Ano: IV Número: 45
ISSN: 1983-005X
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Design em contexto: algumas considerações sobre o caso brasileiro
Zoy Anastassakis

Introdução

Nos últimos anos, vem acontecendo, no Brasil, um aumento exponencial dos cursos de graduação em design. Ao mesmo tempo, percebe-se uma tendência de revisão dos parâmetros que organizam o ensino de design no país. Esse segundo movimento é perceptível se levarmos em conta o crescente número de artigos apresentados em congressos e periódicos, capítulos de livros e mesmo livros inteiros dedicados a uma reflexão sobre a prática de ensino de design no contexto brasileiro. Partindo de uma crítica aos modelos que inspiraram, entre os anos de 1950 e 1960, a criação dos primeiros cursos de design moderno entre nós – cursos que estavam notadamente orientados por uma “releitura do funcionalismo bauhausiano” (Lessa, 1994: 102) via Escola de Ulm (Hochschule für Gestaltung), na Alemanha, esse movimento tem gerado debates, reflexões acadêmicas e experimentações didáticas instigantes, ao longo dos últimos cinqüenta anos. É à observação de algumas dessas iniciativas que me dedico nesse artigo. Com esse objetivo, recupero algumas das questões discutidas nas minhas pesquisas de mestrado (Anastassakis, 2007) e de doutorado (Anastassakis, 2011).

Parto da ideia de que todo o debate sobre o ensino de design no Brasil se articula em torno de uma crítica (multi-situada e re-articulada de diversas formas ao longo do tempo) ao modo como se estruturou esse ensino, entre os anos 1950 e 1960, a partir de uma significativa interlocução brasileira com um modelo germânico, sintetizado pela HfG de Ulm. Essa crítica, que se organiza a partir do que o designer e pesquisador Dijon de Moraes denomina de “contínuo confronto entre as particularidades locais brasileiras e os modelos internacionais no âmbito do design” (Moraes, 2006: 31), é atravessada por  uma reivindicação-chave: a busca por contextualização. A crítica a uma ausência de diálogo do design que aqui se instala por volta da metade do século XX com o contexto sócio-cultural nacional é o que une uma série de argumentos, discursos, debates, experiências e práticas que interessa discutir agora. Essa busca por contextualização tem levado, conseqüentemente, a uma discussão sobre o que seria, ou o que deveria ser, a identidade do design brasileiro. Assim, junto à questão da atenção ao contexto, surge um debate sobre as relações entre design e sua adequação às especificidades da identidade cultural brasileira.

Tais debates podem ser notados desde a década de 1960. Portanto, eles surgem contemporaneamente à criação dos primeiros cursos de design do país, sendo ativados tanto de dentro quanto de fora do campo, ou seja, tanto por setores da sociedade civil, quanto por alunos e professores daqueles cursos. No fim dos anos sessenta, face ao quadro de revisão generalizada dos parâmetros sócio-culturais que organizavam o mundo ocidental, delineado de forma explosiva em 1968, a crítica aos modelos de ensino em design ganha novos contornos, que se desdobram em uma série de buscas por alternativas de ensino e também da prática de projeto (1). Esse movimento gera algumas propostas interessantes ao longo dos anos 1970 e 1980. Entre os anos 1990 e 2000, quando começa a surgir uma historiografia do design no país, o debate se expande, na medida em que alguns pesquisadores começam a articular uma série de pesquisas que tem por objetivo ampliar a compreensão sobre o campo do design e de seu ensino no contexto brasileiro.

Interessada em investigar as ideias que tem organizado a prática e o ensino do design no Brasil, bem como suas transformações ao longo do tempo, acredito que, perseguindo as disputas e os debates articulados por profissionais, alunos e instituições de ensino no período que compreende os últimos cinqüenta anos e analisando comparativamente algumas das questões centrais de alguns dos momentos-chave dessa trajetória, é possível iluminar as nossas próprias práticas de projeto e de ensino, hoje e no futuro. Com esse objetivo, retomo alguns pontos estratégicos do debate sobre o design no Brasil, articulando a reflexão em torno de uma questão que considero central para o campo, a saber, a busca por contextualização da prática do design. Buscando relacionar alguns fatos e corpos de reflexão que se constituíram em diferentes momentos e lugares através daquela noção-chave, pretendo apontar tanto para algumas continuidades quanto para algumas descontinuidades e desdobramentos de tal debate, central para o design no Brasil.

Assim, é a partir de três ou quatro focos de observação que se estrutura esta narrativa: em um primeiro momento, recupero os argumentos de alguns dos principais estudiosos da história do design no país, observando como eles discutem hoje o design e seu ensino e como, nessa discussão, se apresenta o debate em torno da contextualização do design. Em um segundo momento, comento aspectos do que nomeio de ‘pensamento social de design’ de dois dos principais agentes fundadores daquela ‘busca por contextualização’ (ainda lá entre os anos 1960 e 1970), ou do que os autores (apresentados na primeira seção) nomearam de “influential voices that spoke against this self-alienating attitude” (Borges, 2009), “outra vertente” (Souza Leite, 2006), “tentativa de contextualização cultural”, “vertente afirmativa” (Lessa, 1994), “tendência realmente independente” (Moraes, 2005), “tendência nacionalista” (Souza, 1996) no design brasileiro. Nesse momento, então, comento os discursos da arquiteta italiana Lina Bo Bardi (1914-1992) e do designer pernambucano Aloisio Magalhães (1927-1982). Em um terceiro momento, descrevo alguns desdobramentos contemporâneos daquela inquietação face à utilização de um modelo de ensino funcionalista de origem alemã, me aproximando de algumas propostas didáticas que tem por objetivo iniciar os estudantes em uma prática projetiva que se articula a partir da consideração das relações possíveis entre contexto e conceito, práticas essas em que eu mesma estou inserida, enquanto professora da graduação em design da PUC-Rio.

Percebendo que todas essas iniciativas terminam por implicar em um estreitamento do diálogo entre o design e as humanidades, ou melhor, entre o design e as ciências sociais, me interessa então investigar também de que modos as abordagens específicas das ciências sociais podem contribuir para a construção de uma prática de design mais conectada com as questões do ‘mundo real’. Assim, além dos objetivos específicos, acima anunciados, a comunicação tem, como objetivo mais amplo, discutir como se constrói no design brasileiro a ‘busca por contextualização’ que vem apontando, cada vez mais, para um trânsito transdisciplinar entre essa disciplina e as chamadas ciências sociais.

 

A questão do contexto na história do design no Brasil

A historiografia do design brasileiro é um fenômeno recente. Apenas nos últimos dez ou quinze anos começa a existir um conjunto significativo de reflexões estruturadas sobre a história do design no Brasil. Em grande parte essa história tem sido construída por designers que investiram em reflexões sobre as práticas do seu próprio campo de atuação. Entretanto, em meio aos que mais tem contribuído para a criação de um campo de reflexões sobre a história do design brasileiro destaca-se um ‘não-designer’, o historiador Rafael Cardoso. Seus esforços, assim como a atuação da jornalista e curadora especializada em design Adélia Borges, tem sido decisivos para a ampliação dos debates em torno da trajetória dessa atividade no país. Além disso, é preciso mencionar que, no campo da arquitetura, há também um movimento significativo de busca por uma reflexão que se aproxime das questões de design. Tais iniciativas, somadas às dos próprios designers, que, muitas das vezes, tem procurado construir perspectivas mais abrangentes para a apreciação da história do design no contexto brasileiro, começam a configurar um campo de discussão mais sólido a partir de onde se discute o design no Brasil.

Um dos riscos de que sofre a emergente pesquisa sobre a história do design brasileiro é o da construção de perspectivas analíticas muito fechadas em si mesmas, que terminam por ser deveras acríticas, ou seja, pouco conscientes de seu próprio lugar dentro do campo e, por conseqüência, do próprio campo dentro de uma perspectiva mais ampla. Ciente da dificuldade de se observar uma disciplina com o necessário distanciamento crítico fazendo parte dela, optei por realizar minhas pesquisas em um departamento de antropologia social. Assim, ao me aproximar de uma perspectiva antropológica, que busca observar as concepções que informam os discursos a partir de um engajamento dialógico com eles, eu, uma designer de formação, pós-graduada em antropologia social, busco me aproximar dos debates a partir de um duplo movimento, a saber, o de sucessivos distanciamentos e aproximações, que tem por objetivo viabilizar a discussão das questões a partir de uma perspectiva menos essencialista, mais relativista. A seguir, me aproximo da história do design brasileiro a partir da leitura de alguns dos seus principais pesquisadores. Nessa seção, busco perceber como eles narram (hoje) a trajetória da disciplina e de seu ensino no país, e de como se apresenta neles (e através deles) a crítica à descontextualização do modelo adotado para a instituição dos primeiros estabelecimentos de ensino de design entre nós e a proposição de alternativas para esse dilema.

 

De volta ao futuro: design como a face possível do moderno (1950 e 1960)

No início dos anos 1950, é criado, na cidade de São Paulo (maior centro industrial do país), o primeiro curso regular de desenho industrial em território brasileiro. O curso do Instituto de Arte Contemporânea, vinculado ao Museu de Arte de São Paulo, sintetiza algumas outras influências (entre elas a italiana, a norte-americana e a germânica) e institui no país um paradigma moderno de ensino de design. Fundado pelos italianos Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi e pelo suíço de nascimento Jacob Ruchti, o IAC-MASP foi responsável por iniciar um diálogo que se estendeu por inúmeros anos entre os brasileiros e o design de vertente germânica, articulado, inicialmente, em torno da aproximação de Max Bill, primeiro diretor da Escola de Ulm, com o curso paulista.

