se verificam muitos exemplos de ineficiência e desperdício na indústria de construção. Mas não maiores que os desperdícios e ineficiências verificados na indústria naval e aeronáutica; nos navios e aviões de guerra, por exemplo.

Podemos, pois, sintetizar estas considerações nas seguintes proposições:

a) todo produto obtido através de séries rigorosamente normalizadas, qualquer que seja a extensão da série, é um produto da indústria moderna;

b) a série de operações pode terminar em produtos repetidos (standard como copos ou agulhas);

c) a série de operações pode terminar em um único produto (como um: navio, edifício ou cidade) (26).

Se na realidade da produção efetiva verifica-se a inexistência de uma contradição fundamental entre produto standard e produto único (singular) a que fica reduzida a pretendida polêmica?

A meu ver, Van de Velde, ao defender o produto singular aparentemente romântico e passadista, estava defendendo o incondicionamento do destino humano em relação ao mercado. Muthesius ao defender o produto tipo, na realidade, estava defendendo o admirável mundo novo desse mercado das corporações onde só entram em consideração os próprios dados racionais desse mesmo mercado (ou assim alguns gostariam que fosse). Para essa antiutopia sufocante o ideal seria um mundo onde todos os operadores humanos pudessem ser substituídos por máquinas que eventualmente pudessem até reproduzir-se, e fossem destituídas daqueles defeitos que conduzem os homens às situações conflituosas ou mesmo destrutivas. O consumidor, a essa altura, já estaria também ele padronizado de modo a não perturbar o fluxo ininterrupto dos produtos (27)

Essa segunda posição é totalmente irreal. No início e no fim do processo encontramos homens reais, individuados, de carne e osso, sonhos e aspirações. Gropius, na Bauhaus, assumiu uma posição ambígua perante essa polêmica. Ainda que ostensivamente apoiasse a posição da defesa do produto standard (portanto ideologicamente de acordo com Muthesius) centrava as mais altas preocupações da Escola na Arquitetura e Urbanismo. Esta ambiguidade foi bem acentuada pelo

Sr. Rozemberg, alto funcionário nazista, quando propôs, em 1933, nas vésperas do seu fechamento, a eliminação da palavra Bauhaus, do nome da Escola (28).

O arquiteto francês, Le Corbusier, em contrapartida, em relação à pretendida contradição, em 1914-1916, no projeto das casas Dom-ino, dava a primeira demonstração prática de unir elementos tipos e projetos individualizados, singulares. Preocupação que conduziu com êxito até o final de sua vida.

Como são sabidos, os artistas que trabalharam na Bauhaus, foram impedidos de trabalhar na Alemanha nazista e, aos poucos tomaram o caminho do exílio. Boa parte deles se encaminhou para os Estados Unidos da América. É interessante observar sua trajetória fora da Alemanha, pois a repercussão de seu trabalho se ampliou.

Gropius e Mies Van der Rohe, antigos diretores, fundaram ou organizaram cursos nas Escolas de Arquitetura. Moholy-Nagy tentou, inicialmente, reconstruir uma escola igual à alemã, a tal ponto que seu nome seria The New Bauhaus (a nova Bauhaus). Posteriormente foi batizada de Instituto de Projetos de Illinois (Illinois Institute of Design) (29).

Esses artistas encontraram um meio para desenvolver extremamente complexo. E não puderam, rigorosamente falando, transplantar seu ideário europeu para a nova pátria de adoção. Inclusive porque o parque industrial americano era já muito mais dinâmico do que seu país de origem. Também num ambiente dominado pelas enormes corporações, não havia lugar para a utopia urbana. A única utopia permitida era a rejeição da cidade e a valorização do sonho bucólico, como está concretizado na utopia Wrightiana da Broadacre City. Esta também cruelmente satirizada por Chaplin, na época, em Tempos Modernos.

Por isso, provavelmente, houve essa cisão pragmática entre uma escola voltada para o Industrial Design de um lado, e as escolas de Arquitetura de outro. Mas a aspiração de uma escola única parece ter ficado, vagamente, no Institute of Design.

Após a Segunda Guerra Mundial, cogitou-se de reorganizar o ensino do projeto industrial, na Alemanha, encarregando se dessa tarefa Max Bill, pintor, gráfico e desenhista industrial suíço. A escola oficialmente foi fundada em 1954. Nessa escola, levou-se a postura do projeto industrial para uma independência da construção corrente.

Foi nessa escola que o ideal do produto standard (e do projeto para o produto standard) foi levado às últimas consequências. Procurou-se definir o desenho industrial com atividade especifica, sem vinculações com a cidade, mas tão somente com o mercado, que nem seria nacional. É claro que eles não perceberam, mas erigiram como fundamento de toda realidade de projeto, o mercado multinacional (30).

É interessante notar que nesse período são valorizados os arquitetos que recusam a utopia urbana, restringindo-se a projetos que acentuam seja a estrutura como expressão, seja a poética dos materiais industriais ou mesmo tradicionais. São, nos U.S.A., os arquitetos Eero Saarinem, Edward Stone, Louis Khan. Na Inglaterra, o casal Smithson e Stirling.

Os arquitetos discípulos de Le Corbusier, como o japonês Tange e o brasileiro Niemeyer sofrerão um tratamento discreto da crítica mundial nesse período. A inviabilidade dessa solução aparentemente sólida e lógica já se mostrava nos primeiros anos da década de 60, sendo a Escola de Ulm fechada em 1967. Seu término assinala a primeira derrota de ideologia da Guerra Fria. E a proposição insensata de reduzir todo o destino humano às projeções dosestados maiores das grandes empresas multinacionais encontrou seu trágico óbito nas planícies sul-asiáticas, em 1975. De 1967, em diante, nos grandes centros industriaisnão surgiram propostas globalizantes que mereçam discussão. Ao contrário, surgiram soluções nacionais, como o desenho industrial italiano, dinamarquês, sueco, inglês, japonês.

O interessante é que todos esses países vendem, com um parque industrial muito menos potente que o americano, projetos industriais para os E.E.U.U. Isso não deveria nos espantar, pois a indústria mecânica, no começo deste século, era no máximo incipiente no Brasil e, no entanto, um dos mais imaginosos projetistas de aviões da época era brasileiro. Refiro-me evidentemente a Santos Dumont cuja importância não pode ser subestimada(31). Nessa perspectiva geral, vale a pena examinar o caso brasileiro.

 

 

 

Notas e Bibliografia

(1) A primeira edição do livro de Nikolaus Pevsner surgiu em Londres, em 1936, sob o título Pioneers of Modern Design, ampliação de um trabalho anterior, de 1930, escrito na Alemanha. Numerosas correções, segundo o autor, foram realizadas nas edições sucessivas. Em português, o livro foi publicado sem data, mas com um prefácio especial do autor datado de 1962.

Apesar de reconhecer sua importância, devemos chamar a atenção para o fato de que, em muitos pontos, suas interpretações não podem sofrer correções: devem ser radicalmente rejeitadas. Preferi assinalar, ao longo do texto, as discordâncias maiores. Entretanto para fixar ideias convêm observar o seguinte:

Pevsner apresenta como causas concretas para o surgimento do Movimento Moderno, os seguintes Movimentos:

1) A crítica universitária e socialista inglesa, sumarizada pelo poeta Willian Morris e seus seguidores.

