Ano: IV Número: 46
ISSN: 1983-005X
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O design responsável de Victor Papanek
Fernando Alvarus de Oliveira e Jorge Lucio de Campos

A natureza é um objeto enigmático, um objeto que não é,

inteiramente,  objeto; ela não esta, inteiramente, diante de nós.

É o nosso solo, não o que está diante, mas o que nos sustenta”

M. Merleau-Ponty

 

Trajetória e obras

Nascido em Viena, Victor Papanek (1927-1998), morou na Inglaterra (Londres) antes de migrar para os Estados Unidos (Nova Iorque) onde, no final dos anos quarenta, estudou design e arquitetura.

Após trabalhar com Frank Lloyd Wright (1867-1959), frequentou, como estudante e professor, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), tendo, posteriormente, lecionado em universidades do Canadá, Dinamarca, Suécia e Reino Unido e atuado, na condição de consultor e pesquisador, na Austrália, Indonésia e Papua-Nova Guiné. 

Como designer, fez parcerias com a UNESCO e a Organização Mundial de Saúde nas quais desenvolveu projetos para deficientes. Curiosamente, um dos seus primeiros trabalhos foi o de um rádio e, como ele diria num trecho de sua obra (1) mais conhecida, “foi o meu primeiro e, espero, último encontro com o design de aparência, o styling ou o design cosmético”.

Ironicamente, em 1952, desenvolveu (2), junto com George Seeger (3), um outro projeto de rádio, bem distinto (4) do primeiro e, em 1968, com James Harold e Jolan Truan − dois de seus alunos na Universidade de Purdue (Indiana) − um sistema de plantio para a recuperação de áreas degradadas pela erosão que consistia no lançamento aéreo (a partir de aviões) de sementes artificiais.

“(...) Papanek e sua equipe fizeram experiências com polietileno biodegradável na criação de bloqueios para paisagens áridas. O conceito era bastante simples; foram usados o carrapicho, a bardana (carrapicho de carneiro) e outras sementes com a propriedade de ‘gancho’ [de reter o solo]. (...) Criaram uma semente-gancho artificial feita de plástico biodegradável com meia-vida de seis a oito anos, que seria, então, absorvida pelo solo. Milhares de sementes era presas ao ganchos de plástico. [O material] era então lançado em áreas erodidas e desérticas. (...) formavam um represamento que capturava (...) sementes, folhagem, solo superficial e outras partículas orgânicas. O bloqueio crescia, literal e figurativamente. De três a seis estações depois, o material teria crescido e formado uma área compacta de vegetação e uma armadilha permanente para o solo superficial. Ao final deste período, o plástico passava a ser absorvido pelo solo e pela vegetação circundante e se transformava num agente fertilizante.” (5)

Papanek produziu uma obra escrita (6) importante sobre o  design sustentável e responsável. Além de ter colaborado, ao longo de toda a sua carreira, com várias coletâneas e revistas, escreveu livros como Design for the real world: Human ecology and social change  (Design para o mundo real: Ecologia humana e transformação social) lançado em 1971, e que viria a ser o mais destacado de todos.

Contudo, mesmo traduzindo e sintetizando todas as nuanças de seu pensamento − e ainda hoje demonstrando uma capacidade surpreendentemente visionária – este também lhe angariou críticas.  

Nomadic furniture: How to build and where to buy lightweight furniture that folds, collapses, stacks, knocks-down, inflates or can be thrown away and re-cycled (“Mobiliário nômade: Como construir e onde comprar móveis leves, dobráveis, desmontáveis, empilháveis, infláveis, ou que possam ser descartados e reciclados?”),  lançado dois anos depois de Design for the real world, em parceira com James Hennessey, apresenta o Papanek da economia de recursos e dá pistas de sua futura atuação no que chamamos hoje de sustentabilidade. Numa resenha sobre o livro, David Sokol afirmou que