Se o IAC durou apenas dois anos, ele teve uma importância significativa para os desdobramentos da institucionalização de um ensino de design moderno no país, não só por ter iniciado o contato brasileiro com a vertente germânica do design, mas também por ter formado os primeiros profissionais brasileiros a se auto-intitularem designers. Além da vinda de Max Bill ao Brasil, em 1953, através de um programa de intercâmbio alguns alunos do IAC-MASP foram estudar na Hochschule für Gestaltung, em Ulm. Entre eles, o paulista Alexandre Wollner, que, de volta ao país, participou da criação daquele que é considerado o primeiro escritório de design brasileiro, o Forminform (1958), e também da criação da primeira escola de graduação em design, em 1963, no Rio de Janeiro. Assim, é a partir dessa experiência que começa a se processar, de forma mais consistente, um debate entre o contexto brasileiro e a matriz germânica, que de certa forma tenta se impor, de forma hegemônica, contra a influência francesa, até então predominante no país.

A criação da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI) é, ainda hoje, um dos marcos simbólicos do surgimento do ensino de design moderno no país. Bastante discutido, questionado, copiado e contestado, o modelo trazido para a Escola, ligado à tradição funcionalista e a um estilo internacional, foi percebido de forma ambivalente: ao mesmo tempo em que surgiu como uma face possível para o desenvolvimento de um paradigma moderno no Brasil, sendo visto com bastante interesse e entusiasmo tanto por setores do governo, que viabilizou a criação da Escola, quanto por parte dos profissionais ligados às artes e à arquitetura, que a partir de uma aproximação com a ESDI terminaram por se ‘converter’ em designers, o modelo esdiano, vinculado à matriz ulmiana e também aos preceitos bauhausianos, gerou quase que imediatamente um sentimento de desconfiança, questionamento e até mesmo repulsa, tanto externa quanto internamente.

Alguns críticos afirmam que esse sentimento ambivalente em relação à escola carioca é uma reação à postura com que, a partir dela, se estabeleceu, no país, uma prática de design pouco afeita às especificidades da realidade sócio-cultural nacional. Se os ideais da Escola de Ulm seduziram parte da intelectualidade e agentes do governo, é porque talvez eles se afinassem a um projeto de país que se delineava desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e que tinha na construção da nova capital-federal, Brasília, seu símbolo maior. Um Brasil “que buscava a independência tecnológica, soberania produtiva e ideais de erradicação da pobreza local pela estrada e viés da modernização” (Moraes, 2005: 60).  E “o projeto ESDI incorporava uma expectativa de transformação da sociedade associada ideologicamente à modernidade” (Oliveira, 2009: 31). Por isso os valores relacionados ao modelo racional-funcionalista alemão firmam-se como a principal referência para a constituição do campo profissional do design no país, naquele momento. O italiano Andrea Branzi (2006), que prefacia o livro de Moraes, lembra que foi através de uma “visão purista do moderno”, proposta não apenas no Brasil, mas em toda a América do Sul, como modelo de sua redenção e de futuro, que se elaborou, entre nós, “um modelo irreal de modernidade, [...] uma modernidade utópica” (2006: 05).

Em suas palavras, “este modelo ideal, fundado sobre uma aliança entre ciência e projeto, foi o fruto da contaminação entre a distante América do Sul, a Escola de Frankfurt e a esperança política europeia. Uma utopia que se consolidou também no Brasil, como modelo único, de referência para a didática do seu design. Isso a partir da fundação, em 1963, da ESDI, no Rio de Janeiro, defensora da ortodoxia ulmiana e do seu modelo didático, quase uma espécie de protetorado cultural, desvinculado da realidade brasileira, mas por isso mesmo de difícil remoção” (idem: 06).

A isso se soma o fato de que o modelo esdiano serviu de parâmetro para a criação da maioria das escolas de design no país, desde os anos 1960, como coloca a pesquisadora do ensino de design, Izabel Oliveira: “o modelo da ESDI consolidou-se como base para os primeiros cursos criados no Brasil e originou, com sua estrutura curricular adotada a partir de 1968, a referência para o primeiro currículo mínimo aprovado pelo Conselho Federal de Educação para cursos de bacharelado em desenho industrial” (Oliveira, 2009: 10). Assim, na ESDI “se desenvolve uma experiência pedagógica que irá influenciar a conformação de princípios para a pedagogia do design no Brasil” (2009: 31).

Alguns afirmam que a matriz ulmiana, tal como transposta para a ESDI, “implicava a adoção de uma linguagem formal pouco afeita às contingências do tempo e às características da cultura” (Souza Leite, 2006b: 253), o que terminou por resultar em um distanciamento do design do restante da sociedade. Para o designer e pesquisador, professor e ex-aluno da ESDI, João de Souza Leite, o design “instalou-se arrogantemente, portador de uma voz detentora de um pretenso conhecimento a respeito de como o moderno deveria se constituir, independentemente do contexto no qual estivesse operando” (2006b: 254). A questão do “alheamento ao próprio contexto” (idem: 279) também é abordada pela jornalista e curadora de design Adélia Borges, que aponta na mesma direção quando afirma que “these close ties with Ulm and its funcionalist principles separated Brazilian design from the cultural roots of the country, wich were deemed irrelevant and viewed as a symbol of regression that needed to be abandoned in order to assure for the nation a privileged spot on the international scene. Combined with the inferiority complex of a colonized people, who place greater value on whatever comes from abroad, the result was a type of design that took its points of reference from outside the local reality” (Borges, 2009: 84-85).

Concentrando-se nas atividades projetivas, o modelo de ensino de design adotado na ESDI teria deixado de lado “as questões relativas a um aprofundamento de conhecimento que buscasse uma adequação ao mundo real” (Souza Leite, 2006b: 278). Associado a isso, havia, segundo o historiador Rafael Cardoso, um “tom muito forte de anti-intelectualismo” (Cardoso, 2005b: 94), fator que seria decorrente também da leitura esdiana de um modelo ulmiano, que terminou por se transformar, segundo Souza Leite, em “uma versão do mito bauhausiano parcialmente transformado em totem funcionalista, provido de intensa coerção formal alicerçada em uma coibida razão crítica e investigativa” (Souza Leite, 2006b: 277).

Além da crítica à postura com que o design moderno se afirmou no país a partir da ESDI, furtando-se a dialogar com o contexto, Cardoso pondera que “o aspecto mais problemático de afirmar o início de um design brasileiro por volta de 1960 reside na recusa em reconhecer como design tudo o que veio antes” (Cardoso, 2005a: 08). Esse seria mais um dos fatores comprometedores, se pensarmos em termos de conseqüências negativas para a instituição do campo do design no país, pois na medida em que o modelo nega tanto o que acontecia antes quanto o que se dava ao seu redor, ele contribuía para um alienamento tanto de suas origens, quanto das suas especificidades e, mais ainda, de suas possibilidades de expansão. Como afirma Souza Leite, “o questionamento a respeito da eficácia [do modelo de origem alemã] nunca se deu fora do seu próprio âmbito. Ao considerar que o design era originário deste modelo, toda a crítica do Brasil sempre abriu mão do que o precedeu, deixando de ser crítica, para de certo modo reiterar os princípios que buscava discutir. Na medida em que a visão histórica foi abafada pela mítica estabelecida por essa espécie de visão olímpica, não houve possibilidade de distanciamento que pudesse autorizar uma verdadeira e densa visão crítica” (Souza Leite, 2006b: 278).

Para esses autores, por trás dessa postura escondem-se, de fato, inúmeras disputas por território no campo do design nacional. Para Cardoso, seria interesse de alguns dos “ideólogos remanescentes do modernismo” (Cardoso, 2005a: 09) negar tudo que não estivesse relacionado à perspectiva mais diretamente ligada à versão germânica do design moderno, praticada por eles. Negando-se a discutir com o contexto, essa perspectiva teria contribuído para o desenvolvimento de uma certa atitude naturalizante, ou acrítica, adotada por grande parte dos profissionais, das instituições de ensino e da própria historiografia do design brasileiro, que delimita o marco fundante da institucionalização do ensino de design no Brasil em torno da ESDI, furtando-se a examinar tanto as iniciativas anteriores quanto as contemporâneas a ela. Borges, Cara, Couto, Souza Leite, Nobre, Moraes e Pereira também abordam essa questão quando buscam discutir e complexificar as influências absorvidas pelo contexto brasileiro de design. Nesse sentido, percebe-se, desde os anos 1960 até hoje, um série de esforços significativos, não só em termos de investimento em pesquisa, mas também de exploração de novas formas de ensino da história do design do país e da própria prática projetiva.

Se a ESDI foi fundada em 1963, e não se pode negar que ela serviu de referência para a criação de inúmeros outros cursos universitários de design, principalmente a partir dos anos 1960, é preciso salientar que, no momento em que ela estava sendo criada, articulava-se a criação de dois outros cursos de design que seguiriam orientações bastantes distintas daquelas adotadas pela escola carioca. Em 1962, ano que em que se estruturava a criação da ESDI, gestava-se, na cidade de São Paulo e em Salvador, na Bahia, duas outras iniciativas de implantação de ensino do design, vinculadas a outras matrizes conceituais. Além disso, entre a dissolução do IAC e a criação da ESDI, surgiu, em Minas Gerais, na Universidade Mineira de Arte, um curso técnico de desenho industrial, que se tornou um curso superior reconhecido pelo Ministério da Educação em 1968.

Em 1962, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo realiza uma reforma curricular que culmina, entre outras coisas, com a criação de uma seqüência de desenho industrial dentro do curso de arquitetura. Assim, assume um posicionamento diferente do da ESDI no que tange à compreensão do design. Na FAU-USP o design é assimilado como parte das atribuições relativas à prática de arquitetura. Nesse sentido, o arquiteto e pesquisador Juliano Pereira afirma que “a compreensão do desenho industrial, por vários segmentos da FAU-USP, revela em certa medida uma conceituação da própria arquitetura e do urbanismo, focando os três, juntamente com a programação visual como campos complementares e relativos a um mesmo exercício profissional” (Pereira, 2010: 04). O modelo da FAU acabou ficando restrito a USP, não se multiplicando tanto quanto o modelo esdiano. Futuramente, a Universidade de São Paulo acabou criando uma graduação de design, independente da graduação em arquitetura.