2) O Art Nouveau sob todas as suas formas nacionais.

3) A engenharia do século XIX.

Ora, com os estudos atualmente a nossa disposição, sabemos que:

a) O Art Nouveau, já é um movimento de síntese onde se congregam o movimento de William Morris, a engenharia do século XIX, e mais a criatividade não institucionalizada (simbolizada na Europa por Paxton e suas estufas), organizados pela disciplina das escolas de Belas Artes.

Também devemos fazer um reparo sobre o segundo Termo da tese de Pevsner. Por movimento moderno ele entende a magnífica floração de talentos ocorrida na Alemanha entre 1910 e 1930, e que se exprimiram pela arquitetura, pelo desenho industrial, pelas artes gráficas. Por isso mesmo Pevsner coloca como subtítulo de sua obra, Du William Morris a Gropius.

Ora, por mais que valorizemos esses artistas alemães e sua notável contribuição para a arte do século XX, devemos reconhecer que a arte atual é muito mais que isso. Talvez seja essa limitação que impediu ao notável crítico compreender as contribuições de Gaudi, ou dos arquitetos brasileiros, surgidas, para os olhos da crítica mundial depois da 2º guerra, e que de certa forma perturbariam as ideias bem arrumadas.

Entretanto convêm destacar os pontos positivos desse discurso:

1) Não se pode mais tentar a compreensão de um movimento artístico moderno, sem uma justa compreensão da Produção (Tecnologia, principalmente).

2) Não se pode igualmente passar ao largo das discussões ideológicas travadas pelos artistas ou em seu nome. Nesse sentido a fixação do designer e poeta W. Morris no início do processo é, para nós, não só uma justiça histórica, mas uma postura extremamente generosa e confiante no progresso da sociedade. Essa sua postura democrática como aliás de outros críticos alemães seus contemporâneos, não pode ser minimizada, mas ao contrário deve ser ressaltada, pois ela é um ponto de apoio seguro em relação aos dias que virão.

A referência bibliográfica portuguesa completa é: PEVSNER, Nikolaus. Pioneiros do Desenho Moderno. Lisboa – R. Janeiro - E. Ulisséia s/d.

(2) O estudo da História da arte iniciou-se, como é óbvio, na Europa, e com critérios e valores que foram assentados e estabelecidos a partir do século XVIII. Se nós atentarmos para o fato que, ainda hoje, grosso modo, todo o trabalho histórico em torno da arte pouco difere das proposições lançadas por Winckelmann, não estranharemos as dificuldades que os povos rotulados de subdesenvolvidos encontram para firmar sua identidade no campo da atividade cultural. Podemos sintetizar no Brasil duas posições correntes de estudos de História da Arte.

A primeira tem como modelo as grandes manifestações da arte ocorridas na Europa e mesmo nos Estados Unidos. Dentro dessa concepção, o que se fez aqui não passou de reprodução, repetição mais ou menos feliz dos modelos importados.

L'Architecture Réligieuse Barocque au Brésilde Germain Bazin é talvez seu mais completo exemplo. Obra de consulta, sem dúvida valiosa pelo enorme conjunto de informações que encerra, mas que esvazia de antemão qualquer investigação sobre uma possível e real ocorrência de genuínas manifestações criadoras brasileiras. A segunda, quase uma reação à primeira, está bem registrada no livro A inventiva brasileira de Clovis da Costa Rodrigues, onde se lê:

O brasileiro, ao contrário do que muitos propalam, foi aquinhoado pela natureza de faculdades inatas de habilidade, argúcia e improvisação, talvez em grau sem paralelo com o de outros povos. Esses dons naturais despontam a cada passo, à medida que o pesquisador invade os episódios do passado, e diante deles, não raro, se detém ao contemplar, extasiado, verdadeiros milagres de engenho e arte. (p.31).

Ainda que esta posição, até certo ponto, nos seja simpática, (na medida em que se o opõe aos constantes detratores dos povos ditos subdesenvolvidos) não podemos endossar conceito tão radical. Não nos parece que povo nenhum tenha condições de reivindicar uma inventividade, criatividade, ou seja, lá o que for que o situe acima de qualquer outro povo. Afinal os nazistas alemães, há pouco tempo, e com consequências trágicas para a humanidade, defenderam tese semelhante. A posição perseguida neste texto trata inicialmente de identificar as manifestações concretas da criatividade ocorridas aqui, sem preocupações excessivas de valorização positiva ou negativa. Em seguida situá-las no seu quadro histórico, para surpreender sua gênese.

Essa posição se inicia (ainda que vagamente já compareça nos primeiros românticos brasileiros), de maneira explicita, com os trabalhos críticos de Mário de Andrade particularmente com seu estudo sobre o Aleijadinho em 1928, e foi enriquecida desde então com contribuições de Lúcio Costa, Luis Saia, Sylvio de Vasconcellos, Flávio Motta entre outros. Para este estudo sobre desenho industrial no Brasil, as fontes de que me servi foram fundamentalmente as revistas de arquitetura e artes publicadas no Brasil desde 1920 aproximadamente.

Uma referência obrigatória, neste caso, é o Índice da Arquitetura Brasileira, publicada pela biblioteca da FAUUSP, onde se relacionam essas publicações. Uma fonte preciosa de informações para caracterizar o desenho industrial brasileiro é o conjunto de catálogos comerciais produzidos ao longo pelo menos das quatro últimas décadas Mas nem os próprios industriais, nem os historiadores se preocuparam em colecioná-los. Acresce a tradicional desconfiança existente em São Paulo, entre homens práticos (industriais, comerciantes) e teóricos (poetas-intelectuais), fazendo com que esses dois termos de uma mesma realidade social e econômica se apresentem como dois mundos estanques e independentes. Desconfiança essa que para nós explica as dificuldades para uma visão crítica correta do problema proposto.

Dos países da fala portuguesa, acredito que, só no Brasil, movimentos de ideias tentando ligar as atividades de projeto com o crescimento industrial tenham atingido alguma consistência. Enquanto o problema já apresenta contornos nítidos em São Paulo e no Rio, na década de trinta; o mesmo não se pode dizer com referência a Portugal, ou aos jovens países africanos.

Possivelmente, esse relativo atraso decorra das próprias viciosas relações coloniais na ocasião existentes: na Metrópole não se estimularia nenhum tipo de pensamento que, mesmo de leve pudesse degenerar em uma crítica à exploração imperial. E, evidentemente, nas colônias havia a necessidade de pensar primeiro a independência tout court, antes de fazer qualquer outra coisa.

Mas, com o colonialismo português finalmente encerrado, e com as carências coloniais agudamente sentidas, creio que um intenso movimento de ideias deverá aparecer. Em particular, a experiência brasileira na área poderá ser útil, mesmo porque ela ocorreu enfrentando obstáculos dos mais penosos. Não só a herança colonial de um lado, mas sua aliada espontânea e natural, a penetração das multinacionais.

Referências bibliográficas citadas:

BAZIN, Germain. L'Architecture Réligieuse Barocque au Brésil. Paris: Plon, 1956.

COSTA, Rodrigues Clovis da. A Inventiva brasileira. Brasília: M.E.C. Instituto Nacional do Livro, 1973.