“Quando a Depressão atingiu a Europa, o renomado arquiteto e designer de móveis alemão Gerrit Rietveld projetou a série Crates, peças de mobiliário feitas com placas baratas de madeira, refletindo as dificuldades da época. (...) Com Nomadic furniture, os autores (...) respondem a uma nova crise: o fenômeno do nomadismo urbano, onde o mobilário pesado requer muito espaço e combustível e enche os depósitos de lixo, já que os americanos se mudam, cada vez mais frequentemente. (...) Surpresa – os dois volumes do livro foram, originalmente, publicados na década de 1970. (...) Na verdade, [o livro] se parece com uma revista do tipo ‘faça você mesmo’. (...) Os autores mostram maneiras inteligentes de transformar materiais modestos em bens baratos e de boa aparência, algumas vezes ‘melhorando’ um móvel de design contemporâneo existente no mercado.” (7)

Papanek só voltaria ao tema alguns anos depois, quando lançou, novamente com Hennessey, How things don't work (Como as coisas não funcionam). Como bem disse a seu respeito Uli Diemer:

“(...) agora, uma dupla de designers profissionais fornece um olhar totalmente novo sobre a ‘qualidade de vida’ [nos Estados Unidos] (...). [No livro] eles examinam alguns dos bens que, supostamente, aumentariam nossa alta qualidade de vida. Sua mensagem é que existem inúmeros aparelhos, ferramentas e dispositivos pelos quais somos tão orgulhosos que, muito frequentemente, são mal projetados, tendendo a se quebrar e não fazendo, satisfatoriamente, aquilo para o que foram planejados. Em resumo, não funcionam de verdade. (...) [Os autores] não estão dispostos a aceitar as coisas que a maioria de nós vem sendo treinada para aceitar. (...) Por que, eles perguntam, toda casa deve ter um cortador de grama, se ele só é usado por meia hora a cada duas semanas? Não faria mais sentido se sete ou oito vizinhos comprassem um juntos e o usassem todas as vezes que precisassem? Fazendo isso, também seria possível comprar um modelo melhor, que quebrasse menos que o modelo comum.”(8)

Seu livro seguinte, Design for human scale (Design para a escala humana), de 1983, tinha antes a forma de um manual e, apesar de manter o discurso idealista de sempre, um enfoque prático mais acentuado. Nele, Papanek estabelecia uma espécie de programa de sete pontos para “recolocar a base humana no processo do design” (9), ao mesmo tempo em que dava um passo ousado rumo à descentralização.

Reassumindo o mesmo tom de urgência do primeiro, o seu último livro − lançado em 1995 − The green imperative: Natural design for the real world (O imperativo verde: Design natural para o mundo real) foi considerado uma espécie de tentativa de atualização daquele, embora sem a mesma repercussão. Ali voltou a atacar a cultura do consumismo e do design irresponsável (10), exortando os arquitetos e designers para  incorporarem a ética em sua atuação profissional, com uma atenção especial para o uso indiscriminado dos recursos naturais.

 

Adequação, utilidade, modismo

Ao longo das quase quatrocentas páginas de Design for the real world, estão resumidas as principais convicções e aspirações de Papanek, que não economiza ironia e acidez, ao apontar problemas ainda na pauta do dia em pleno século XXI. Em 1975, em um artigo da revista Design, chegou a afirmar que seus contemporâneos não gostavam dele, tendo sido o livro “ridicularizado, criticado ou atacado de forma selvagem” e seu autor ameaçado, quando de uma exposição no Centro Pompidou de Paris, a sofrer um boicote, caso seus trabalhos nela fossem acolhidos. (11)

Entretanto, no prefácio da edição de 1985, surgia, enfim, um motivo para comemoração: após ter sido traduzido para vinte idiomas (hoje, vinte e três), Design for the real world se tornava, na ocasião, o livro sobre design mais lido no mundo. Foi quando Papanek fez uma afirmação que, ao longo dos anos, se transformaria numa espécie de síntese de seu pensamento: “existem profissões mais danosas que o design, porém são poucas” (12). E continuou:

“Possivelmente, apenas uma é mais barulhenta. A publicidade (...). O desenho industrial, por inventar as idiotices anunciadas pelos publicitários, vem num segundo lugar bem próximo. (...) Antes [nos bons tempos], se uma pessoa queria matar alguém, virava um general, comprava uma mina de carvão ou estudava física nuclear. (...) Projetando automóveis inseguros que matam perto de um milhão de pessoas em todo o mundo a cada ano (...) e escolhendo materiais e processos que poluem o ar que respiramos, os designers se transformaram numa classe perigosa.”