Entre 1962 e 1963, em Salvador, a italiana Lina Bo Bardi, que havia participado, dez anos antes, da criação do curso do IAC-MASP, idealizava a criação de uma Escola de Desenho Industrial e Artesanato, que reunisse estudantes de design e artesãos e que colaborasse para o desenvolvimento da Região Nordeste, que se encontrava em enorme desvantagem em relação Sudeste, onde se concentrava a indústria do país, e também as escolas de design e arquitetura, tais como a FAU-USP e a ESDI. Nas considerações do arquiteto Eduardo Rossetti, o projeto da Escola guarda muitas semelhanças com as propostas de Walter Gropius para a Bauhaus, apesar de que no plano elaborado para a Escola, Lina se manifeste negativamente em relação à Bauhaus e também à Escola de Ulm, as quais Lina qualifica de ‘metafísicas’ e ‘experimentais’. Nas palavras da italiana: “uma escola tipo Bauhaus ou Ulm, metafísico-experimental, seria inútil para um país jovem (...) o Brasil não começou ainda uma produção nacional original de objetos industriais, limitando-se apenas à importação de formas e desenhos estrangeiros. Uma produção nacional não pode ser criada sem a ligação com a herança cultural do passado e sem ser fundada no terreno das necessidades efetivas do país” (Bardi, apud Rossetti, 2002: 72-73).  A escola não chegou a funcionar, uma vez que em 1964, devido ao golpe militar de direita que toma o poder no país, Lina foi forçada a deixar o MAMB e a Bahia.

Nessa batalha por visões do design, travada de forma indireta, entre as propostas feitas no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Salvador, entre os anos 1962 e 1963, saiu vencedora a matriz alemã (Souza Leite, 2006b: 253) – uma matriz que “implicava a adoção de uma linguagem formal pouco afeita às contingências do tempo e às características da cultura” (idem). Em decorrência dessa configuração inicial, surgiram “persistentes questões no reconhecimento social dessa identidade profissional” (idem): o designer teria ocupado “um lugar diferenciado do restante da sociedade” (idem). “Cultivou-se uma imagem para o designer, de costas para o real, dissociada efetiva e afetivamente das circunstâncias da vida social, cultural e econômica brasileira” (idem: 254).

Para Souza Leite, o design moderno, tal como desenvolvido pela matriz alemã que serviu de modelo às primeiras escolas de design no Brasil, se constituiu, para além do território alemão, “independente do contexto no qual estivesse operando” (idem). Para este autor, “este foi talvez o erro – compreensível, entretanto – mais crítico de toda sua história: voltar as costas para a realidade e operar no estrito campo da idealização. Tornou-se característica marcante do implante mal-traçado do design no Brasil, do qual, ainda hoje, no alvorecer do terceiro milênio, queixam-se muitos por serem incompreendidos” (idem: 259-260).

 

Design em contexto: Lina Bo Bardi e Aloisio Magalhães (1960 e 1970)

Para este autor, “uma outra vertente” (idem: 260), à qual Aloisio Magalhães pertencia, foi delineada pela arquiteta italiana Lina Bo Bardi, em Salvador, na Bahia, quando ela idealizou “um projeto de escola de desenho industrial atrelado à produção artesanal nordestina. De certo modo, Lina recuperava uma linha de ação vinculada ao ensinamento dos ofícios inserida em uma visão cultural mais ampla, não codificada pelo vocabulário do construtivismo internacional, aqui, concretismo. Em 1962 – portanto, contemporânea às discussões para a implantação da ESDI, Lina projetou uma ampla e detalhada ação para a criação de uma Escola de Desenho Industrial e Artesanato, visando estabelecer outros rumos para o desenvolvimento do design no país” (idem).

Mas é preciso lembrar que a atuação de Lina Bo Bardi no campo do ensino de design remonta ao início da década de 1950, em São Paulo. Sua atuação frente ao Museu de Arte Moderna de São Paulo e ao Instituto de Arte Contemporânea é fundamental para a instituição do design como campo profissional no Brasil. Com a vinda do suíço Max Bill em 1951 e 1953, inicia-se um diálogo entre o Brasil e a Escola de Ulm, na Alemanha. A partir dessa aproximação surgem a Escola Técnica de Criação no MAM-RJ e a ESDI, iniciativas das quais Aloisio Magalhães participou de forma decisiva.

No entanto, Lina, que, na década de 1950, partilhava “até certo ponto do mesmo quadro de referências, acabou por esgrimar com a vertente construtiva e cosmopolita que dominava a criação da ESDI” (Nobre, 2008: 98). Sua postura, combativa ao racionalismo em torno do projeto moderno, bem como a “postura mais flexível de Aloisio Magalhães no interior da própria ESDI, o questionamento dessa mesma escola por Rogério Duarte, o mobiliário de expressão regionalista de Sérgio Rodrigues ou, no meio editorial, o projeto gráfico de Carlos Scliar para a revista Senhor e as capas de Eugenio Hirsch para a editora Civilização Brasileira” (2008: 98-99), são alguns dos “sinais de divergência” (idem: 98) emitidos no campo do design em relação à matriz germânica, no Brasil, ainda nos anos 1960.

Lina, que havia contribuído para a aproximação brasileira a um modelo de design ulmiano no início dos anos 1950, no fim da década começa a reorientar sua perspectiva de ação, reagindo contra a vertente alemã do design; assim como Aloisio que, em sua proposta de flexibilização do mesmo modelo dentro e fora da ESDI, apresenta propostas que, segundo Souza, “traziam em si um outro gênero de inquietação, outras formas de pensar e discutir o design” (Souza, 1996: 232). Ainda no momento de idealização da escola, Aloisio teria exposto, segundo Souza Leite, “sua descrença quanto à propriedade da adoção de um modelo elaborado tão fora de contexto” (2006b: 259).

Souza pondera que, “um pouco em conseqüência dessas idéias, surgiu uma tendência nacionalista do design” (Souza, 1996: idem). Essa tendência “insinua-se no debate cultural brasileiro a partir do final da década de 1950” (Cara, 2008: 80), e ganha força ao longo dos anos 1960. Como alternativa ao modelo concretista (da qual a vertente ulmiana é um dos braços), vislumbra-se a possibilidade de conjugação entre a “produção artesanal / local e o desenvolvimento do processo de produção industrial no Brasil” (2008: idem). Ou seja, a discussão sobre a identidade do produto brasileiro, naquele momento, apresenta uma “abordagem prioritariamente associada a uma assimilação da cultura popular e da experiência local com as perspectivas de um projeto participativo de toda a sociedade brasileira” (2008: 140). Quando se comenta a “construção de um desenho industrial autônomo com características nacionais” (2008: 88), a literatura destaca as atuações de Lina e Aloisio.

Se ela “pautava-se então por uma concepção de design que apostava na fusão de limites da produção industrial e da produção artística e se atribuía tarefa positiva na própria construção social” (Nobre: 2008:25), ele, “da mesma forma que Lucio Costa, com elegância e civilidade, através também de uma bem sucedida atividade prática, conseguiu delinear as formas, sendo, portanto, um designer na estrita acepção do arquiteto, de um design menos vinculado à ortodoxia de Ulm” (Souza, 1996: 270).

Se Moraes (2006) acredita que, “dentre os protagonistas do design brasileiro, [Lina e Aloisio] foram importantes representantes a enfrentar os desafios da inserção da cultura local – autóctone e popular – no design nacional” (idem: 58), ele entende também que “nenhum desses dois modelos promovidos por Magalhães e Bo Bardi foram disseminados de maneira sistemática no âmbito do ensino de design no Brasil, ao ponto de tornarem-se reconhecíveis como possíveis referências e como símbolo de uma escola de design local” (idem: 59).

Assim também é para Pedro Luiz Pereira de Souza. Ele afirma que “arquitetura e design que buscaram a identidade nacional nunca foram além de discursos” (Souza, 1996: 269). Se os modelos propostos por ambos não foram disseminados sistematicamente nos momentos em que foram propostos (as ações de Lina na Bahia foram interrompidas pelo governo militar e sua Escola de Desenho Industrial e Artesanato não chegou a funcionar, de fato; e as ações de Aloisio foram parcialmente interrompidas com sua morte em 1982), percebo, sim, a existência, hoje, de um fenômeno de re-apropriação dos pensamentos e das propostas de ambos que vem se consolidando de forma significativa desde o fim da década de 1980, seja durante o processo de formulação da Constituição de 1988, que, no que tange às políticas de patrimônio cultural, usou as propostas de Aloisio como base, seja nas administrações municipais de Luiza Erundina, em São Paulo, e de Mario Kértesz, em Salvador, que convidaram Lina, nos anos 1980 e 90, a colaborar com a criação de projetos e programas arquitetônicos-urbanísticos, seja nas diversas pesquisas que têm se dedicado a investigar uma série de aspectos das obras e dos pensamentos desses dois autores. Esse fenômeno, que se estende do campo político-governamental ao campo acadêmico, merece uma olhar mais atento, uma vez que em torno dele articulam-se questões fundamentais para uma reflexão sobre design e sociedade no Brasil, também hoje.

Tendo atuado em frentes diferentes aproximadamente no mesmo período de tempo – ela com uma trajetória mais longa que a dele - e tendo proposto, cada um à sua maneira, novas possibilidades dentro do campo de projeto no Brasil, Lina teve sua atuação político-cultural (à época baseada em Salvador, Bahia) refreada pela ditadura militar que se instalou no país em 1964, enquanto Aloisio encontrou no mesmo regime ditatorial o espaço onde desenvolveu sua atuação junto às políticas de design, artesanato e cultura. Estando dentro das instituições que viabilizaram o diálogo Brasil-Alemanha (ela no IAC-MASP e no MAM-BA, ele no MAM-RJ e na ESDI), sendo figuras estratégicas para a criação do ambiente de design no Brasil, Lina e Aloisio não se furtaram a problematizar as conseqüências da transposição do modelo ulmiano para o contexto brasileiro, buscando nos EUA, na Itália e no contexto popular nacional o suporte para o desenvolvimento de outras perspectivas para a prática projetiva no país.