ANDRADE, Mario de. “O Aleijadinho” (1928). In: Aspectos das Artes Plásticas no Brasil.

São Paulo: Livraria Martins Editora, 1965.

COSTA, Eunice R. Ribeiro; CASTILHO, Maria Stella (orgs.). Índice de Arquitetura Brasileira. São Paulo, 1974.

(3) É na Renascença Italiana que o fenômeno de um destaque entre os procedimentos do projeto e os procedimentos da obra ganha o relevo suficiente para merecer uma descrição. Assim, encontramos em Vasari esta observação:

Uso  do  projeto (ou desenho) nas várias Artes. Todos estes, quer os chamemos de "perfis”, ou seja, outro nome qualquer, são tão úteis para a arquitetura e escultura quanto para pintura. Seu uso principal, de fato, se dá na Arquitetura,pois seus projetos são compostos somente de linhas, que tanto quanto dizem respeito ao arquiteto, nada mais são que o começo e o fim de sua arte, pois todo o resto, que é executado com auxílio de modelos de madeira construídos a partir das ditas linhas, é meramente obra de entalhadores e pedreiros.(grifo meu).

Comose vê, já na primeira metade do século XVI verificava-se aexistência de um grupo de homens que projetavam e um grupo de homens que executavam.

Esse destaque irá se acentuar, a tal ponto que, já nos meados do século passado esses dois termos aparecem como entes independentes e alheios. Assim podemos sempre falar sobre indústria moderna, como se fosse uma realidade em si, com leis próprias que só a ela dizem respeito. E assim tem sido feito, com real proveito em áreas delimitadas, e podemos falar de projeto como arte, também com suas leis próprias. Mas a realidade é e permanece uma. Só podemos separá-las num esforço de abstração que, a longo prazo, pode ser extremamente perigoso. Pois o desenho industrial através dos bens efetivamente produzidos pela indústria moderna, não só se infiltra em nossas casas, como até em nossas relações mais íntimas, como demonstra a indústria de contraceptivos. Não podemos mais encarar esses fatos como algo a ser discutido entre especialistas. Minamata nos põe em confronto com o futuro possível, ou com a destruição da própria vida no planeta.

Minamata, não custa recordar, é uma baía e uma pequena cidade cercada de aldeias de pescadores no sul do Japão, na ilha de Yushii. Estes pescadores há séculos servem-se do mar em suas pequenas e tradicionais embarcações e do mar sempre lhes veio tudo: o alimento, o agasalho, o prazer de existir. Em 1907, uma empresa moderna, Chisso Corporation construiu uma fábrica que passou a produzir acetaldeido, em 1932. Ela soltava resíduos metálicos que, arrastados por um pequeno riacho, iam se depositar na baía.

Enquanto tal acontecia, os pescadores continuavam pescando como seus pais haviam feito, e os pais de seus pais, no mesmo ritmo das quatro estações, sem aparentemente serem afetados pelas novas formas de trabalho implantadas pela nova indústria. Em 1953 mais ou menos, começou-se a notar a ocorrência de estranha e desconhecida doença, que começava com a paralisia dos membros e com lenta e segura desagregação cerebral.

Em 1956 foi instalado um grupo de pesquisa na Universidade de Kumamoto, chegando rapidamente à conclusão de que a doença era causada através de envenenamento por metais pesados através de peixes contaminados.

A fábrica Chisso, não só faz ouvidos de mercador, mas inclusive pressiona de todas as formas para que se encerrem as investigações. Daí para frente, até 1962, quando o cloridrato de metil mercúrio (CH3 Hg S CH) é isolado dos resíduos da fabricação de acetaldeido da Chisso e sendo, portanto, conhecido todo o ciclo gerador da doença, desenvolve-se uma luta surda inclusive com pressões morais e cívicas sobre os pesquisadores. Com o conhecimento científico bem estabelecido, a partir de 1962 até 1975 desenvolve-se uma luta feroz entre as comunidades de pescadores e a fábrica. Em janeiro de 1975, com as condenações a que a fábrica esteve sujeita, as indenizações somavam oitenta milhões de dólares. Mas essas indenizações jamais pagarão as vidas que foram ceifadas ainda no útero materno e os aleijões definitivos.

Para que não se pense que isso só aconteceu num país distante, eu lembro as advertências de vários cientistas no mundo todo. São Paulo e Rio de Janeiro, Salvador, Recife ou Belo Horizonte, possuem (a se acreditar nos apelos dos cientistas brasileiros) já em ação suas Minamatas. E, se isso serve de consolo, o recente acidente de “Three Miles Island”, com a usina atômica ali instalada, mostra que nem mesmo o povo norte-americano está a salvo. Mas não só de conflitos objetivos se alimenta nosso tema. Também do ponto de vista subjetivo vemos levantarem-se enormes dragões que nos amedrontam e confundem. Tomemos como exemplo as afirmações do grande crítico de arte francesa Pierre Francastel que, ao se ocupar, num livro célebre, das relações da arte com a indústria, faz as seguintes observações:

O fato que o homem branco - e só ele - não haja cessado de evoluir desde milênios, explica o privilégio de fato que tem no planeta, não certamente em virtude de uma predestinação racial, porém em virtude de uma aquisição histórica e social. Só as sociedades ocidentais se mostraram adaptáveis: foram às únicas que não só se transformaram em seu comportamento provisional, como também em sua estrutura e em sua estrutura psicofisiológica. Toda a história do homem ensina que unicamente são grandes aquelas sociedades onde a adaptação se fez não por acomodação empírica às condições exteriores da vida, mas pela dominação reflexiva da matéria. A grandeza da raça branca estriba em que, desde há dois séculos, está uma vez mais em transe de assegurar o relevo das técnicas e dos deuses, quer dizer, de todos os valores coletivos, entre os quais a arte é indiscutivelmente uma das formas de expressão ainda mal estudadas. (p. 133).

Este texto foi originalmente publicado em 1954. Desde então foram promovidos à raça branca, em 1957, os soviéticos (que ainda não eram), e na década de 60, obviamente os japoneses, que foram durante pelo menos quinze anos os brancos do oriente. Os cubanos, dos latino-americanos (desconfio) serão logo promovidos também à raça branca. Parece-me claro que, se quisermos construir um pensamento independente, que contemple a realidade próxima dos países subdesenvolvidos, só conseguiremos através de uma crítica rigorosa sobre os fatos e sobre as ideias.

Referências bibliográficas:

VASARI, Giorgio. On Technique. Translated into english Louisa S. Maclehose. Edited with introduction and notes by Professor G. Baldwin Brown. New York: Dover Publications, 1960.

SMITH, W. Eugene; SMITH, Aileen M. Minamata. The story of the poisoning of a city and of the people who choose to carry the burden of courage. New York: Holt, Rinehart and Winston, 1975.

FRANCASTEL, Pierre. Arte y Técnica en los siglos XIX y XX. Traduccion de Vicente Aguilera Cerni. Valencia: Fomento de Cultura, 1961.

(4) BENEVOLO, Leonardo. Historia de la arquitetura moderna. Version española de Maria Castaldi y Jesús Fernandez Santos. Madrid: Taurus, 1963, p. 151 e seguintes. Existe tradução brasileira desta obra, publicada pela Editora Perspectiva.