E ainda:

“O design deve se tornar uma ferramenta inovadora, altamente criativa e multidisciplinar, que responda às reais necessidades do homem. Deve ser mais orientada por pesquisas (sendo que) temos a obrigação de parar de encher a Terra com objetos e estruturas mal projetados. (...) Tenho tentado dar um claro panorama do que significa design dentro de um contexto social.”

Posicionando-se sobre o projeto de uma mesa − cujo tampo seria de mármore polido e as pernas de aço inoxidável bem proporcionadas − Papanek se disse movido pela vontade de se deitar sobre ela e ter o apêndice extraído. Nada nela falaria sobre a sua verdadeira função, tendo o International Style, com efeito, nos deixado órfãos, em termos de valores humanos. A eterna oposição entre beleza e função, acirrada nas escolas de design europeias do pós-guerra, foi tratada no livro como uma preocupação autêntica e uma pergunta recorrente dos estudantes − “Deve ser bonito ou funcionar bem?” – mereceria, a seu ver, uma resposta simples: a estética é inerente à função.

Papanek afirmou que as potencialidades regionais, climáticas e de capacitação, devem sempre estar presentes nos bons projetos de design. Ferramentas devem ter o seu uso otimizado e um material mais barato e eficiente jamais deve ser substituído por outro mais caro. Os tratores nos cafezais são um dos exemplos citados por ele. Em outro, as cabanas de toras de Delaware − construção típica deste estado litorâneo do Nordeste dos Estados Unidos − surgiram quando os primeiros colonos suecos chegaram à região, tendo à sua disposição machados e árvores de troncos roliços.

Os prédios da comunidade de artesãos de Arcosanti, no Arizona, de autoria do arquiteto italiano Paolo Soleri é outro modelo citado. Usando a terra e a areia do deserto, este construiu uma série de prédios de concreto, abrindo as formas no próprio solo arenoso e injetando, depois, o cimento.

"Grande parte do design recente atende apenas as vontades e os desejos voláteis, enquanto as necessidades genuínas do homem têm sido frequentemente negligenciadas (...). As necessidades econômicas, psicológicas, espirituais, tecnológicas e intelectuais são quase sempre mais difíceis e menos lucrativas do que as 'vontades' cuidadosamente construídas e manipuladas e impostas pela moda.”

O que diria Papanek dos sapatos “pata de lagosta” do designer britânico Alexander McQueen (1969-2010)? Montados em altas plataformas que obrigam as mulheres a ficarem, praticamente, na ponta dos pés ao andarem, foram vistos, amiúde, em uso pela modelo Daphne Guinness. Em setembro de 2010, durante um desfile em memória de McQueen, Daphne teve que ser amparada pelo público, ao quase cair do alto de um daqueles sapatos. No entanto, um exemplar dos disputados produtos de McQueen (dos modelos mais tradicionais) custa, em média, oitocentas libras (o equivalente a dois mil cento e oitenta reais, em janeiro de 2012).

 

Ética, responsabilidade, sustentabilidade

“Nenhuma escola de design teve tanta influência no gosto e no projeto quanto a Bauhaus”, escreveu Papanek. Segundo ele, a Bauhaus foi pioneira ao considerar o design como uma parte vital do processo de produção, deixando de ser visto como arte aplicada ou industrial. Ao mesmo tempo, a instituição reuniu estudantes do mundo todo, constituindo, assim, o primeiro grande fórum internacional de design. Suas propostas se espalharam por todo o planeta, com a abertura de escritórios e o exercício da profissão levado a cabo, desde então, por seus ex-alunos.