Em momentos diferentes - ela na Salvador dos anos 1960, ele no Rio de Janeiro ao longo daquela década e, de forma mais objetiva, na Brasília dos anos 1970, os dois chegaram a romper (de forma mais ou menos explícita) com a posição majoritária vigente no projeto de instalação do design, tal qual ele foi levado a cabo no país, propondo, cada um a seu modo, alternativas - tanto para a prática projetual, quanto para o ensino e para a pesquisa em design.

É curioso perceber que o direcionamento de seus discursos e de suas propostas não representa um rompimento com a tradição europeia, nem tampouco uma identificação total e irrestrita com o modernismo arquitetônico brasileiro, sintetizado na figura de Lucio Costa. Observando a realização de um projeto moderno de construção de uma determinada cultura material face às possibilidades apresentadas pelo contexto brasileiro, Lina e Aloisio, e cada um deles a seu modo, pareciam estar discutindo o estabelecimento de uma prática de design mais sintonizada com o próprio país e, nesse sentido, seria necessário repensar tanto a perspectiva adotada pelo modernismo arquitetônico brasileiro quanto aquela proposta pela vertente alemã do design moderno, afastando-se, inclusive, dos limites mais estritos do design até uma aproximação com questões ligadas de forma mais ampla às condições de produção da cultura material no contexto nacional.

 

Algumas experiências de ensino de um humanismo projetual (de 1980 aos dias de hoje)

Passemos agora para o desenvolvimento de uma proposta de ensino de design que se pretendia uma alternativa ao modelo desenvolvido pela ESDI, proposta essa que se configurou no início dos anos 1980, na graduação em design da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, na mesma cidade, portanto, que a primeira escola. É importante salientar que os dois cursos estão ainda hoje em funcionamento, sendo os dois principais cursos de design da cidade. O que proponho, aqui, é tomar  proposta de ensino da PUC-Rio como um estudo de caso de uma das iniciativas acontecidas, entre os anos 1960 e 1980, como parte do movimento maior de busca pela contextualização do design no Brasil.

No curso de graduação em design da PUC-Rio, os alunos cursam disciplinas de projeto em todos os semestres do curso, que tem duração de 4 anos. Tais disciplinas são formadas por alunos de todas as quatro habilitações que o curso oferece (comunicação visual, mídia digital, moda, projeto de produto). As duas primeiras disciplinas de projeto, que os alunos devem cursar no primeiro e no segundo semestre do curso, são “orientadas pela enfoque metodológico do design em parceria, [que consiste em] exercícios de projeto em um contexto real, junto a um grupo social com o qual [o aluno] desenvolverá um trabalho, chegando até a construção de protótipos que podem ser experimentados e, muitas vezes, utilizados” (Ribeiro, 2002: 17).

Tal enfoque metodológico do projeto, também chamado, na PUC-Rio, de design social (Couto, 1991), foi formulado pelos professores Ana Maria Branco e José Luiz Mendes Ripper, no início dos anos 1980 (mais exatamente a partir de 1982), a partir do que Ribeiro nomeia de uma insatisfação com a prática de projeto centrada em torno da relação professor/aluno, que terminava por afastar do processo os sujeitos para os quais se projeta (Ribeiro, 2002: 18). O objetivo daquela proposta seria então transformar o sujeito para quem se projeta em alguém com quem se projeta, em um parceiro de projeto. Ainda segundo Ribeiro, quando Branco e Ripper, que não concordavam com o modelo esdiano, que havia inspirado o currículo do curso da PUC, “resolveram, como eles mesmo dizem, dar uma reviravolta na proposta pedagógica do curso, o primeiro passo já havia sido dado: identificar o que estava deixando a desejar na antiga proposta. O segundo passo foi convidar uma professora de antropologia, Lélia Gonzalles, para auxiliar na conceituação da nova proposta. Logo chegaram à conclusão de que ela deveria colocar o aluno além dos muros da universidade, para buscar na sociedade temas reais de projeto, e assim quebrar o binômio professor/aluno, como também obter outros pontos de vista a respeito do projeto executado, pontos de vista estes que muitas vezes seriam bem mais abrangentes do que o do próprio professor. Os processos de projeto passaram, a partir deste momento, a se ajustarem aos grupos sociais e os objetos resultantes destes processos começaram a ser construídos e experimentados” (2002: 19).

Para os dois professores, a “abstração do contexto real gerava resultados sem significado social e era contraditória em um departamento pertencente ao Centro de Ciências Humanas, como é o caso do Departamento de Artes [e Design da PUC-Rio]. Foi essa aproximação com a realidade do meio extra-universitário que começou a delinear a atividade do design social na PUC” (Couto, 1991: 12). Esse modo de projetar, que tem por objetivo “trabalhar com contextos reais e com necessidades deste contexto” (1991: 13) levava os alunos a “procurar o seu tema de projeto fora do contexto da PUC” (idem), ou seja, extra-muros. Na definição da pesquisadora do ensino de design Rita Maria de Souza Couto, “o design social é uma atitude de projeto que tem por objetivo desenvolver trabalhos dentro de uma realidade social, em um contexto definido” (idem: 19) e “tem como característica a participação efetiva do indivíduo ou grupo social com o qual se projeta, em praticamente todas as etapas do processo de produção de objetos” (idem). Nessa proposta, “busca-se incentivar nos alunos o trabalho com a realidade social, através da pesquisa direta, em um contexto real definido, contribuindo, assim, para estimular a criatividade, desenvolver o senso crítico e favorecer a descoberta de valores culturais” (idem: 21).

Assim, podemos perceber que o movimento ‘para fora’ leva o curso a ter de olhar também ‘para dentro’, ou seja, buscar uma prática de projeto que se aproxime dos contextos reais onde se configuram os significados dos objetos implica, como terminou por acontecer na PUC-Rio, em uma reorganização de todo o currículo do curso. Entre as influências teóricas que informaram a proposta desse modo de projetar na PUC-Rio, Heliana Pacheco (autora da primeira dissertação de mestrado em design do país) destaca a colaboração das ideias do sociólogo Jean Baudrillard, dos designers Gui Bonsiepe e Victor Papanek (que visitou a PUC entre o fim dos anos 1970 e o início dos anos 1980), e do arquiteto e designer C. Alexander (Pacheco, 1996: 02). Além das influências acima descritas, e de tantas outras apontadas pelas pesquisas que se dedicam a investigar o ensino de design na PUC-Rio (ver Couto, Oliveira, Pacheco, Ribeiro, entre outros) é importante lembrar, também, que no momento de formulação da proposta, Ripper e Branco contaram com a contribuição de uma antropóloga. Assim, percebe-se que conteúdos e abordagens oriundos daquela ciência social informam o design social praticado na PUC-Rio desde a sua instalação.

É tácito, então, afirmar que existe, naquele curso, uma tradição, consolidada ao longo de quase 30 anos de prática e de ensino, de um design que se alinha com uma perspectiva antropológica. Vale também observar com mais atenção porque o primeiro projeto realizado pelos alunos se organiza através das relações entre contexto e conceito. Se vimos que, historicamente, a reflexão sobre design no Brasil se organiza em torno de uma busca por contextualização da prática da atividade, é curioso notar que uma proposta que se lança ao desafio de criar novas perspectivas para o ensino de projeto tenha como eixo organizador aquela mesma categoria, a de contexto. Ou seja, se o design brasileiro parece estar buscando, de diversas maneiras, ao longo dos últimos cinqüenta ou sessenta anos, encontrar um lugar de fala a partir da própria cultura onde se formula, e ele parece ter orientado seus próprios questionamentos a partir da busca por contextualização, é compreensível que essa mesma categoria seja ativada quando se busca formular uma proposta pedagógica alternativa. Se era interação com o contexto o que faltava, voltemos nossa prática projetual para ele então, não apenas no sentido de projetarmos para o contexto, mas no contexto, em contexto.

A aproximação de uma abordagem antropológica tem por objetivo não somente ‘antropologizar’ a prática do design, mas, sim, em última análise, preparar o aluno a lidar com diferentes perspectivas, técnicas, metodologias e ferramentas próprias de outras disciplinas e áreas do saber. Se a antropologia os auxilia a construir um olhar mais contextualizador e relativístico sobre a sua própria prática, bem como sobre os contextos culturais em que essa prática se realiza, assim, certamente, esses futuros designers estarão mais aptos a lidar com os desafios cada vez mais complexos que se apresentam à sua prática.

Aproximando-me da perspectiva adotada por Rochfort, que afirma que, “as a prerequisite it is absolutely essential for design education to create a foundational framework of learning that equips a design student with the ability to reach across disciplines, to bring in information, ot extract ideas, to think critically and to make connections. This calls for a skillful blending of arts and humanities, sciences and technology”(Rochfort, 2002: 163), acredito que uma prática de projeto mais comprometida com as questões relativas ao contexto cultural em que se formula a proposta de design é uma saída para o dilema que nos aflige, de forma crônica, seja no Brasil, como também em diversos outros contextos, onde a questão de um ensimesmamento do design tem sido incansavelmente discutida.

 

Considerações finais

Observando algumas séries de debates e iniciativas em torno da prática e do ensino de design no Brasil, tal como ensaiei nesta comunicação, tenho por objetivo trazer à tona diferentes aspectos e significados que vem ganhando a discussão sobre a especificidade do design praticado no país. Organizando esse ‘passeio’ através da noção de contexto, espero ter podido levantar algumas questões que podem servir de alavanca para inúmeros outros debates em torno do que pode ser a prática e o ensino do design daqui para a frente.