(5) Pode-se dizer que os românticos das primeiras gerações, quer na Inglaterra, Alemanha ou França, se maravilharam com a realidade que os cercava e o fracasso dos mais caros ideais do período imediatamente precedente. De fato, a Revolução Francesa, que guilhotinara toda a aristocracia em nome da liberdade e fraternidade, gerou o Bonapartismo, que nós conhecemos bem através de Francisco de Goya. Também o avanço ainda clandestino das novas condições urbanas, naquilo que tinha de mais mecânico (e anti-humano), repercutiu nesses artistas. Daí a valorização do improviso, o inusitado, o único e singular. Mas também a valorização das comunidades não atingidas pela nova cultura urbana: os povos periféricos, as pequenas comunidades rurais. Convêm não esquecer que o Folk-lore, a cultura popular é uma proposição romântica. Em particular Victor Hugo, em sua Nossa Senhora de Paris com sua célebre frase “O Livro matou a Arquitetura”, inicia um movimento logo apoiado por Prosper Merimée, de defesa e conservação dos grandes monumentos franceses ameaçados e destruídos pelas novas condições vigentes. Foi Prosper Merimée que possibilitou como Inspecteur general des Monuments Historiques desde 1833 todas as experiências do arquiteto Viollet-Le-Duc, com razão considerado o primeiro grande restaurador moderno de monumentos; William Morris, também acabou fundando uma sociedade Anti-Scrape de conservação de monumentos ingleses.

Pevsner, no livro citado, conclui suas observações sobre o grande poeta inglês da seguinte maneira:

E, contudo, quando estalaram motins em Londres e por momentos a revolução não parecia improvável, em parte devido a propaganda socialista que ele próprio fizera, Morris afastou-se e foi-se retirando cada vez mais para o seu mundo de poesia e beleza (p.26).

A leitura dos últimos textos e a biografia de Morris não confirma essa interpretação. Ao contrário, mostram como o jovem esteta de Oxford, horrorizado com a ugliness da produção industrial e sob o efeito da atuação dos socialistas alemães, particularmente Engels e Marx, caminhou não só para a aceitação, sob as precisas condições, da máquina, mas evoluiu para uma compreensão profundamente democrática da atividade humana.

Apesar da insinuação de que Morris se teria recolhido a uma espécie de torre de marfim num recuo que poderíamos chamar de senil, nós verificamos, inclusive na pequena obra prima News from Nowhere, sua adesão profética à soluções para os problemas que nos afligem. Somente como exemplo, vivendo numa Londres vestida de mortalha de fuligem e óleo, ele descreve o rio Tâmisa limpo e a atmosfera futura clara e transparente. Podemos afirmar que o caminho seguido por Morris não conheceu retorno. Acreditamos que a lição de Morris está longe de ter sido esgotada e podemos mesmo afirmar que o poeta inglês é atualmente, um dos grandes mestres do mundo moderno.

 

Referências bibliográficas:

PEVSNER, Nikolaus. Pioneiros do Desenho Moderno. Lisboa/R. Janeiro: E. Ulisséia, s/d.

MORRIS, William. Nouvelles de Nulle Part. Introduction, Traduction et notes par Paul Meier Paris, E. Sociales, 1961.

BRIGGS, Asa. William Morris - Selected Writings and Designs. London: Pelican, 1962.

THOMPSON, E.P. William Morris: Romantic to Revolutionary. London: Lawrence and Wishart, 1955.

MANIERI, Elia Mario. William Morris y la ideológia de la arquitectura moderna. Version castellana de Juan Diaz de Atauri. Barcelona: Gustavo Gilli, 1977.

(6) Da edição brasileira, livro I tomo I, retiro o seguinte trecho:

O grande gênio de Watt revela-se na especificação da patente que obteve em abril de 1784, a qual descreve sua máquina a vapor, não como uma invenção destinada a objetivos particulares, mas como agente geral da indústria mecanizada. Ele indicava aplicações das quais muitas só foram introduzidos mais de meio século depois, como, por exemplo, o martelo pilão. Duvidava, entretanto, da aplicabilidade da máquina a vapor na navegação. Seus sucessores, Boulton e Watt apresentaram na exposição industrial de Londres, em 1851, a mais colossal máquina a vapor para transatlânticos. (p. 431).

Este trecho, na p. 435, parece descrever não uma fábrica do século XIX, mas qualquer grande fábrica da segunda metade do século XX:

A produção mecanizada encontra sua forma mais desenvolvida no sistema orgânico de máquinas-ferramenta combinadas que recebem todos os seus movimentos de um autômato central e que lhes são transmitidos por meio do mecanismo de transmissão. Surge então, em lugar da máquina isolada, um monstro mecânico que enche edifícios inteiros e cuja força se disfarça nos movimentos ritmados quase solenes de seus membros gigantescos e irrompe no turbilhão febril de seus inumeráveis órgãos de trabalho. (p. 534).

(p. 436)

Do mesmo modo, a indústria moderna ficou manietada em todo o seu desenvolvimento, em quanto seu instrumento de produção característico, a própria máquina, devia sua existência a força e às habilidades pessoais,

dependendo da força muscular, da penetração da vista da virtuosidade manual com que conduziam seus fracos instrumentos o trabalhador parcial na manufatura e o artesão independente fora dela.

(p. 439)

O instrumental de trabalho, ao converter se em maquinaria, exige a substituição da força humana por forças naturais e da rotina empírica pela aplicação consciente da ciência. Na manufatura, a organização do processo de trabalho social é puramente subjetiva, uma combinação de trabalhadores parciais. No sistema de máquinas, tem a indústria moderna o organismo de produção inteiramente objetivo que o trabalhador encontra pronto e acabado como condição material da produção. Na cooperação simples e mesmo na cooperação fundada na divisão do trabalho, a supressão do trabalhador coletivizado parece ser algo mais ou menos contingente.

A maquinaria, com exceções a mencionar mais tarde, só funciona por meio do trabalho diretamente coletivizado ou comum. O caráter cooperativo do processo de trabalho torna-se necessidade técnica imposta pela natureza do próprio instrumental de trabalho.

Estes pequenos trechos transcritos têm somente a intenção de acentuar o contraste entre o pensamento dos intelectuais ingleses mais sensíveis, e a primeira análise cientifica global do trabalho das grandes fábricas do século XIX. É claro que este modelo pode ser aplicado a outros momentos da história do trabalho, de resto, tarefa ainda não realizada a contento.

Não se trata, entretanto de exigir uma coerência equivalente de William Morris, por exemplo; pois Marx passou praticamente a vida toda para realizar o estudo das formas de trabalho sob o capitalismo. E, muito sintomaticamente, não publicou uma única linha sobre arte.

Ao contrário, o que se quer mostrar é o esforço gigantesco desses intelectuais para, penosamente, estabelecer um quadro (falho sem dúvida) cada vez mais completo da realidade que se quer dominar. Nesse sentido, por mais que isso pareça incomodo para alguns críticos, as posições de Morris, mesmo começando de posições retrogradas, mostram sua notável contribuição para o avanço humano, confessando modestamente inclusive suas dificuldades para compreender o filósofo alemão.

O que nos causa espécie é a quase totalidade dos críticos de arte, muito posteriores a Morris e que desconhecem tranquilamente toda essa analise cientifica do trabalho sob o sistema em que vivemos.