Papanek ressalvou, no entanto, que os métodos utilizados pela escola alemã de 1919 seriam um anacronismo no ensino superior norte-americano de design dos anos 1960. Submeter um estudante ao trabalho com serras circulares, usando cola e couro, seria isolá-lo do mundo, negando a existência do computador, dos plásticos e do desenvolvimento científico e tecnológico em geral.

Como profissionais, temos criado objetos que não consideram o homem como centro, no qual o uso e a constante atualização tecnológica tem prevalecido sobre a sua usabilidade. Hoje, o exemplo da mesa de jantar cirúrgica, apresentado por Papanek, encontra eco nos liquidificadores aerodinâmicos e nos fornos de microondas com seus complicados painéis. Alan Cooper − consultor em design de usabilidade e criador do método de personas para análise de ferramentas em tecnologia – falou, contundentemente, sobre isso em uma entrevista publicada em dezembro de 2006 no site Information & design:

“Estou indignado com tudo. Não existe razão para que os produtos que utilizam alta tecnologia sejam tão difíceis de usar como são, e nós lutamos com eles, o tempo todo. Em São Francisco, por exemplo, existem centenas de edifícios comerciais com milhares de escritórios e, em cada um deles, em cada cubículo destes escritórios, há um telefone sobre a mesa com a última palavra em tecnologia que é, virtualmente, impossível de usar (...). Por isso eu estou tão indignado, porque uma tecnologia ruim e difícil de usar prevalece tanto e é tão fácil de consertar.” (13)

Todas estas questões remetem ao conceito de responsabilidade, de design social. Aponta Papanek que:

“apenas o homem (entre todos os animais) transforma a Terra para adequar-se a seus desejos e necessidades. (...) À medida em que avançamos na era da produção em massa, o design torna-se ubíquo. (...) Com a produção de objetos aos milhões, os erros se multiplicam milhões de vezes, e a menor decisão no design tem enormes consequências.”

Basta pensar no projeto de garrafas de água PET, perfeitas na ergonomia, na transparência (que permite aferir a qualidade da água) e na sensualidade da forma. Todavia, fabricadas aos milhões, elas entopem os aterros sanitários e os lixões, se tornando, virtualmente, impossíveis de eliminar. Segundo Papanek, um projeto como este jamais deveria ter saído da prancheta para a fábrica.

Para os céticos, Design for the real world dá exemplos do que é chamado por seu autor de design honesto. Ele lembra a difícil época da Segunda Guerra Mundial, quando a demanda por material − principalmente pelos metais − forçou uma mudança de mentalidade de consumo, na Europa e nos Estados Unidos. A própria Força Aérea Britânica adotou o projeto de um avião britânico de combate multitarefa construído inteiramente de madeira, com exceção dos armamentos e dos motores − o de Havilland DH.98 Mosquito. Quando entrou em operação, em 1941, foi considerado o avião mais rápido do mundo. Havia ainda uma caçarola de papelão plastificado vendida, durante a guerra no território norte-americano, por apenas quarenta e cinco centavos. Embora suportando um calor de até 245ºC e podendo ser lavada e reutilizada, curiosamente, desapareceu do mercado, no fim de 1945.

“A necessidade do design honesto (design de uso versus design de vendas) impôs uma disciplina mais saudável que aquela dos mercados”, comentaria Papanek. É interessante ver a constatação do designer sobre a internacionalização do mercado de trabalho. Em um texto preparado para uma revista de design inglesa, ele afirma que

“(...) A sobrevivência de grupos ou países marginalizados depende do monopólio de conhecimento de uma elite profissional e do monopólio produtivo de especialistas. Temos, assim, uma nova definição de necessidades básicas, aquelas que só podem ser atendidas pelas profissões internacionalizadas.”