Sem a pretensão de esgotar nenhum dos debates apresentados, busquei colocar em relação, a partir da ideia de uma busca por contextualização da prática de design, diferentes momentos e atores significativos para o design brasileiro dos últimos cinqüenta anos. Relacionando discursos e reflexões em torno da história e da prática pedagógica do design no país, espero contribuir não somente para o debate sobre as inter-relações possíveis entre o design e as ciências sociais, mas também, para a discussão entre o design e a sua própria identidade enquanto disciplina, em diferentes contextos.

 

Nota

(1) Esse não é um fenômeno que se restringe ao design brasileiro. Nigel Cross aponta para algumas repercussões do clima sócio-cultural do fim dos anos 1960, que implicou em um emergente questionamento contra os métodos utilizados pelo design até então (Cross, 2007: 120). Citando apenas o contexto inglês, é preciso lembrar que tanto Cross quanto Bruche Archer (entre outros) discutiam intensamente o que deveria ser o ensino de design. Os debates ocorridos na Inglaterra, assim como no Brasil e em tantos outros lugares, entre os anos 1970 e 1980, são decorrência da agitação cultural do fim dos anos 1960, como colocam Archer, Baynes e Roberts: “Thinking on design education in the 1970s and 80s was inevitably influencied by the intellectual currents of the period. This was a time of intense speculation about the nature of human creativity and the factors that had allowed humans to spread their material culture throughout the globe”(Archer, Baynes, Roberts: 2005: 04). Entendendo que esse foi um fenômeno global, opto por restringir o foco de atenção para o contexto brasileiro.

 

Referências Bibliográficas

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Zoy Anastassakis é designer, doutora em Antropologia, professora adjunta da ESDI/UERJ e professora agregada da PUC-Rio.

 


Comentários

ALBERTO CIPINIUK
03/09/2012

O mundo das palavras não é o mundo concreto das coisas, mas no trabalho acadêmico é como no jogo do bicho, vale o que está escrito. As coisas são atravessadas pela linguagem, mas não se confundem com ela. Efetivamente não conhecemos em extensão e profundidade a sua tese de doutorado, mas pelo que pudemos ler do seu artigo verificamos uma filiação a uma espécie de positivismo literário das fontes que foram empregadas. No "design social" da PUC há muito mais coisas do que você relatou e pareceu-nos que suas consultas aos arquivos vivos não foram amplas o suficiente para abranger todas as pessoas que participaram da construção desse modelo teórico. Muitas das pessoas continuam vivas e mais, tivemos a impressão que a sua história foi "construída", limitou-se ao modelo teórico legitimado por aqueles que escreveram essa história, isto é, suas fontes. Lamentavelmente estávamos debatendo temas que se relacionavam com seus escritos publicados na AGITROP, daí a nossa abundante participação com comentários. O GRUDAR preocupa-se em realizar o desvelamento de várias construções simbólicas – representações sociais – que os barthesianos chamam de mitos, incluindo aí um de grande importância, a história "historizante". Ou seja, uma história como função literária, escrita pelos "homens" (podem ser "mulheres" também) de letras (que tratam fatos como signos), que se caracteriza por dar maior importância ao sentido entre os dados, não por que eles são históricos, mas porque estabelecem uma concatenação lógica, algo que possui um sentido a partir dos seus elementos internos, tal como a antropologia estrutural defendia e ainda defende. Enfim, acreditamos que ou será uma história pelo viés sociológico, se for calcada nas práticas e relações sociais e não nos indivíduos, ou não será história. Daí a nossa defesa do ativo papel do crítico, isto é, aquilo que fazemos: trazer argumentos, documentos e questionando-os, os submetendo a novas interrogações, para tentar ver com maior clareza não aquilo que aconteceu, mas a forma como o que aconteceu foi legitimada. Não conseguimos ver heróis na história do design do Brasil, os autores não serão por nós cultuados, investigamos a validade dos seus métodos de abordagem, assim como as lógicas dos lugares que se estabelecem, como as instâncias de consagração operam suas localizações. O GRUDAR funciona na PUC e é aberto à participação de quem se interessar. Temos doutores, mestres, doutorandos, mestrandos, candidatos à pós-graduação e alunos de graduação. Lemos e debatemos temas de nossa área. Não são apenas alunos da PUC, os filhos da PUC, mas existem pessoas de várias origens, incluindo a ESDI. Talvez, caso você tenha interesse, poderia participar.

Zoy Anastassakis
18/07/2012

   Agradeço ao professor Alberto Cipiniuk e sua equipe pela leitura tão atenta e interessada do meu trabalho e por abrirem possibilidade de diálogo, que certamente é o que alimenta qualquer campo disciplinar. O texto publicado aqui é parte de minha pesquisa de doutorado e integra agenda de pesquisa e reflexão mais extensa. Gostaria muito que o grupo se dispusesse a conhecer o trabalho mais amplo da tese, que lida com algumas das questões levantadas nos comentários. No mesmo sentido, me disponho a ler trabalhos de sua autoria citados no corpo dos mesmos comentários, e espero ter ocasião para dialogar a respeito.

Karl Georges M. Gallao e Alberto Cipiniuk
28/06/2012

De certo parece que as regras do jogo mudaram, ou então os respeitantes docentes filhos da ESDI mudaram radicalmente seu posicionamento ideológico e nada avisaram, situação que acreditamos ser pouco provável. Todavia, depois da publicação do artigo elaborado pela professora Zoy Anastassakis, Design em contexto: algumas considerações sobre o ensino do Design no Brasil para a revista AGITPROP – Revista Brasileira de Design - Ano IV: número 45, acreditamos que pudesse ser interessante comentar sobre algumas noções aqui mencionadas, e que, em vista do que é discutido dentro de sala de aula, mostram-se contraditórias. Em primeira instância, gostaria dar início comentando a respeito do movimento a favor de uma identidade nacional brasileira, que no ensaio é referido como uma “crítica” a ausência de diálogo entre o design associado ao modelo internacional europeu e o contexto sócio-cultural nacional. Partindo de uma evidência política, orientando-nos pelas dinâmicas econômicas que se encontrava o mundo a partir da segunda metade do século passado, países de Terceiro Mundo passaram a fazer parte dos processos desenvolvimentistas de industrialização. Junto com o surgimento das multinacionais, o desenvolvimento dos setores industriais era de extrema importância para alavancar o crescimento dos países mais atrasados. Nesse momento o design tem um papel significativo para a economia brasileira, pois viria a interferir diretamente na concepção dos artefatos produzidos e exportados em escala industrial, necessários para assegurar a ascensão do mercado financeiro. Isto é, ao design, caberia o esforço de dar forma a configuração externa dos objetos e, nesse sentido, o Estilo Internacional serviu muito bem seu propósito. Na verdade, é preciso dizer que os interesses políticos da categoria profissional em quase nada estavam preocupados com qualquer outro tipo de representação cultural nacional, estando exclusivamente vinculado à acumulação industrial e financeira. Embora estejamos de comum acordo com o que foi exposto no texto a respeito da ideologia dogmática da ESDI, que como instituição condutora de uma estética moderna fundamentou sua base de conhecimento sob a “ortodoxia ulminiana” e a “herança bauhasiana” e que sempre se mantiveram atrelados a esses princípios, ficamos intrigados com a preocupação por parte dos professores dessa mesma instituição em relativizar a legitimidade das produções organizacionais que situam-se fora do campo institucionalizado. Até onde temos conhecimento, a orientação ideológica da ESDI nunca aceitou qualquer outro tipo de representação social que não estivessem de acordo com seus próprios paradigmas, isto é, sabemos que para que um modelo representacional gráfico seja classificado como um “bom” parâmetro em nível de comunicação visual (“o bom design” ou “die gute form”) é necessário que esteja de acordo com uma série de princípios e esquemas que buscam explicar ou sintetizar os modos ou processos de realização do design gráfico. “O bom design” é o design racionalista, simples, isto é, uma configuração simplificada que carrega menos elementos. Dirigimo-nos às noções dogmáticas tais como a psicologia da forma (as leis da Gestalt) ou a noção formalista de Grid, que desde o período das vanguardas modernistas continuam a fazer parte dos fundamentos básicos, essências do design, e, que por sua vez, continuam a ser difundidos dentro das universidades e faculdades de nível superior como elementos fundamentais do design. Creio que seja no mínimo intrigante nos depararmos ao longo do artigo com menções depreciativas a matriz ulmiana da ESDI, ao mesmo tempo em que, os mesmos indivíduos (autores citados no artigo) que realizam as acusações, partiam dos mesmos pressupostos teóricos para definir o conteúdo ensinado aos alunos universitários dentro de sala de aula. Nesse sentido, parece haver uma contradição entre os discursos propalados por estes mesmos docentes que ora atacam, ora defendem pontos de vista antagônicos. Se por um lado se dizem defensores da pluralidade cultural e social, das diferentes formas de ver e representar vinculadas as nossas tradições populares mais antigas, por outro, demonstram estar em concordância com os estritos mandamentos das escolas alemãs. Fica uma espécie de jogo de morde e assopra, onde o discurso varia de acordo com os interesses do momento. Ao mesmo tempo em que temos a impressão que qualquer tipo de manifestação material é bem aceita, sabemos em contrapartida que o campo do design institucionalizado impõe suas restrições através de suas instâncias e agentes legitimação próprios com relações de circularidade autônomas. Os critérios de aprovação ou pertencimento devem condizer com questões internas ao próprio campo. Portanto, as produções culturais apenas poderiam estar inseridas se assim interessassem a seus agentes. Caberia dizer, que do mesmo modo que outras categorias profissionais o campo institucionalizado do design busca estabelecer limites de pertencimento como uma garantia da sua posição, e, principalmente da posição de seus membros no espaço social (apesar de que, nesse artigo, essa percepção de circularidade entre as instâncias do campo fique escamoteada). O design, nesse caso, se tornaria uma atividade restrita, que não poderia ser exercida por qualquer um. Certamente não é isso que ensejamos. Acreditamos que a função social do design seja buscar integrar os diferentes grupos, juntamente com suas variadas formas de representar, não segregando ou marginalizando, mas aceitando essas diferenças como organizações sociais que reproduzem valores e significados culturais legítimos, mas não hegemônicos. Frente a essas considerações, a busca por uma identidade cultural parece servir como mais um artifício, ou melhor, outro pretexto a ser discutido com o objetivo de corroborar as falsas pretensões do campo institucionalizado em estabelecer uma proximidade social e uma preocupação ética com o Estado. Não há um debate efetivamente teórico dentro do campo do design que possa discutir um novo modelo projetual de uma atividade laborativa válida para todos. Portanto, enquanto o campo continuar a condenar qualquer representação social que não se relacione com seus códigos e valores assim institucionalizados, enquanto o designer não estiver politicamente engajado, ciente das transformações e das variáveis sociais e culturais dentro do seu território, o alcance do exercício dessa atividade comunicacional estará restringido apenas a uma pequena minoria.