Referência bibliográfica:

MARX, Karl. O capital (crítica da Economia Política). Trad. de Reginaldo Sant'Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.

(7) COSTA, Lúcio. “Documentação Necessária”. (Publicado no primeiro número da revista do SPIIAM). In: XAVIER, Alberto M. (org.). Sobre Arquitetura. Porto Alegre: CFAU, 1962.

S. D'ALEMBERT, Jean Le Rond. Discurso Preliminar a La Enciclopédia a dos siglos de su Publicacion. Traducido de la primera edicion (1751) por Aida A. Barbagelata.Estudios por Francisco Romero, José A. Oria, José Babini, Roberto F. Giusti y Luis Reissig. Buenos Aires – Losada, 1954, p. 36.

(9) Sobre as intenções políticas da fundação da Politécnica, é interessante consultar a obra de Lazare Hippolite Carnot sobre seu pai, o Grande Carnot. Destaco, entretanto, um parágrafo revelador do livro L'oeuvre scientifique de Monge de Rene' Taton; trata-se de uma observação de Gaspar Monge transcrita do prefácio da terceira edição (1811) da “Geometrie Descriptive”:

Se compramos um relógio, por exemplo, é a forma e ao preço da caixa que nos fixamos; é na corrente e nos berloques que pensamos, e o movimento e a coisa da qual menos nos ocupamos. Dessa maneira, ainda que tenhamos provavelmente um ou dois técnicos capazes de fazer cronômetros (garde-temps) comparáveis aos da Inglaterra há tão poucos consumidores deste tipo de objetos, que após fazerem um pequeno número, eles desistem (p.346)

Como se vê, estava bem presente a necessidade de acompanhar, pelo menos, o êxito inglês.

Referências bibliográficas:

CARNOT, Lazare Hippolite. Memoires sur Carnot (par son fils). Paris: Pagnerre, 1861.

TATON, René. L'oeuvre scientifique de Monge. Paris: Presses Universitaires de France, 1951.

(10) A exposição Architectures D'ingenieurs, XIX-XX Siécles, foi apresentada no centro Ceorges Pompidou de 20/12/1978 a 12/2/79. Foi concebida para ser apresentada na França e no estrangeiro. Referência: catálogo intitulado da mesma forma que a exposição.

(11) Obras consultadas:

BILL, Max. Robert Maillart. Zurich: Girsberger, 1955.

NERVI, Pier Luigi. Costruire Correttamente - caratteristiche e possibilitá delle strutture cementizie armate. Milano: Heopli, 1955.

TORROJA, Eduardo.Razon y ser de los tipos estructurales. Madrid: Instituto Eduardo Torroja de la construccion y del cemento. Edicion tercera, s/d.

CANDELA, Felíx. Hacia una nueva filosofia de las estructuras.  São Paulo - FAUUSP – Grêmio, 1956. Reprodução mimeografada da edição original. México: D.F., 1954.

(12) De um raro escrito sobre estruturas de Joaquim Cardoso, transcrevo o seguinte:

“Primeiros ensaios para a estrutura do Estádio de Brasília”

Os desenhos e croquis do projeto estrutural do Estádio de Brasília aqui reproduzidos constituem apenas os primeiros resultados encontrados para a caracterização geométrica da cobertura desse estádio.

O corte longitudinal dessa cobertura está fixado pelas cotas necessárias ao bom funcionamento do jogo de futebol que, segundo o desenho do arquiteto, é em parte coberto, cotas que poderão ser modificadas de acordo com o projeto definitivo do arquiteto; nessa oportunidade será estudada uma curva analítica que se adaptando à forma arquitetônica melhor consulte a estabilidade do conjunto.

A seção dos arcos que constituem a cobertura segundo cortes reproduzidos representam também uma primeira tentativa de acesso ao problema, um primeiro approach à suas proporções reais, um primeiro ataque à consecução de uma realidade estática em harmonia com a forma arquitetônica.

Nesse período inicial está incluiria a execução de cascas delgadas entre os arcos que, sobre representarem elementos leves facilitarão o escoamento o das águas pluviais. Em caso de necessidade serão utilizados métodos modernos de construção como o que corresponde ao emprego do ferro solto que, segundo Herman Bay, substitui economicamente em muitos casos o concreto protendido.

A estrutura definitiva, entretanto somente poderá ser obtida depois de fornecidos os desenhos definitivos atualmente em fase de desenvolvimento pelo arquiteto, isto é,com as cotas exatas, sobretudo as da arquibancada, de cuja altura e forma depende a altura da cobertura neste ponto. (Módulo - 24- Ago.1961).

Como se vê, o extraordinário engenheiro mostra um diálogo com o projetista, onde cada um participa com tarefas precisas, mas que nunca permanecem estáticas: elas se fundem no interesse do produto final. Essa postura não foi excepcional no Brasil nestes anos todos, sendo inúmeros os engenheiros que participaram de um trabalho criador como o aqui relatado. Escolhi este exemplo por estar bem documentado (o que é raro) e por seu caráter exemplar. Um testemunho inesperado e involuntário do valor do engenheiro Joaquim Cardoso nos é dado pelo notável emundialmente conhecido engenheiro italiano Pier Luigi Nervi. Com efeito, comentando um pouco antes algumas estruturas de Brasília, tece ele as seguintes observações:

Entre as manifestações arquitetônicas destes últimos anos, despertam um particular interesse os edifícios de Brasília, tal como se vê nos projetos publicados em Casabella 218, alguns dos quais tive ocasião de examinar em mais rica documentação em uma pequena exposição de arquitetura brasileira apresentada na nova sede da Unesco em Paris.

No complexo de edifícios para a Câmara e o Senado, atrai particular atenção o edifício em forma de cálice, cujo diâmetro, em confronto com os outros elementos da maquete, pode ser estimado de uma extensão de 100 metros ou mais.

Forma e dimensões propõem problemas técnicos e construtivos de uma preocupante dificuldade e que seria de um enorme interesse para a técnica de todo o mundo conhecer como foram propostos e resolvidos.

... ... ...

E quanto custará esta artificiosa inversão? E a técnica moderna será capaz de prever aqueles complexos fenômenos de alterações no tempo que marcam a vida de todas as construções, ainda daquelas de mais tradicional desenho e de mais limitadas dimensões?

... ... ...

E se de outra parte o problema estático foi estudado e resolvido por que não dar a este aspecto do problema toda a fundamental importância que ele teria como efetiva contribuição ao progresso da técnica mundial? (Casabella nº 223 - p.55/56 - jan. 1959).

Quando estes comentários foram feitos, as obras neles referidas já estavam quase prontas, portanto com os problemas estáticos estudados e já resolvidos.

Quanto ao aspecto de custo, o engenheiro provavelmente teria de esperar muitos anos para receber a resposta; com efeito em número da revista Ulm de 1966, o custo estimado de Brasília inteira (e não só dos palácios) foi estimado em três porta-aviões.

Mais tarde, Pier-Luigi Nervi colaborou com o arquiteto Oscar Niemeyer. Mas o desafio lançado por ele continua de pé: não há estudos completos sobre a contribuição dos engenheiros brasileiros para o projeto.

Não há ainda nenhuma publicação (fora o nº 26 de Módulo) que registre e conserve para as próximas gerações, o acervo de conquistas técnicas propiciadas pelo engenheiro pernambucano.