Papanek citava um texto em que ironiza o descomprometimento dos designers e sua falta de limites:

”O que aconteceria se todas as obrigações sociais e morais fossem removidas do trabalho dos designers (...). [Em 1970] escrevi um texto irônico que tentava demonstrar como a combinação de design irresponsável, chauvinismo e exploração sexual poderia ser altamente destrutiva. (...) Foi chamado de Projeto Lolita (...) [E propunha] a produção de uma mulher artificial. Essas mulheres de plástico seriam animadas, aquecidas, com unidades de resposta programada, vendidas a quatrocentos dólares, em grande variedade de cores de cabelo e de pele e tipos raciais. (...) Uma linha especial (...) equipadas com doze seios, três cabeças e programadas para serem agressivas. (...) Para minha surpresa, comecei a receber cartas por causa do artigo. Um professor PhD de Harvard escreveu quatro vezes pedindo licença para fabricar a boneca. Designers de muitos países têm escrito, oferecendo dinheiro por uma sociedade, para começar a fabricar as Lolitas.”

Por coincidência ou não, nos anos 1990, bonecas de silicone, com textura semelhante a do corpo humano e modelagem realista começaram a ser negociadas em sex shops e, em 2003, a empresa Mechadoll, além de silicone medicinal, passou a vender, inclusive pela internet, bonecas com um sistema de aquecimento que mantém a pele na mesma temperatura que a do corpo humano.

Em uma época em que mal se falava de reciclagem, Papanek antecipou, em quarenta anos, o novo paradigma da sustentabilidade: reduzir, reutilizar e reciclar. Nos parágrafos finais de Design for the real world sentenciou que:

“O design (...) deve se dedicar ao ‘princípio do menor esforço’ da Natureza. Em outras palavras, (...) [deve] fazer o máximo com o mínimo. Isso significa consumir menos, usar as coisas por mais tempo, reciclar materiais e, provavelmente, não desperdiçar papel imprimindo livros como este. (...) As ideias, a abrangência, a não especialização, a visão geral interativa de uma equipe [herança do homem primordial, caçador] que o design pode trazer ao mundo, deve ser agora combinada com um senso de responsabilidade. Em muitas áreas, os designers deverão aprender a reprojetar. Desta forma, será possível a sobrevivência através do design”.

 

Considerações finais

Não há como negar o pioneirismo de Papanek no discurso de preservação de recursos e consumo responsável e consciente. Ao mesmo tempo, ao situá-lo na época em escreveu seu principal livro, é possível atribuir suas críticas a um certo discurso, quase onipresente nas décadas de 1960 e 1970, em que se voltar contra o estabelecido era estar à frente.

Decerto influências ocorreram, mas as mensagens veiculadas por este livro são amplas, consistentes e, muitas vezes, desconcertantes por mostrarem aspectos da vida diária que, vistas de fora, parecem não fazer sentido. Como no caso de mulheres e homens que usam, apenas pelo valor social, roupas desconfortáveis ou inadequadas a um determinado clima.

Porém, quando, em The green imperative, Papanek voltou à carga, as críticas passaram a tratar, ironicamente, o seu discurso como ingênuo. Sem atualizar as bases de suas colocações, o designer de Viena pareceu, para muita gente, ter ficado para trás. Hoje, instituições científicas de todo o mundo e governos têm considerado o problema da economia de recursos como o de maior prioridade. Com potencialidades tanto para conduzir ao estancamento quanto à irreversibilidade do quadro de falência de nações inteiras ameaçadas por seguidas crises de abastecimento e pelo fim de algumas atividades econômicas. A diferença é que agora há uma comprovação científica para os cenários de crise que nos avizinham.

Um bom exemplo de como mudaram as coisas: na época em que Design for the real world foi escrito, o presidente brasileiro era o general Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), e o órgão que cuidava de florestas e afins era o Instituto Brasileiro de Defesa Florestal (IBDF), subordinado ao Ministério da Agricultura. Na prática, um fiscalizador do pequeno número de parques florestais brasileiros de então. Hoje, o Ministério do Meio Ambiente (criado em 1992) é uma das pastas mais importantes da administração pública, com poder, inclusive, de embargar obras ou atividades que possam ameaçar os recursos naturais.