Alberto Cipiniuk e Fabiana Heinich
26/06/2012

O ensaio de Zoy Anastassakis intitulado Design em contexto: algumas considerações sobre o ensino do Design no Brasil, publicado na AGITPROP – Revista Brasileira de Design - Ano IV: número 45, apresenta considerações de diversos autores contemporâneos acerca dos primeiros modelos de cursos de Design instalados no Brasil nas décadas de 1950 e 1960, buscando enfatizar sua falta de diálogo com o contexto social nacional à época vigente. Ao fazer uso de termos como contextualização, conceito, identidade nacional, social e cultural, a autora busca circunscrever o surgimento dos cursos como práticas alheias à realidade brasileira da época, e tenta observar as principais consequências de tal ocorrência de forma um tanto ingênua e não-rigorosa, pois não apresenta com clareza os termos utilizados e não considera nas dinâmicas de funcionamento do campo do Design todas as instâncias legitimadoras nele realmente presentes, ou seja, não considera efetivamente a verdadeira realidade brasileira. Ao se propor desenvolver uma revisão das primeiras formas de ensino de Design no Brasil e de sua repercussão até os dias atuais, a autora firma-se em discursos que vão contra as origens bauhausianas e ulmianas do modelo moderno aqui instalado e tenta entender o porquê de não se ter trabalhado com maior proximidade às questões culturais vigentes no Brasil. Ora, sabemos que não há ação desinteressada, conforme afirma o sociólogo Bourdieu. Deste modo, também sabemos que o modelo aqui instalado, oriundo de uma cultura distinta da nossa, corresponde a interesses políticos, econômicos, ideológicos e mercadológicos naquela cultura hegemônicos; e que aqui também estes tiveram semelhantes valores quando à sua legitimação. A instalação de cursos de Design no Brasil visava, conforme a própria autora comenta, contribuir para o crescimento de um país ainda pouco industrializado, com um modelo de crescimento que visava sua inserção futura dentre os grandes detentores econômicos mundiais. Deste modo, não é de se estranhar que o método de ensino adotado seja muito próximo do que era eficiente em outros países, e que os interesses econômicos e políticos aqui reinantes fossem semelhantes aos do contexto de lá. Com efeito, ao visualizar tal configuração e ao adentrar à questão do distanciamento da identidade nacional ao se adotar tal modelo, devemos observar que não há, assim, um confronto entre nacional versus internacional, mas sim uma supremacia internacional legitimada nacionalmente face aos interesses que guiam as relações de mercado, políticas, sociais e educacionais nacionais (Bourdieu explica estas dinâmicas em A Economia das Trocas Simbólicas. Introdução, organização e seleção Sergio Miceli. São Paulo: Perspectiva, 2009). Assim, não houve e não há, hoje, a busca por um corpus teórico-prático do campo do Design nacional comum a todos, isto é, um modelo de educação igual para o território nacional, considerando suas particularidades e plurais idiossincrasias culturais, com vistas à dita realidade brasileira. A busca por este corpus caracteriza-se como uma busca quase utópica, pois sabemos que este também seria condicionado a determinado tempo-espaço, determinado contexto e suas ideologias, sendo assim impossível um julgamento ou a pretensão de desenvolver algo como um Design brasileiro pelo Design brasileiro (parafraseando a noção artístico-literária de Arte pela Arte); pois este sempre estará inserido em um contexto formado por agentes, instâncias reguladoras e por condições de fora do campo (condições extraestéticas, conforme explica a socióloga Janet Wolff em A produção social da arte. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982); e não apenas internos, seja na questão educacional, seja na questão teórico-prática. Logo, ir contra o modelo bauhausiano e ulmiano primeiramente aqui instalado não significa lutar por uma identidade nacional: significa querer desvalidar o que primeiro fundou o campo do Design no Brasil. Se no país existisse, nos anos 1950 e 1960, estruturas próprias para a fundação de um curso com visão interna, será que este teria existido? Ou teria sido seguido o modelo que dava certo além-mar, conforme foi? O modelo internacional não tenta se impôr, o próprio Brasil o legitima e dele faz uso. Com efeito, devemos atentar ainda ao uso dos termos contextualização, contexto e conceituação, conceito. Por contexto devemos entender a configuração no espaço-tempo contemporâneo cultural, econômico, político e social em que se encontra/ em que ocorre determinado fato e/ou instância. Já por conceito, devemos entender ações e configurações recorrentes na construção, definição e no entendimento de determinada noção, considerando ainda tanto suas igualdades quanto disparidades. Deste modo, parece-nos que ao tratar a questão cultural e de identidade nacional, a autora se referia muito mais a um conceito de Design nacional que a sua contextualização, pois esta última já é dada: é o mundo, nosso país, nossa sociedade, o momento concreto em que vivemos. Entretanto, sabemos da delicadeza, do quão complexo é pensar uma identidade nacional, quiçá trabalhar com uma conceituação de tal. Logo, devemos considerar que também a cultura é condicionada contextualmente, isto é, de acordo com seu momento histórico, político, econômico, ideológico. Daí a ser difícil pensar em uma identidade nacional além de termos estéticos, ou seja, para termos de ensino e aprendizagem. Ainda, não projetamos fora do mundo real, conforme afirma a autora. É exatamente ao atendermos às necessidades das instâncias e instituições que regulam a ordem social que estamos atuando dentro do mundo real, isto é, do concreto em que vivemos. O Design, por ser uma prática social, não existe fora deste contexto, portanto discursar acerca de uma maior proximidade com o mundo real torna-se redundante. Não há prática social fora do mundo real. Discursar por uma prática que vise o bem das minorias não significa projetar para o mundo real, mas sim apenas buscar atender a este nicho, a esta parte da sociedade. Contudo, como tal pratica não configura a efetiva atuação profissional dos estudantes que se formam, torna-se um pouco perigoso pensá-la como um norte da educação em Design. Não queremos aqui desvalidar tal prática, a qual possui relevância social e formadora do espírito humano: tentamos apenar clarificar o que realmente está em jogo, e o lugar de cada uma das peças neste jogo existente. Umas se sobressaem, comandam a partida, outras figuram como importantes, essenciais, porém não dão o cheque-mate. Assim, pensar o campo do Design em termos críticos, tentar entender suas configurações bases de maneira esclarecedora significa atentar a todas as instâncias que o coordena, e não apenas à sua atividade interna, isolada, pois esta não existe, é uma noção equivocada (já comentamos tais implicações em HEINRICH, F. O.; CIPINIUK, A. . Os limites críticos do campo do Design. In: 1º Colóquio Nacional de Design - Design, consumo e cidadania: um diálogo possível?, Belo Horizonte, 2011). A noção de Design e o campo do Design surgiram não só nacionalmente, mas internacionalmente, a partir de condições contextuais favoráveis, isto é, a partir de condições culturais, econômicas, sociais e políticas propícias. Desconsiderar tal configuração significa não compreender o campo em sua totalidade, em sua real e efetiva posição no mundo concreto em que vivemos. Logo, devemos observar a conceituação das práticas e da educação do campo através de seu contexto completo, e não tomar o contexto como conceito.