Referências bibliográficas desta nota:

Módulo. Rio de Janeiro, 5(24) agosto de 1961.

Módulo. Rio de Janeiro, 7(26).

Casabella – Continuitá, nº 223 - Janeiro – 1959.

“Ulm” - 10/11 - Journal of the Hochschule für Gestaltung. Prefabricated Hope by Claude Schnaidt p.7/8.

(13) PEVSNER, Nikolaus. Pioneiros do Desenho Moderno. Lisboa/R. Janeiro: E. Ulisséia, s/d, p.32.Ver também: LENNING, Henry F. The Art Nouveau. The Hague: Martins Nijhoff, 1951, p.19 (Henry Van de Velde – The formule):

Forma e construção podem ser justificadas somente a luz de sua própria lógica absolutae A natureza do material utilizado deve determinar forma e construção.

 

Ver na mesma ordem de ideias:

VAN DE VELDE, Henri. Formules d'une esthetique moderne. Bruxelles, 1923:

E, nos pareceu que este liame, este parentesco (das formas) elas o deviam, ao espírito e ao método de engenheiro: Assim, a linha moderna seria a linha do engenheiro; e é ao engenheiro, que seria um artista, ou ao artista, que seria um engenheiro, que seria da do encontrar um dia sua expressão mais serena! (p. 78).

Na verdade, sua exaltação da figura do engenheiro (que como se vê era um mito, e não uma verificação da realidade), servia de veículo para sua concepção da Beauté Rationelle, concepção essa, a meu ver, realmente inovadora e democrática. E Van de Velde - talvez o único gênio do Art Nouveau - inaugura a extensa galeria dos artistas deste século que são simultaneamente - por suas obras e seus escritos os grandes mestres da arte: Louis Sullivan, Eisenstein, Lêger, Le Corbusier, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer...

(14) Cito, neste caso, no original, pois textos poéticos dever ser traduzidos por poetas:

Sorprendere attraverso gli oggetti in libertã e i motori capricciosí, la respirazione, la sensibilitã e gli istinti dei metalli, delle pietre, del legno, ecc. Sostituire la psicologia dell 'uomo, ormai esaurita, con l'ossessione lirica della matéria(p.81, grifo no original).

Um estudo mais minucioso mostraria mais fragmentos Art Nouveau nos manifestos literários do futurismo. Mas não só: ecos carbonários também se fazem presentes. E proposições liberais:

Esaltare ogni forma di originalitã, se temerária, anche se violentissima. (p.22)

Penso que a truculência carbonária foi tornada como antecipação do fascismo, pelo menos por B. Croce (p. XLIX). Mas seu julgamento me parece incorreto. Lembremo-nos de que, na mesma época em que os literatos italianos estavam exaltando meio boquiabertos os milagres mecânicos, como o avião e o automóvel; os artistas alemães, Peter Behrens e Walter Gropius estavam desenhando locomotivas.

Creio que o futurismo foi mais bem apreciado por Gramsci (p... XLIX). Na verdade, antes de ser uma manifestação literária, o futurismo foi um grito de alerta contra o indefensável atraso já secular da cultura burguesa italiana frente ao desenvolvimento norte-europeu (e americano). Menos que um movimento voltado para o futuro, o futurismo pretende restabelecer a tradição histórica italiana de costruttori de l'avenire que marcou os séculos XIV, XV e XVI. E, não menos importante, o futurismo deixou raízes, no exterior, exatamente naqueles lugares com ambientes culturais semelhantes ao italiano: Rússia Czarista e Brasil da primeira república. Na verdade, a grande contribuição futurista foi também ela uma proposta de libertação do pensamento. O modernismo paulista, se peca também por grande fragilidade estética, atuou poderosamente, como o movimento italiano, para abrir espaço a inúmeras experiências estéticas. E o reconhecimento implícito dessa contribuição futurista, a meu ver definitivo para a cultura brasileira, encontra-se no célebre depoimento de Mário de Andrade no Itamaraty em 1942:

Não cabe neste discurso de caráter polêmico, o processo analítico do movimento modernista. Embora se integrassem nele figuras e grupos preocupados de construir, o espírito modernista que avassalou o Brasil, que deu o sentido histórico da Inteligência nacional desse período, foi destruidor. Mas esta destruição, não apenas continha todos os germes da atualidade, como era uma convulsão profundíssima da realidade brasileira. O que caracteriza esta realidade que o movimento modernista impôs, e a meu ver, a fusão de três princípios fundamentais: O direito permanente à pesquisa estética; a atualização da inteligência artística brasileira; e a estabilização de uma consciência criadora nacional. (p.232 e 233).

Referências bibliográficas:

MARIA, Luciano De. Marinetti e il futurismo. Mondadori, 1973.

SILVA BRITO, Mario da. História do Modernismo Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958.

ANDRADE, Mário de. Aspectos da Literatura Brasileira. São Paulo: Martins, 1967.

(15) Marcel Breuer considerado, com razão, o mais brilhante desenhista industrial, formado na velha Bauhaus, observa, entretanto, quando se trata de textura, a diferença de recursos com que contava, por exemplo, um grego, ou egípcio e os efeitos que eles procuravam na pedra; e ele mesmo, artista contemporâneo, quando trabalha este antigo material.

Ver:

BREUER, Marcel. Sun and Shadow. London: Longmas Green, 1956, p. 80.

(16) Talvez tenha sido Pevsner o primeiro a chamar a atenção para o íntimo parentesco entre a Escola de Chicago e o Art Nouveau europeu na obra citada. Mais tarde, Bruno Zevi igualmente acentuou essa proximidade, em sua História da Arquitetura Moderna. Não há nada, pois de estranho, em que a ligação entre função e objeto surja ao mesmo tempo nos Estados Unidos e na Europa. Uma das ironias da crônica recente é que a formulação: Form follows function, atribuída ao arquiteto americano Sullivan, não seja integralmente dele. E o que é curioso é que o próprio interessado nunca reivindicou essa autoria. Ao contrário, às vésperas da morte, em 1922, ele mostrou em seu livro Autobiography of an Idea a gênese da fórmula depois célebre:

One day John explained his theory of, suppressed functions; andLouis startled, saw in a flash that this meant the real clue to the mystery that lay behind the veil of appearances. Louis Was peculiarly subject to shock from unexpected explosion of a single word; and when the word" "function" was detonated by the word "suppressed", a new, an immense idea came suddenly into being and lit up his inner and his outer world as one. Thus, with John's aid, Louis saw the outer and the inner world more clearly, and the world of men began to assume a semblance of form, and of function (p.207).

Muito se tem escrito sobre Sullivam, Mas parece-me que uma das observações mais corretas sobre o arquiteto americano encontra-se num pequeno artigo de J. Vilanova Artigas:

A expressão "Form follows function", na qual se tem resumido a contribuição teórica do grande arquiteto americano, não basta para envolver todo o conteúdo da obra escrita e construída de Sullivan. Ela foi apanhada pelos funcionalistas do modo mecânico que conhecemos, isolando os arquitetos de um sem número de problemas humanos fundamentais. Para Sullivan, a função tinha um significado mais profundo; a arquitetura um sentido humano, popular e democrático. Quando não apareceu nos edifícios que compôs, claramente ele o definiu polemizando e doutrinando. A verdadeira função do arquiteto diz nos "Kindergarten Chats" é: "dar vida aos materiais de construção, amimá-los com um significado e valor subjetivo, torna-los partes visíveis da trama social, infundir neles a verdadeira vida do povo, como o olhar do poeta que afunda sob a superfície da vida e vê o que de melhor o povo tem”.