Seria uma pretensão de nossa parte relacionar, diretamente, os escritos de Papanek com as mudanças de pensamento (e de ação) que ocorreram, planetariamente, desde os anos 1970. Mas não há dúvida que, junto com outras iniciativas, eles causaram um razoável desconforto.

O que parece não ter correspondido, no mesmo ritmo, foi a atuação profissional dos designers. Muitos deles ainda não encontraram a maneira certa de cruzar sobrevivência − uma de suas desculpas preferidas para aceitar todo tipo de trabalho − com responsabilidade. Na maior parte das vezes, quando um projeto atende aos requisitos adequados, a decisão é externa e provém, fundamentalmente, do cliente. Segundo pensava Papanek, caberá a eles próprios alterar esta lógica e transformar aquela sua famosa frase, antes aludida, numa outra de sentido bastante diferente.

 

Fernando Alvarus de Oliveira é designer. Aluno do Programa de Pós-Graduação em Design (Mestrado) da ESDI/UERJ.

Jorge Lucio de Campos é doutor e pós-doutor em Comunicação e Cultura (História dos Sistemas de Pensamento) pela ECO/UFRJ. Graduado e mestre em Filosofia (Estética) pelo IFCS/UFRJ. Professor do Programa de Pós-graduação (Mestrado) em Design da ESDI/UERJ.

 

Notas

(1) PAPANEK, Victor. Design for the real world: Human ecology and social change. New York: Pantheon, 1971.

(2) Aluno destacado da North Carolina State College, Seeger teria trabalhado na parte eletrônica desse projeto.

(3) Cosmorama: Architetural Design, maio de 1972.

(4) Utilizando latas descartadas de metal, Papanek montou um receptor que funcionava mediante a utilização de cera de vela como combustível. Fechado dentro do compartimento de metal, um pavio aceso queimava a cera durante vinte e quatro horas. No caso da falta desse material, até mesmo esterco seco poderia ser usado para a queima. O conjunto continha apenas um transistor e custava, na época, US$ 0,09 centavos (cerca de US$ 0,60 centavos, hoje). Apesar de sintonizar apenas uma estação, o rádio foi distribuído pela Organização das Nações Unidas em pequenas cidades indonésias que nunca haviam recebido uma transmissão radiofônica. Considerando que cada sessão poderia durar, em média, cinco minutos diários, o aparelho poderia funcionar até um ano sem precisar de recarga de combustível. 

(5) Perry Chan, Parsons The New School for Design. Disponível em: http://a.parsons.edu/~perry/ ecoMidterm.html - (2002/2003).

(6) Até a data deste artigo, apenas um livro de Papanek havia sido traduzido para o português: The green imperative: Ecology and ethics in design and architecture (1985), publicado pelas Edições 70, de Portugal, com o título Arquitetura e design: Ecologia e ética (2007).

(7) Green Source Magazine, em resenha para a nova edição do livro, em 2008.

(8) Resenha de Ulli Diemer, publicada em Seven News, agosto de 1978.

(9) Resenha de Judith Shawn, publicada na revista Mimar 2: Architecture in Development. Indonésia, 1981.

(10) Critica, por exemplo, carros que avisam quando a porta está aberta e a miniaturização de produtos que ignoram a escala humana.

(11) Alice Rawsthorn, para o jornal The New York Times, no artigo “An early champion of good sense”, publicado em 15 de maio de 2011.

(12) Valemo-nos neste artigo da versão virtual do livro, disponível na internet: Cf.  http://playpen.icomtek.csir.co.za/~acdc/education/Dr_Anvind_Gupa/Learners_Library_7_March_2007/ Resources/ books/designvictor.pdf

(13) Entrevista concedida a Gerry Gafiney, gravada para The User Experience Podcast, episódio 19, e transcrita. Melbourne (Austrália): dezembro de 2006.

 

Referências bibliográficas

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