Marcelo Lacerda de Almeida e Alberto Cipiniuk
26/06/2012

É curioso o esforço de alguns agentes do campo do design elegerem como problema a busca de uma identidade brasileira como se esta fosse algo essencial, capaz de ser circunscrita, à espera de ser descoberta. Até onde podemos enxergar trata-se de uma noção dogmática recorrente, eventualmente um cacoete positivista, que perpassa o campo do design e que também podemos observar em outras teorias de base como a biologia (moderna) ou a metafísica (pré-moderna). Do mesmo modo, em disciplinas frequentemente requisitadas pelos designers na contemporaneidade, tais como a semiótica, a psicologia cognitiva e recentemente as neurociências. Ora, acreditamos que em primeiro lugar é preciso não baralhar as ciências ou as disciplinas, mas não apenas por conta de aspectos formais, mas porque elas se atêm ao particular e não ao universal. Em segundo lugar examinar com cuidado quem formula os enunciados e de onde se formula, de qual perspectiva essas fórmulas narrativas tidas como científicas são produzidas.        Questão da metodologia projetual/epistemologia do design    Por simples contraste ao que hoje podemos ver escrito, percebemos que a busca por uma contextualização da prática laborativa do design, foi praticamente inexistente ao longo da sua institucionalização. Por contextualização entendemos a vinculação do design à ciência que estuda os homens em sociedade, daí a sua pertinente localização nas Ciências Sociais. É inequívoca a ocorrência de uma procura organizada por uma singularidade para a profissão do designer, uma espécie de demanda de autonomia para o campo, pelos agentes do campo, apesar de alguns questionamentos pontuais, visto que tal contextualização foi um obstáculo à sua legitimidade ou independência. A contradição se verifica no fato de que a contextualização se baseava (como ainda hoje é) em uma infundada defesa de sua especificidade do campo do design diante de qualquer outra atividade dedicada à concepção e à representação visual. Na prática, a atividade do design, mitificada como específica, necessitou inclusive da revitalização da noção carismática de atividade autônoma e “criadora”, tradicionalmente empregada no campo da arte, para que se desconsiderasse o meio social e cultural em que os designers atuavam. Do contrário ela precisaria se desmascarar enquanto atividade “específica” e rever seus próprios limites, que em última instância mantêm com outras atividades e formas de representação, tidas, inclusive pelos profissionais do campo, como populares.    A citação da afirmação feita por Leite [Leite, 2006b: 254] não contém qualquer novidade, uma vez que o projeto de modernidade tende a se instalar justamente com a pretensão de desenraizar os códigos culturais, sempre considerados como um empecilho à "modernização" e à inovação no âmbito da cultura material. Nesse enunciado se observa bem o desconhecimento das alterações de modelos culturais na sociedade ao reduzir a questão da implantação do modelo da Esdi a uma questão pontual de mera “arrogância” factual.    Notamos no próprio artigo que busca apontar a necessidade de contextualização, o persistente processo de legitimação do design e de seus produtores, quando é citada a jornalista (Adélia Borges) que atua como curadora de exposições de design, através de enunciados extraídos de comunicações de instituições de legitimação, tal como um museu de design de propriedade de um fabricante de mobiliário. Tratam-se de instâncias de consagração que selecionam "só aquilo" que deve ser exposto como “bom design” brasileiro - quando sabemos que qualquer seleção é arbitrária, traduzindo uma posição política ideológica, nada desinteressada.    A sensação que temos em ler os argumentos que o artigo oferece para marcar a ocorrência de movimento sistemático de questionamento do design hegemônico internacional é patética. As divergências de Aloísio Magalhães, assim como as de Lina Bardi, por um design regional, não chegaram a se expressar de maneira ampla e concreta no campo do design, pois a preocupação naquele momento (principalmente de Aloísio) era a constituição de uma legitimidade da profissão, ou seja, obter para o campo aquilo que havia para outras profissões, uma espécie de OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para designers. A ideia era que o design deveria se constituir "naturalmente", em volta da sua própria prática e deveriam ser os pares, apenas eles, a definir que poderia dizer o que era "desenvolvimento natural" dessa prática profissional. Tais divergências jamais foram levadas a cabo em um debate sistemático de ideias. Ainda que Aloísio Magalhães expressasse individualmente tais preocupações, as noções sempre foram cooptadas para o argumento em favor da propalada importância do design, mas nunca definida. Não se pode negar que nos trabalhos gráficos de Aloísio haja consideração por elementos visuais oriundos de representações populares, mas as suas formas gráficas, aquelas que ele empregava majoritariamente, foram ajustadas ao modelo racionalista de design internacionalista e não nos permitem verificar que Aloísio Magalhães se pautava considerando primordialmente e de modo sistemático a produção vernacular como autêntico design. Enfim, embora o designer demonstrasse preocupações intelectuais com o patrimônio cultural brasileiro e identidade brasileira de raiz, o seu design não foi regionalista. O que se precisa ressaltar aqui é o fato de Aloisio Magalhães dominar o ofício da representação visual – exercício típico do ateliê da atividade artística. E ao contrário do que se prega, nem tudo é ou está no conceito ou na cabeça, é preciso saber também desenhar, representar ideias.    Não houve propriamente batalha ou dissensão teórica no campo. A busca por autonomia baseada em um projeto considerado moderno e importado de fora, aliado a um projeto político conservador de industrialização, produziu este modelo hegemônico de design, que desconsidera qualquer impertinência vinda de espaço externo ao campo erudito (racional e internacionalista), ainda mais se qualificado pejorativamente de popular, como sempre foi, a maior parte da produção gráfica do povo brasileiro. Na verdade, podemos observar uma imposição - violência simbólica – de um modelo importado e internacionalista, sem que houvesse maior questionamento ou relativização de suas qualidades. Havia, sim, grande interesse de uma classe social, aliada de um projeto político conservador, em introduzir uma atividade que apoiasse o modelo desenvolvimentista de industrialização.    Podemos afirmar a razão da inexistência de tais debates sistemáticos como sendo uma busca permanente por conferir legitimidade institucional à atividade do design para as camadas sociais médias e altas. Na verdade, “a falta de uma crítica” e o “anti-intelectualismo” citados no artigo se apresentam apenas como elementos factuais e superficiais ainda nessa análise de hoje, pois o que ocorreu era claramente uma busca por reconhecimento e legitimidade de uma atividade inteiramente desconhecida da sociedade e do público em geral. O campo do design buscava uma "reserva de mercado", uma sinecura para os egressos das elitistas escolas de design, pois a mentalidade continuava sendo àquela da República dos bacharéis.    Devemos lembrar que a ideologia do modelo da escola de Ulm era internacionalista, e consequentemente da Esdi. Foi a pretensão de adequar os produtos ao usuário com a máxima eficiência e com o menor custo, em uma operação considerada também, naquele momento, de "grande alcance social", quer dizer, atendia à classe média, mas não ao povo em sua totalidade. No final dos anos setenta e início dos anos oitenta, antes e enquanto João Leite era professor da Esdi, havia uma aprovação geral desse modelo, e também uma sanção dada àqueles que não o apoiassem. Era a exclusão daqueles que não conheciam o que era design. Todos os exemplos dados pelos professores ressaltavam este ponto. Um exemplo disso era a desconsideração ou crítica do modelo tido como “formalista” da arquitetura nacionalista de linhas curvas, defendidas como “belas porque próprias da natureza e da mulher brasileira”, de Oscar Niemeyer. Aliás, no artigo ainda se desconsidera ou se ignora Niemeyer, como autor de uma arquitetura detentora de identidade nacional. Podemos dizer que o modernismo arquitetônico nacional não foi tão ortodoxo e defensor do racionalismo quanto o design. Se observarmos a presença de Niemeyer, e o seu trabalho que renunciava, como ele próprio dizia, às retas, comprovamos nossa afirmação. Outro exemplo consistiu na rejeição das peças gráficas e as imagens gráficas do que se denomina realismo socialista, tidas por ultrapassadas e ideológicas, por divulgarem valores específicos, desconhecendo o fato de que qualquer que seja a produção visual de determinado período histórico, uma noção ideológica precede tal produção.    Também observamos, com indefinível estranheza, as afirmações provenientes dos escritos de Leite, quando se sabe de sua valorização e defesa da grid e dos princípios e esquemas de produção de peças gráficas baseadas na racionalização e simplificação racionalista moderna dos elementos visuais. Perguntamo-nos por qual motivo outros escritos não foram consultados por alguém que se propõe reescrever a história do design no Rio de Janeiro.        Questão sociológica/antropológica    Há um ponto central no artigo de Zoy Anastassakis que acreditamos equivocado e que talvez seja preciso esclarecer: o problema da noção de design social como uma atividade pretensamente de base antropológica que busca conhecer o usuário por meio de espécie de etnografia, uma vez não se propõe a relativizar a própria posição ideológica do projetista. Daí os recorrentes equívocos advindos de tal noção, tais quais aqueles que levaram à implantação “arrogante” do modelo de matriz alemã.    Em primeiro lugar acreditamos que o uso de Malinowski não se sustenta como base para definição que a professora Anastassakis supõe ser “observação participante” na PUC-Rio, uma vez que o designer se constitui, não como um observador “externo” de outras práticas mais ou menos estranhas ou tradicionais, mas como uma prática disposta de valores ideológicos e inserida nas sociedades industrializadas modernas.    Para a autora do artigo, assim como para a maioria da pesquisa realizada no campo do design, a sociologia se reduz à mera descrição etnográfica e aponta para correspondências diretas entre a realidade (ou sociedade) e a cultura material. Ora, sabemos que a sociologia precisa ser crítica, visto que os sujeitos e suas ações são constituídos socialmente e jamais podem ser considerados como elementos unificados, separados da construção histórica, da estratificação social ou se desejarmos da luta de classes, assim como da distinção ou diferenciação entre cultura legítima e ilegítima. Este é precisamente o problema, o design não é um campo do saber essencial que dialoga com outros, mas uma prática, que vem gradativamente adquirindo, pela pesquisa, um saber próprio. Propomo-nos a esclarecer que, por uma dimensão antropológica crítica, o design não é um elemento dado ou “natural”. Há necessidade ainda que sejam definidos, com rigor, os seus limites, a partir de fora, senão novamente cairemos no problema apontado no artigo – um design de “de costas para a sociedade”.    Não há porque considerar, conforme o artigo aponta, apenas inter-relações entre o design e as ciências sociais, citar o design participativo da PUC-Rio, constituído com as luzes de uma antropóloga (Lélia Gonzales). Quem trabalhava na PUC nessa época pode falar que contribuição foi essa. Talvez ela não tenha existido, ou pelo menos de acordo com as fontes que a professora Anastassakis disse consultar. O design não é algo em si, não tem essência, daí a complicação. Não podemos naturalizá-lo como atividade específica e autônoma. O design precisa ser constituído a partir das diversas áreas do saber, incluindo aí as ciências sociais, e não visto como atividade em si, específica, e generosa com os usuários de seus artefatos, porque os considera a partir de apropriações metodológicas de outras ciências. Para corroborar o que estamos a argumentar no sentido de compreender a “defesa”, nesse artigo, da antropologia enquanto ciência auxiliar para a atividade do design, não há citação de autores antropólogos ou sociólogos para a sua fundamentação, mas uma narrativa histórica tal como se fosse uma narrativa de consagração com objetivos de elaboração do mito fundador disso que se designa "design social" e sua eventual aproximação das Ciências Sociais. Nesse sentido, Pierre Bourdieu, teórico que nos parece essencial para a explicação do que seria um design social, constituído em bases objetivas, autor da teoria de campos autônomos de bens simbólicos, quase nunca é considerado pelo campo do design. Imaginam os designers, que relativizar a posição do design na produção da cultura material é destruir a “magia” e “poética” da “criação” do design, quando na verdade é a relevante disposição de entender o porquê de tanta mistificação e falta de rigor em uma profissão que busca reconhecimento na sociedade. Entende-se esse “cultivar de uma imagem” romântica “para o designer” tanto na teoria de Bourdieu, quanto também em nas leituras de Janet Wolff e Howard S. Becker, que apontam como a noção carismática (e romântica) de um produtor singular, talentoso, e “de costas para a sociedade”, produz o bem raro simbólico - no caso, as obras do campo do design. No artigo de Anastassakis se nota essa espécie de mitificação, quando reaparece a conivência expressa na citação [Leite, 2006b: 259-260], pois não se explica o porquê do que seria “compreensível voltar as costas para a realidade e operar no estrito campo da idealização” quando da implantação de um modelo estranho à cultura e realidade brasileiras.    Seria talvez interessante citar o fato de que na Esdi, a disciplina de sociologia, ministrada pela professora Silvana Miceli, sempre foi uma disciplina desconsiderada, sem importância para a prática do projeto e de sua metodologia, inclusive, para os projetos de conclusão. Não era incentivada, pelos professores da Esdi, incluindo aí o citado Leite, a investigação das representações visuais que não se ajustassem aos códigos das práticas eleitas despoticamente como "fundamentais" do campo do design. Enfim, aqui seria o lugar dos debates entre as noções tidas por populares (regionais) ou formalistas (internacionais).        Questão política    O artigo apresenta, em retrospecto, um eventual questionamento do modelo hegemônico (internacionalista), que esse questionamento tivesse sido sistemático, que ocorreu já em suas origens e instalação, a partir dos designers, isto é, dos pares, ou daquilo que Roberto Eppinghaus chamava de "confraria do elogio recíproco", e não de pesquisadores em ciências sociais. A razão de tal fato ocorrer, nesse momento é que causa apreensão. Verifica-se com desconfiança essa revisão de certo questionamento do estatuto hegemônico do design - do qual a Esdi sempre se dedicou a ser a principal representante-, atribuindo-se a ‘certos ideólogos remanescentes do modernismo’ (o artigo não aponta quais seriam estes ideólogos), a permanência dessa ideologia. Entretanto, não há como negar que professores da Esdi, profissionais recrutados e formados pela escola e tantos outros ligados ideologicamente a esse modelo de pedagogia, como Rafael Cardoso, foram seus principais defensores e reprodutores.    Nota-se neste artigo a necessidade de recuperar uma história do design jamais apresentada e debatida sistematicamente. Uma vez que se encontra esgotado o tipo dominante de pesquisa de design baseado em teorias de base biológica e cognitiva (semiótica, comportamental do marketing e das neurociências), agora se debruçam, mas não da primeira vez, pois isso já ocorre na PUC-Rio a alguns anos, sobre o que denominam de design social – uma "metodologia projetual" convencional que se propõe a coletar dados através de observação etnográfica. Entretanto, nesse design apresentado como "social", o modelo é análogo, em que o design se constitui a partir de si mesmo, enquanto atividade em si e dotada de especificidade perante as demais atividades projetuais e de fabricação de cultura material tida como criativa. A tentativa, parece-nos, é manutenção de uma hegemonia política e não um debate efetivamente teórico na pesquisa em design, ao apresentar em retrospecto uma espécie de discussão que tivesse perpassado o campo do design desde os anos de 1960, evidenciando as relações do design com o contexto cultural. Na verdade, se apresenta agora um reconhecimento ou localização de visões “dissonantes” do design hegemônico, como própria defesa da legitimidade dessas “vozes” e dos autores das citações desse artigo, que recuperam algo “perdido”. Forma eficaz e dissimulada de manutenção do domínio do campo do design, pelos mesmos que defenderam sempre o modelo hegemônico do design.    Podemos observar a produção discursiva (produção simbólica) nos enunciados e citações deste artigo que recupera a posteriori uma experiência jamais levada a cabo – o debate, o questionamento do modelo hegemônico e o projeto de nova experiência de ensino de design (a escola de design de Lina Bardi) - para novamente defender a legitimidade da atividade que teria debatido incessantemente sua relação com a produção cultural nacional, tentando demonstrar a existência de um debate e uma crítica, jamais consolidada no âmbito do campo de produção do design. Somente esconde, mais uma vez, a objetividade com que este assunto deveria ser investigado. É curioso notar que nenhum pesquisador do campo do design menciona o fato de Aloísio Magalhães ter sido ministro da educação e cultura de uma ditadura militar e que Lina Bardi foi mulher de um público e notório fascista italiano (Pietro Bardi) financiado pelo dono dos Diários Associados, Francisco de Assis Chateaubriand, uma espécie de Roberto Marinho (Rede Globo) dos anos cinquenta e sessenta.    Afirmar que desde os anos 1960 há o debate entre formas de design e "design social" parece-nos exagero. Desde os anos sessenta não houve qualquer esforço sistemático nesse sentido, talvez até o contrário: a manutenção de uma ideologia baseada nos esforços de aprofundamento do modelo de atividade baseada nas técnicas próprias disso que hoje é chamado de "metodologia projetual". Este questionamento somente passou a ocorrer de modo evidente (caso tenha realmente existido) após os anos oitenta - em função da falência desse modelo hegemônico que não considerava as culturas e subculturas das diversas frações dos grupos sociais-, quando movimentos de contestação ao design racionalista e diluído no estilo internacional apresentaram alternativas que demonstravam alguma contextualização, na medida em que incorporavam formas advindas da cultura vernacular, européia e norte-americana. Tais formas somente foram admitidas no campo do design localizado no Brasil, após sua legitimação produzida pelos periódicos e pela crítica internacional especializada.    Nesse momento se atribui ao pensamento dos dois – Aloísio Magalhães e Lina Bardi – o estatuto de modelos! Modelo significa algo sistemático, detentor de parâmetros que podem ser observados e avaliados. O que não foi o caso. Trata-se de um pensamento ou de uma ideia sobre outro modelo de ensino sistemático da Esdi. Nesse sentido, observamos claramente a contradição no que se denomina de modelos dissonantes, pois a posição individual dos dois casos citados diante de um regime autoritário era evidente. O aspecto marcante da atuação de Aloísio era a luta pela legitimidade da profissão; enquanto o de Lina era a atuação diante ao contexto cultural.    O que ocorre é que temos clareza de que o campo do design, em busca por legitimidade cartorial e no objetivo de perpetuar o domínio patriarcal, ou talvez clientelista, do campo sobre a produção de obras consideradas modernas, inovadoras e dotadas de eficiência ou eficácia funcional, ignorou e desconsiderou diversos produtores não detentores de formação específica em cursos de design. Exatamente como hoje se faz em relação à pesquisa não hegemônica, aquela que não foi ungida dos santos óleos do racionalismo internacionalista, desconsideram qualquer vertente alternativa da preponderante. Tal desconsideração e “alienação” não é novidade. Somente para aqueles que têm ignorado a pesquisa produzida, desde 1994, na PUC, pelo Laboratório da Representação Sensível (LaRS), especialmente pelo GRUDAR, que têm efetuado esforços no sentido de compreender com objetividade o que se define por design social. Acreditamos que o Design se define a partir da sua constituição como um campo simbólico autônomo, tal como apontou Pierre Bourdieu. É preciso entender que não há qualquer divergência entre a visão histórica do artigo e a mítica proposta para o seu campo de produção, pois em ambos, a narrativa construída para construção da legitimidade da atividade profissional que defende um design, conforme apontamos anteriormente, “isento” de ideologias, mas que continua a ignorar as contribuições que não se ajustam ao modelo dominante de pesquisa em seu campo.    Independentemente do que afirma professora Zoy Anastassakis, na PUC-Rio há uma discussão sistemática desde 1994, onde foram apontados ao longo dos anos para quem quis ouvir e ler, que tal funcionamento do campo estimula a divulgação de posições “científicas” sem nenhum rigor, pois se verifica uma desconsideração ao contexto cultural onde essa prática se insere.