 

E mais além:

A arquitetura não é somente uma arte, bem ou mal executada; é uma manifestação social Se quisermos saber por que certas coisas são o que são na nossa arquitetura, devemos olhar para o povo; pois nossos edifícios no seu conjunto são a imagem do povo como um todo, ainda que especificamente eles sejam a imagem individual daqueles aos quais, como classe, o público delegou e confiou o poder de construir. Por conseguinte, deste ponto de vista, um estudo critico de arquitetura vem a ser, na realidade, o estudo das condições sociais que a produzem.

Em contrapartida, os artistas europeus quando falam em função se reportam aos órgãos vegetais.

Referências bibliográficas:

PEVSNER, Nikolaus. Pioneiros do Desenho Moderno. Lisboa/R. Janeiro: E. Ulisséia, s/d.

ZEVI, Bruno. História de la arquitectura moderna. Buenos Aires: Emecé, 1954.

SULLIVAN, Louis. The autobiography of an idea. New York: Dover, 1956. Primeira edição 1924.

ARTIGAS, J. Vilanova. “Centenário de Louis Sullivan”. In: Estudos, nº 41. São Paulo: GFAU, 1957. Republicado em Depoimentos I, São Paulo: GFAU, 1962.

(17) Se dos artistas Art Nouveau não conhecemos nenhum projeto urbano, da Escola de Chicago só é conhecido o projeto de Camberra de Walter Burley Griffin em 1910, aliás ganho através de concurso internacional. Mas também parece que não acrescentou quase nada aquilo que já se praticava nas Escolas de Belas Artes de Paris.

A única contribuição para o Urbanismo dessa época é a de Tony Garnier, com sua cidade industrial de 1904. Mas todos que se ocuparam do arquiteto são obrigados a se referir à sua adesão ao socialismo francês, para caracterizar sua contribuição. E, além de um silêncio mais ou menos generalizado, sua importância somente começará a ser reconhecida depois de 1920. E difícil considerar Tony Garnier um artista Art Nouveau. E é realmente interessante verificar que, fora observações esparsas, ainda que agudas, na obra de Le Corbusier, a maioria dos trabalhos críticos sobre Tony Garnier não provém da França.

Referências bibliográficas:

PEISCH, Mark L. The Chicago School of Architecture. London: Phaidon Press, 1964.

BENEVOLO, Leonardo. Historia de la arquitetura moderna. Version española de Maria Castaldi y Jesús Fernandez Santos. Madrid: Taurus, 1963.

(18) MOHOLY –NAGY, László. The new vision. New York: Wittenborn/Schultz, 1949, p. 19.

(19) BAYER, Herbert; GROPIUS, Walter and Ise. Bauhaus - 1919-1928. Boston: C.T. Brandord, 1952.

O método de ensino da Bauhaus foi se desenvolvendo lentamente, com a contribuição de várias pessoas. Para se ter uma ideia mais nítida da evolução, até se chegar ao modelo apresentado nos livros acima, consultar também.

ZEVI, Bruno. Poetica dell'architettura neoplastica.Milano: Politécnica Tamburini, 1953.

ARGAN, Giulio. Walter Gropius e la Bauhaus. Torino Einaudi c/ 1951.

(20) TATON, René. L'oeuvre scientifique de Monge. Paris: Presses Universitaires de France, 1951.

(21) MOHOLY –NAGY, László. The new vision. New York: Wittenborn/Schultz, 1949.

(22) Sobre a importância da Bauhaus e Walter Gropius no Brasil, consultar o livro depoimentos de Abelardo Riedy de Souza, em particular a introdução:

SOUZA, Abelardo Riedy de. Arquitetura no Brasil: depoimentos. São Paulo: E. Diadorim/ EDUSP, 1978.

(23) Consultar o manual de: BARNES, Ralph M. Estudio de Movimientos y Tiempos. Traduccion por Carlos Paz Shaw. Madrid: Aauilar, 1958.

(24) Consultar os jornais diários de maio de 1979.

(25) Em Washington se pretendeu construir um museu da Aviação e o projeto foi entregue ao escritório Kevin Roche e Johhn ...... Dinkeloo. O vão livre previsto era de 240m.

Consultar: HITCHCOCK, Henry Russel. Kevin Roche John Dinkeloo and associates, 1962-1975. Fribourg: Office du Livre, 1975, p. 74 e seg.

(26) Por efeito de uma enxurrada de textos, dirigidos principalmente a estudantes de arte, acabou-se impondo a ideia de que o desenhista industrial é fundamentalmente um projetista de objetos para a mass-production produção em massa. Ora, tanto é desenhista industrial um projetista de um copo, que eventualmente pode ser reproduzido aos milhares; quanto um projetista de um microscópio especializado que não atingirá nunca a marca da centena de objetos iguais. Essa ideologia do projeto para a produção em massa além de ser extremamente restritiva e estreita para países como Brasil com indústria precária, funcionou como um verdadeiro bloqueio de possíveis iniciativas criadoras.

(27) A revista Scientific American, norte-americana, chegou a publicar especulações sobre máquinas que no futuro pudessem reproduzir-se feito seres vivos, com as mesmas características da matéria viva. Hoje, esses trabalhos parecem-nos produtos de uma mente enferma. Entretanto seus autores eram honestos pesquisadores dominados, a meu ver, pelo ambiente construído e alimentado pela histeria da Guerra Fria, da indústria do consumo forçado sequelas sem dúvida da grande crise de 1929.

Consultar: MESSICK, David M. O pensamento matemático nas Ciências do Comportamento. Textos do Scientific American. Tradução de A.S.Campbell e Christiano M. Oiticica. São Paulo: EDUSP, 1973, especialmente cap. 16 e 17 p. 160 e seguintes.

(28) Peter Blake conta-nos esta expressiva anedota:

Mies e alguns colaboradores tentaram resistir, mas em fins de 1933 a situação parecia insustentável. Mies conseguiu uma audiência com um dos "peritos culturais" do nazismo Alfred Rosemberg. A audiência se realizou tarde da noite no gabinete de Rosemberg. "Falamos durante uma hora ou mais disse Mies depois. Foi uma discussão perfeitamente pacifica. Rosemberg me disse: Se desistissem desse nome, Bauhaus, talvez pudéssemos encontrar uma solução. "Repliquei". Mas o nome é ótimo - Bauhaus (casa da construção) - e talvez seja a melhor coisa que tem a escola! "Por fim, Rosemberg concordou em deixar nos continuar a funcionar. Mies saiu do gabinete do líder nazista e atravessou a rua, entrando num restaurante onde alguns dos seus colaboradores mais íntimos esperavam ansiosamente com receio de que ele fosse preso por ter tido a coragem de ir discutir a decisão de um chefe nazista. Lilly Reich, brilhante desenhista de móveis que havia colaborado com Mies em algumas das exposições da década de 1920, estava entre as pessoas que o esperavam. Mies contou oque havia acontecido durante a sua audiência com Rosemberg e todos ficaram animados. Começou-se a beber em regozijo, mas Mies disse calma mente: Tenho de dizer lhes uma coisa. Agora que eles concordaram em deixar-nos continuar a funcionar, nós vamos fechar a Bauhaus! Escrevi uma declaração para dizer que a Bauhaus não pode continuar a existir nessa atmosfera. Houve surpresa e profunda consternação mas a decisão de Mies prevaleceu. A Bauhaus, na sua forma primitiva, foi fechada para sempre...