Tiago Toledo
19/06/2012

Adorei o artigo! Agora entendo melhor porque percebo a PUC formando melhores designers de produto do que a ESDI. (Sou formado pela esdi em 2004.) Esse artigo me abriu os olhos para a validade da aproximação do design com antropologia. Há duas coisas que, na minha opnião, também deveriam ser guias para novas mudanças nos cursos, diversas das áreas sociais. Primeiro, é importante ensinar desde cedo a importância da habilidade, o que faltou terrívelmente na minha formação, e parece, na de meus colegas também. Uma nova noção que apareceu em um artigo de Bruce Nusbaum é pensar o design mais em função de Habilidades do que Metodologias. Nusbaum fala sobre idealizarmos uma "Inteligencia Criativa", ao invés do foco em uma metodologia, "design thinking". Achei genial entender a função da habilidade no processo criativo. Na minha opnião, ela é essencial para a quantidade e qualidade de idéias, estas sendo intrínssecas à geração de uma (única) idéia boa para um produto. Designers de carros já perceberam isso, no entanto é pouco enfatizado nas graduações. Segundo, penso que o designer deveria se candidatar à agente para inovação. Para isso, se tivéssemos um pouco mais de conhecimento técnico poderíamos dar um pulo-do-gato. Falando de maneira mais grossa: o "design" deve ter mais "engenharia". Talvez no último ano o aluno de design de produto escolhesse uma categoria técnica para se especializar: mecânica, elétrica, eletrônica, informática ou mecatrônica... ou algo do tipo. Se percebermos, todos os bons exemplos de inovações têm um fundo técnico forte, mesmo aquelas onde convencionou-se associar às competências do design: David Kelley da IDEO é engenheiro, Steve Jobs tem treinamento técnico (mesmo não-formado), Thonet, BMW, Dyson, etc.. Um treinamento técnico mecânico (por exemplo) me deu (sou técnico formado) a confiança para propor soluções mais profundas e reais mesmo ainda necessitando dos engenheiros no processo.  

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