BLAKE, Peter. Os grandes Arquitetos: Mies Van der Rohe. Trad. Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro/São Paulo: Distribuidora Record, 1966.

(29) As experiências do Institute of Design of Illinois, estão bem relatadas até 1945 no livro:

MOHOLY NAGY, L. Vision in Motion. Chicago Paul Theobald, 1947.

Posteriormente não temos noticias dessa escola e como evoluiu.

(30) Tomás Maldonado, que participou ativamente da didática de ULM, recentemente publicou em coletânea todos seus textos, desde quando era pintor vanguardista em Buenos Aires, até seus trabalhos, fora da Hoschule, em 1974. Acompanhou essa edição com pequenos comentários, procurando situá-los, criticamente, no seu contexto histórico; justamente para introduzir um dos artigos de 1958, El diseño y las nuevas perspectivas industriales, de 1958 (que, aliás, no livro apresenta-se expurgado dos trechos mais agressivos. Trata-se de uma conferência pronunciada na Grande Exposição Universal de Bruxelas - Expo 58 -em 18 de setembro de 1958, publicada completa em Stile e Industria nº 20 Gennaio 1959), escreve o seguinte:

O presente trabalho expressa melhor que qualquer outro publicado aqui as contradições em que me debatia - junto com todos os meus colegas da IIFG - naquele primeiro período de nossa experiência de Ulm. Aquele período coincide com a fase mais agressiva da chamada era de Adenauer alemã; eram os anos em que a Alemanha, com o apoio dos Estados Unidos, se alistava no neo-capitalismo.

O que a indústria alemã queria então de nosso Instituto não era muito diferente do que quatro décadas antes havia pretendido da Bauhaus: que contribuíssemos para criar um álibi vagamente cultural para seu programa de produção. Nós éramos conscientes disso, porém nos convencíamos, e isto se vê claro neste artigo, de que era possível conciliar os interesses da produção do neocapitalismo nascente com os interesses dos usuários. Isto mais tarde se viu que era um grave erro de avaliação (p. 71).

Não é caso aqui de examinar em detalhe esta adesão ao neocapitalismo nascente alemão (sic). Já o fizemos em nossos cursos na FAUUSP, na época. Nem acentuar a docilidade com que os textos todos desta época refletem a ideologia fria e arrogante do neo-prussianismo da era Adenauer (basta recordar a famigerada e ridícula Doutrina Hallstein de triste memória). Mas o que eu gostaria de tentar entender são os motivos que levaram o jovem pintor argentino a desesperar tão completamente dos destinos de sua terra e se auto exilar para um centro mais desenvolvido. Até aqui comentamos a insanidade do ocidente e suas nefastas consequências para a cultura de todos os povos. E nos parece o fato mais marcante. Mas creio que há uma ideologia presente a esse drama que merece pelo menos um reparo. Trata-se do Jdanovismo.

Jdanov, Comissário Soviético, em 1948, lançou o texto A frente Ideológica e a Literatura, no qual condenava toda a atividade cultural do ocidente que não fosse direta denúncia do imperialismo e consequente condenação de qualquer atividade ligada à tradicional vanguarda europeia. Este texto teve larga difusão, principalmente na América Latina. E na realidade refletia um primário pragmatismo. Aqui também no Brasil, muitos artistas se viram desorientados perante essa inquietante opção: seus ideais sociais mais legitimamente defendidos e uma prática criadora, que aparentemente desmentia esses mesmos ideais. Lentamente, a prática social impôs uma visão mais ampla. Mas não podemos deixar de lamentar os artistas que se perderam.

Parece-me que o Sr. Maldonado, no afã de defender a herança cultural da vanguarda europeia, e não encontrando acolhida no meio que elegera como seu, procurou esse compromisso que agora lamenta.

Finalmente, e não menos importante: até agora só examinamos o estabelecimento de Standares a partir da racionalidade do mercado.

O professor Marston Fitch, entretanto, em curso proferido na FAUUSP em 1978 nos chama a atenção para estudos que estão sendo feitos a propósito de reciclagem de edifícios, por Harry M. Weese e Richard G. Stein, sobre o conceito de Energia Incorporada a estruturas existentes. Esses estudos revelam uma possibilidade real de começarmos a raciocinar, no estabelecimento de padrões, não só através da racionalidade estreita do mercado, mas pelo esforço histórico das populações, na conformação de seu ambiente.

Assim poderemos traduzir a expressão custo social por tabelas precisas de quantidades de energia investida em quaisquer objetos a produzir. Parece-nos, pelo menos, um início promissor.

Referências Bibliográficas:

MALDONADO, Tomás. Vanguardia y Racionalidad. Barcelona: Gustavo Gilli, 1977. Primeira edição italiana, 1974.

Stile e Indústria, nº 20, 1959.

GORKI, Máximo e ZDANOV, A.A. Literatura, filosofia e realismo. Trad. de Serafim Ferreira Venda Nova. Amadora: Torres & Abreu Ltda, 1971.

MARSTON FITCH, James. Apostilas do curso de restauração, traduzidas por Silvia Fisher. Mimeografado, FAUUSP, 1978.

(31) Seria desejável que contássemos com um estudo crítico completo sobre os projetos de aeronaves de Santos Dumont. Infelizmente as biografias existentes geralmente se fixam na vida social e sentimental do inventor. Subsidio bastante valioso para compreendermos sua importância como projetista é o trabalho de Horácio de Carvalho publicado em 1900 em jornal, onde ele aponta as inovações introduzidas por Santos Dumont nos balões, tornando-os Dirigíveis, como nós chamamos hoje. Esse trabalho foi republicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, volume VI - 1900-1901.

Sobre o Autor(a):

Julio Katinsky formou-se arquiteto pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAUUSP (1957), instituição na qual desenvolveu toda sua vida acadêmica, iniciada em 1962 como professor do curso de graduação e posteriormente do curso de pós-graduação. Katinsky é autor de inúmeros trabalhos acadêmicos, destacando-se Casas Bandeiristas (1976), Brasília em Três Tempos (1990) e Renascença - Estudos Periféricos (2001). Produziu ainda uma extensa bibliografia, entre artigos publicados em periódicos, capítulos de livros, textos para jornais e revistas. Exerce atividade de arquitetura desde 1957, destacando-se os seguintes projetos: Centro Cultural Patrícia Galvão e Teatro Municipal de Santos e Usina de Xavantes: Casa de Força e Casa de Comando (CESP); Estação Rebaixadora de Energia Elétrica Centro I (Light); Restauro da Hidroelétrica de Corumbataí, Rio Claro (CPFL), Restauro da Faculdade de Medicina USP e Restauro do Instituto Oscar Freire.

 


Comentários

Sergio Sudsilowsky
07/05/2015

Parabéns pela belíssima iniciativa em difundir - e preservar - a nossa história.

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